Brasil vive a encruzilhada mais séria desde 64 por Alípio Freire
Quando José Serra
tenta transformar a disputa política numa guerra religiosa – estamos no terreno
privilegiado do fascismo. Aliás, a este respeito, certo filósofo alemão de
origem judaica, já nos advertia no século 19 sobre as guerras religiosas
enquanto o mais baixo degrau da política, e suas conseqüências para a maioria
do povo.
Fomentar a intolerância religiosa (ou qualquer outro tipo de
intolerância) é fascismo. O que está em jogo nesta eleição é ainda mais grave
que uma escolha por um programa de crescimento e desenvolvimento social.
Alipio Freire
Ainda que possa parecer para muitos de vocês que estou "chovendo no
molhado", sinto-me no dever de repetir:
Vivemos hoje, no Brasil, encruzilhada das mais sérias desde o golpe de 64.
Não interessa muito, a esta altura, as nossas opiniões pessoais sobre os
limites das políticas do Partido dos Trabalhadores; da sua política de
alianças; do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; etc. Interessa
menos ainda as nossas simpatias pessoais ou opiniões pontuais sobre a candidata
Dilma Rousseff (minha candidata desde o primeiro turno).
O que escolhemos nesta eleição é simplesmente o seguinte: ou vamos com a
candidata Dilma, e os seus limites, ou escolhemos o candidato da "santa"
aliança Demo-Tucana, o senhor José Serra, com sua absoluta falta de limites
políticos, éticos e morais.
Não adianta mais discutirmos as falcatruas com as verbas públicas levadas a
cabo pelo dois blocos que hoje polarizam a disputa; tolice descobrir ou avaliar
quem roubou mais, se os Sarneys ou os Henrique Cardosos; se este ou aquele
dirigente petista, ou o ministro Sérgio Motta para a compra do Congresso
visando o segundo mandato para o Príncipe dos Sociólogos; se os filhos deste ou
daquele presidente, ou daquele governador cuja descendência praticamente
monopolizou os pedágios de São Paulo privatizados pelo pai, etc. etc. etc.
Obviamente todas essas coisas estão erradas e, se nos afligem não importando
qual dos lados as tenha praticado, para o bloco Demo-Tucanos, não há qualquer
reação de repúdio ou censura aos seus membros que assim sempre agiram, agem e
agirão: não enrubescem. Pelo contrário, providenciam apenas os Gilmar Mendes
para colocar na presidência do STF.
Na verdade, o Demo saqueia o país, desde antes de sermos Brasil, quando este
território atendia apenas e genericamente por Pindorama, e aqui desembarcaram
em 1500. Nos ancestrais do Demo está a responsabilidade de todas as mazelas que
vimos herdando há tantas gerações. No Demo está a matriz da corrupção, do
Estado autoritário, da escravidão, da tortura, da repressão e de todas as
misérias que assolam o país e que conhecemos sobejamente.
Mas não é isto o que fundamentalmente está em jogo neste momento.
Também não está em jogo o programa econômico (macro) das duas candidaturas – na
atual conjuntura internacional, e com as estratégias definidas por vários dos
partidos de esquerda, essas políticas econômicas dificilmente poderiam ser
outras que não as que estão na praça. No entanto, entre uma perspectiva de
crescer com distribuição de renda ou com concentração de rendas, sem sombra de
dúvidas, a primeira alternativa (representada pela candidatura Dilma Rousseff)
é a que mais convém ao nosso povo.
Chamo a atenção de alguns camaradas mais radicalizados para o seguinte: não
haverá Armagedon o u Apocalipse Socialista. O povo não morrerá de fome hoje,
para ressuscitar em pleno Esplendor da Aurora Socialista, quando os rios
jorrarão leite e mel. Não haverá qualquer profeta Daniel do Velho Testamento,
ou o São João, do Novo Testamento, capaz de prover milagre de tamanha
envergadura. Isto não existe, senão nas pobres cabeças de alguns, acostumados a
fazer três refeições por dia, e a não passar frio nem calor, resguardados por
um conforto que deveria ser igual para todos.
