Caetano endireita língua-pátria por Marcos Luna *
Ainda nos meados doséculo 20, um filósofo declarara que o homem se definia de
acordo às suas circunstâncias (OrtegaGasset). Muito embora fosse ainda naquele
período, redarguido que o mesmo homem teria direito às suas contradições
pessoais (Sartre).Mormente nos dias de hoje,com a simultaneidade dos fatos
socioculturais e a plêiade de reformas políticas nos países em construção, as
manifestações de cidadãos comuns e de eventuais celebridades, não provocam
assombro merecedor de censura ministerial pública ou de um vaticínio papal
sacralizador dos bons costumes.
Nada obstante, cabem aqui alguns breves reparos ao poeta-cantor Caetano Veloso,
quando vocifera sua verve preconceituosa contra o presidente Lula. Não cuido –
e nem me cabe – de defender o político-estadista em sua performance no
exercício do poder; outrossim, contextualizar o viés sociopolítico de um
artista em sua costumeira diatribe com "personas" e protagonistas da cena
cotidiana brasileira, ou não.
"Minha pátria é minha língua…", caberia ipis literis na retórica lulista, uma
frase que aquele mesmo cantor reconstruíra numa de suas canções. Disse
reconstruíra, posto que o cantor baiano – como de outras vezes – retomara em
Fernando Pessoa aquela passagem literária. Não há qualquer pecado na falta de
originalidade, afinal, quem há de negar o princípio "lavoisier" construtivo nas
vidas humanas e na natureza? O político Lula, por suavez, carece de ineditismo
na sua prosopopeia e eloquência popularesca, inspirada que está no dialeto das
ruas e nas discordâncias verbais do "populacho", compatibilizado que está com as
suas origens.
O acadêmico em semiologia sabe que um líder nato de uma nação, um jogador de
futebol, um cantor-estrela,detêm o seu carisma, o talento congênito para a
linguagem gestual, na sua verbalidade, na coerência de suas atitudes e na
vivência em sua comunidade.
Não me deixo convencer pelo argumento que justificaria a verborragia
deselegante do poeta-cantor, doutro modo bem aotalante da elite branca paulistana
separatista, mas que se coadunaria com abusca de uma notoriedade perante uma
improvável reação do presidente Lula um homem-ignorante, segundo o Caetano
Veloso. "Fala como sábio a um ignorante, e este te dirá que tens pouco bom
senso" (Eurípides).
Atribuo ao Caetano Veloso uma postura política conservadora e de crítico de
costumes sociais, onde a clareza do seu lado político se perde no eclipse de
suas belas melodias… que o consumismo capitalista (re) coloca sempre numa
perspectiva de efemeridade.
O homem-político por sua vez é portador de uma complexidade existencial,
ademais quando ele advém de extratos sociais baseados em carências – de todos
os moldes – históricos num País ainda marcado pela absurda concentração de
riqueza e desigualdade de oportunidade para a maioria "dos filhos teus" -"…
que fala errado, é grosseiro como o Lula…" – como declamou Caetano ao jornal o
Estado de São Paulo.
Há lugar para todos e para tudo neste País, que nestes tempos pós-crise financeira,
começa a superar o complexo de inferioridade perante os hegemônicos ocidentais.
Então me permita resgatar o escritor Nelson Rodrigues: "… o brasileiro, sua
elite em particular, tem o complexo de vira-lata: o que é bom e melhor vem de
fora do país. "Falemos como os anglo-saxônicos e franceses e admiremos as suas
pátrias!" Em tempo, o que tem acontecido com os bolsistas especialistas e
doutorandos brasileiros quando têm que falar a língua dos "homens brancos de
olhos azuis no exterior"? Aprendem que a suapátria está presente na sua capacidade
de se comunicar com inteireza e autenticidade. Esta postura digna somente se
alcança quando você conserva as raízes da sua cultura.
Não poderia concluir este breve comentário sem recomendar ao aludido poeta, a
releitura de Patativa do Assare. Este também um nordestino, pobre, ignorante e
autodidata.
Formalmente um brasileiro semi-analfabeto e inculto, pois não cursou o nível
superior de educação. Umpoeta popular cearense com a fala e a escrita
claudicante no português-línguapátria. : um típico sertanejo, homem do povo
brasileiro: um poeta de reconhecimento mundial.
* Marcos Luna Médico pós-graduado na Harvard University e Ufba
Artigo publicado originalmente em A tarde de 07 de Novembro