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Brasil se torna ímã para trabalhadores estrangeiros por By SIMON ROMERO, no New York Times

6 - 8 minutos de leituraModo Leitura

BRASILÉIA, Brazil – Sobre a odisseia que o levou a esta cidade na
Amazônia brasileira, Wesley Saint-Fleur só demonstrou um olhar de
exaustão e atordoamento.


Meses atrás, ele embarcou em um ônibus no Haiti, antes de pegar um
avião na República Dominicana, que pousou primeiro no Panamá e depois no
Equador. Lá sua mulher deu à luz ao filho, Isaac, ele contou,
balançando o bebê de quatro meses no joelho e mostrando o documento de
identificação equatoriano do menino.

Então eles continuaram de ônibus  novamente, através do Equador e do
Peru. Em seguida, foram a pé até a Bolívia, onde ele e a mulher tiveram
as roupas e as economias furtadas pela polícia: 320 dólares em
dinheiro.

"Então nós finalmente chegamos ao Brasil, que me dizem está
construindo de tudo, estádios, barragens, estradas", disse o sr.
Saint-Fleur, 27, um operário da construção, um de centenas de haitianos
que se juntam todos os dias em torno da praza cheia de palmeiras de
Brasiléia. "Tudo o que eu quero é trabalhar e o Brasil, graças a Deus,
tem empregos para nós".

Apostando tudo, milhares de haitianos fizeram este caminho através
das Américas para atingir pequenas cidades da Amazônia brasileira no ano
passado, numa busca desesperada por trabalho. Houve a chegada de
centenas em dias recentes, em meio a temores de que o governo brasileiro
terá de reduzir o fluxo antes que as autoridades locais não dêem mais
conta de recebê-los.

Suas jornadas improváveis – dos destroços de suas casas na ilha a
esses lugares remotos da Amazônia – dizem muito sobre as difíceis
condições econômicas que persistem no Haiti dois anos depois do
terremoto, mas também sobre o crescente poderio econômico do Brasil, que
está se tornando rapidamente um ímã para trabalhadores estrangeiros
pobres, mas também para um número crescente de profissionais educados da
Europa, dos Estados Unidos e da América Latina.

Ao chegar neste e em outros pontos da fronteira, os haitianos recebem
vacinas, água limpa e duas refeições por dia das autoridades. Alguns
ficam por semanas em Brasiléia e outras cidades antes de receberem
vistos humanitários que permitem a eles trabalhar no Brasil.

Mas com o grande número de novos imigrantes, outros não tem tido a
mesma sorte. Depois de viajar milhares de quilômetros e superar muitos
obstáculos, alguns se juntam em oito pessoas num pequeno quarto de hotel
ou acabam dormindo nas ruas, quase revivendo a miséria que esperavam
ter deixado para trás.

"Não posso permitir que a tristeza chegue, já que oportunidades virão
depois desta fase", diz Simonvil Cenel, 33, um alfaiate que está
esperando o visto e que lidera animados cultos evangélicos para os que
ficam no limbo depois de terem enfrentado de tudo para chegar aqui.

Cerca de 4 mil haitianos foram para o Brasil desde o terremoto de
2010, em geral passando primeiro pelo Equador, um país mais pobre e com
políticas relaxadas de imigração. O Brasil fez uma exceção para os
haitianos, em contraste com os que buscam emprego vindos do Paquistão,
da Índia e de Bangladesh, que usam as mesmas rotas amazônicas mas são
normalmente expulsos.

"O Haiti está se recuperando de um período de crise extrema, e o
Brasil está em condições de ajudar essas pessoas", disse Valdecir
Nicácio, uma autoridade de Direitos Humanos do estado do Acre, onde fica
Brasiléia. "Antes de chegar aqui, eles ficam à mercê dos traficantes
de humanos", ele disse. "O Brasil é suficientemente grande para
absorver os haitianos que querem empregos".

Com o número de haitianos crescendo fortemente em dias recentes, as
autoridades em Brasiléia e Tabatinga, uma cidade fronteiriça do estado
do Amazonas, alertam sobre dificuldades para alimentar e hospedar os
haitianos enquanto os pedidos de visto são avaliados. Autoridades
federais responderam mandando toneladas de comida para os haitianos, que
hoje são mais de mil em cada uma das cidades.

Lidar com uma crise imigratória em suas fronteiras é um novo dilema
para o Brasil, que até recentemente estava mais preocupado com a saída
de seus próprios cidadãos que buscavam oportunidades nos países ricos do
que com a chegada de milhares de estrangeiros empobrecidos.

Embora o crescimento econômico tenha se reduzido recentemente no
Brasil, o desemprego permanece em um nível historicamente baixo de 5,2% e
muitas companhias encontram dificuldades para encontrar trabalhadores e
preencher vagas. Os salários também subiram para os que ocupam os
níveis mais baixos do mercado de trabalho, com a renda dos brasileiros
pobres subindo sete vezes mais que a renda dos brasileiros ricos entre
2003 e 2009.

"Estamos experimentando um declínio em nossa força de trabalho porque
muitos brasileiros vão trabalhar em dois projetos hidrelétricos",
disse Ana Terezinha Carvalho, a analista de pessoal da Marquise, uma
companhia de Porto Velho. A cidade fica no alto da bacia amazônica, onde
o Brasil emprega milhares para construir duas grandes represas,
chamadas Jirau e Santo Antônio.

A sra. Carvalho disse que a companhia dela rapidamente contratou 37
haitianos que chegaram no ano passado, para coletar lixo em Porto Velho e
levar até o aterro sanitário.  Alguns ganham mais de 800 dólares por
mês, num trabalho que inclui seguro de saúde, hora extra e feriados
pagos. "Não havia brasileiros, ficamos felizes ao contratar haitianos",
ela disse.

As autoridades estimam que cerca de 500 haitianos vivem em Porto
Velho e cerca de 700 em Manaus, a maior cidade brasileira na Amazônia.
Centenas de outros chegaram a São Paulo, a capital econômica do Brasil.
Companhias como a Fibratec, um fabricante de piscinas do estado de
Santa Catarina, enviaram gerentes até aqui para contratar dezenas de
haitianos.

Além de atender a demanda por trabalho baraoa, o empenho em permitir
que haitianos trabalhem no Brasil demonstra a ambição do país em ter
maior influência regional, ao tentar aliviar os problemas da nação mais
pobre do hemisfério.

Desde 2004, o Brasil manda tropas para liderar a missão de paz das
Nações Unidas no Haiti. Mas agora há mais haitianos no Brasil do que
soldados brasileiros no Haiti. Em setembro, o Brasil anunciou que
começaria a reduzir o número de seus soldados – 2 mil – na nação
caribenha.

A maioria dos haitianos espera passar algumas semanas no limbo da
imigração em Brasiléia, antes de seguir viagem. Alguns, como Francisco
Joseph, de 25 anos, aproveitam seu tempo aqui. Ele compra cartões de
celular pré-pago atravessando a ponte até Cobija, na Bolívia, e os vende
aos haitianos que ficam na praça de Brasiléia com 30 centavos de dólar
de lucro por cartão. Ele ganha até 10 dólares por dia.

"Esse pouquinho de dinheiro me dá um pouquinho de dignidade", ele diz.

Outros, como Jacksin Etienne, 31, tem sonhos maiores. Um poliglota
que passa facilmente do inglês para o espanhol, deste para o francês e
em seguida para o creole, o sr. Etienne diz que espera trabalhar como
tradutor em um hotel.

"Quero ir direto para São Paulo, a Nova York da América do Sul", ele
diz. "O Brasil está em ascensão e precisa de gente como eu".

Lis Horta Moriconi and Erika O’Conor contributed reporting from Rio de Janeiro.

PS do Viomundo: Eu não sei se o dado é real, mas
fico imaginando o cara lá de Wisconsin lendo na primeira página do New
York Times que a renda dos mais pobres subiu sete vezes mais que a dos
mais ricos no Brasil…

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