Mas, muito mais que isto, o que está em jogo nesta eleição é ainda mais grave
que esta escolha de programa de crescimento.
Trata-se, na verdade, de escolhermos entre uma candidata que quer e fará o
possível para nos preservar do fascismo que se expande em todo o Mundo (sobretudo
nos países centrais do capitalismo), ou um candidato cuja campanha e cujas
declarações e estratégias apontam para um alinhamento exatamente com o
fascismo.
E não se tra ta de figura de retórica, discurso de palanque, o que aqui
escrevo.
Enquanto na Europa e nos Estados Unidos cresce a xenofobia, o ódio contra os
trabalhadores imigrantes; enquanto na Itália o Congresso aprova uma lei que
permite e estimula a criação de "rondas de cidadãos" (leia-se,
formação de milícias paramilitares); enquanto na Suécia, a ultradireita
conquista cadeiras no Parlamento; enquanto na Holanda, a ultradireita cresce no
Parlamento – podendo vir a se tornar maioria; enquanto o Governo de Washington
– mascarado pela melanina do seu presidente – barra o acordo Brasil-Turquia-Irã,
que poderia abrir um importante canal de negociações pacíficas para aquela
região que vive hoje a ameaça de invasão pelos EUA e seus aliados, tipo as que
foram levadas a cabo no Iraque e no Afeganistão – ocupados até hoje, a ferro e
fogo, pela democracia estadunidense; etc. etc. etc.
O senhor candidato da aliança Demo-Tucana segue a mesma linha em sua campanha.
Sim, meus camaradas e amigos: a linha de campanha do senhor José Serra é uma
linha fascista. E não é necessária muita análise ou qualquer metafísica para
concluirmos isto:
Quando o senhor José Serra ataca sua adversária por ter lutado bravamente na
resistência contra a ditadura, o senhor José Serra não apenas tenta
criminalizar a candidata Dilma Rousseff e todos os seus companheiros de lutas
dos anos 1960-1970, quando os liberais – longe de se oporem à ditadura (o que
só farão a partir da metade da década de 1970), serviam de sustentação àquele
regime. Significa criminalizar todos os que lutam hoje por seus direitos, todos
os movimentos e organizações dos trabalhadores e do povo – como, aliás, têm
agido as PMs nos Estados governados pela "santa" aliança que sustenta a
candidatura do senhor José Serra.
Isto é fascismo.
Quando o senhor José Serra coloca a questão do aborto e sua es tigmatização,
como divisor de águas entre ele e a candidata Dilma Rousseff – estamos
exatamente no terreno da intolerância fascista.
Quando o senhor José Serra tenta transformar a disputa política numa guerra
religiosa – estamos no terreno privilegiado do fascismo. Aliás, a este
respeito, certo filósofo alemão de origem judaica, já nos advertia no século 19
sobre as guerras religiosas enquanto o mais baixo degrau da política, e suas
conseqüências para a maioria do povo. Fomentar a intolerância religiosa (ou
qualquer outro tipo de intolerância) é fascismo.
Quando o senhor José Serra participa de regabofes no Clube Militar e estimula
os encontros entre esses que deveriam ser os guardiões da legalidade e da nossa
Constituição, e os lambe-botas da grande mídia comercial que pregam, sem pejo e
desabridamente, o golpe contra as nossas instituições, estamos cara a cara com
o fascismo.
Quando o senhor José Serra se dirige a o Clube do Pijama, que reúne a nata do
que há de pior e mais reacionário dos oficiais da Reserva (e que garantiu a
ferro e fogo, à base de seqüestros de opositores, aprisionamentos em cárceres
clandestinos, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres, os 25 anos de
ditadura), ressuscitando fantasmas tipo "República Sindical" e outros
jargões que serviram de mote para o golpe de 1964, o senhor José Serra se
comporta como um fascista.
Quando o senhor José Serra se articula com a grande mídia comercial para
divulgar todo tipo de mentiras e aleivosias contra a candidata Dilma Rousseff e
seus apoiadores, sem a menor vergonha de falsificar e publicar uma suposta
ficha dos órgãos de repressão da ditadura sobre candidata Dilma Rousseff, o
senhor Serra age como um fascista.
Quando o senhor José Serra conquista como apoiadores e se reúne com
organizações paramilitares – verdadeiras societas sceleris – como a Tradição
Família e Prop riedade – TFP, e o Comando de Caça aos Comunistas – CCC, o
senhor José Serra está se articulando com fascistas.
E somente fascistas se articulam com fascistas.
Quando o senhor José Serra, em atos aparentemente menores (e apenas
demagógicos), como na sua lei antifumo, ou na criação da "nota
paulista", e não equipa o Estado da quantidade adequada de funcionários
para o controle dessas questões, transferindo esse controle para os cidadãos,
estamos frente ao pior dos fascismos: a tentativa de transformar os cidadãos e
cidadãs num grande exército de dedos duros e alcagüetes, um verdadeiro embrião
das "rondas de cidadãos" do senhor Berlusconi.
Muito mais poderíamos apontar como atos que fazem do senhor José Serra um
fascista. A lista, no entanto, seria grande demais (uma verdadeira lista
telefônica).
Neste momento, o mais importante é que tenhamos todos muito claro, o que
significam as duas candidaturas, onde se diferenciam fundamentalmente, e as
conseqüências que enfrentaremos com a eleição de uma ou do outro dos
candidatos.
A unidade, neste segundo turno, em torno da candidatura de Dilma Rousseff – do
meu ponto de vista – tem um claro caráter de frente antifascista.
Sem sombra de dúvida, a unidade em torno do entendimento acima exposto sobre o
significado das duas candidaturas e, em conseqüência, a escolha da candidata
Dilma Rousseff constituem um ponto de partida fundamental.
Apesar disto, não é suficiente, não basta.
É necessário um passo a mais.
É necessário que nos organizemos e passemos à ação, de forma articulada com o
geral da campanha. É necessário, portanto, que procuremos os comitês de
campanha dos partidos aos quais sejamos filiados, ou os comitês
suprapartidários que apóiam a nossa candidata.
Neste momento, circulam dezenas de manifestos de setores sociais,
profissionais, reli giosos, etc., com milhares de assinaturas em apoio à
candidata Dilma Rousseff. É óbvia a importância de fazermos com que circulem em
nossas listas via internet. No entanto, se nos detivermos apenas nisto,
corremos o risco de conversarmos sempre e apenas entre nós. E é fundamental que
consigamos sair do nosso círculo. Creio que uma boa maneira de faze-lo, de
sairmos da tentação do espelho, seria – e que proponho – que reproduzíssemos
grandes quantidades desses manifestos e, em grupos, fôssemos distribuí-los, nos
locais de concentração dos sujeitos aos quais se dirigem esses manifestos e
abaixo-assinados.
Por exemplo: no pé desta mensagem, repasso para todos um documento assinado por
religiosos e leigos católicos e evangélicos. Pois bem, podemos reproduzi-lo e
panfletarmos organizadamente nas saídas das igrejas e templos, conversando com
as pessoas, explicando, convencendo aqueles que ainda tenham dúvidas, etc. Com
o manifesto dos juristas, co mo um segundo exemplo, faríamos panfletagens nas
portas de fóruns e tribunais nos horários de entrada e saída do pessoal, e
assim por diante.
Temos de vencer o poder da grande mídia.
Para isto, vamos todos para as ruas, praças e avenidas – espaços privilegiados
da nossa luta, pois é neles que podemos ser mais forte.
E nos encontraremos pelas ruas e praças do Brasil.
(*) Jornalista, escritor e
membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato.