Aldeia Nagô
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Caleidoscópio mundial por José Luís Fiori

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

A definição da estratégia internacional do Brasil
não depende da "taxa de declínio" dos EUA, mas não pode desconhecer a
existência do poder americano.


Assim mesmo, gostem ou não os
conservadores, o Brasil já entrou no grupo dos estados e das economias
nacionais que fazem parte do "caleidoscópio central" do sistema, onde
todos competem com todos, e todas as alianças são possíveis, em função
dos objetivos estratégicos do país, e do seu projeto de mudança do
sistema mundial. O artigo é de José Luís Fiori.

Durante a primeira década do século XXI, o
Brasil conquistou um razoável grau de liberdade, para poder definir
autonomamente sua estratégia de desenvolvimento e de inserção
internacional, num mundo em plena transformação. O sistema mundial saiu
da crise econômica de 2008, dividido em três blocos cada vez mais
distantes, do ponto de vista de suas políticas e da sua velocidade de
recuperação: os EUA, a União Europeia e algumas grandes economias
nacionais emergentes, entre as quais se inclui o Brasil. Mas do ponto de
vista geopolítico, o sistema mundial ainda segue vivendo uma difícil
transição – depois do fim da Guerra Fria – de volta ao seu padrão de
funcionamento original. Desde o início do século XIX, o sistema
inter-estatal capitalista se expandiu liderado pela Grã Bretanha, e por
mais algumas potências europeias, cuja competição e expansão coletiva
foi abrindo portas para o surgimento de novos "poderes imperiais", como
foi o caso da Prússia e da Rússia, num primeiro momento, e da Alemanha,
EUA e Japão, meio século mais tarde. Da mesma forma como aconteceu
depois da "crise americana" da década de 1970.

Depois da derrota
do Vietnã, e da reaproximação com a China, entre 1971 e 1973, o poder
americano cresceu de forma contínua, construindo uma extensa rede de
alianças e uma infra-estrutura militar global que lhe permite até o hoje
o controle quase monopólico, naval, aéreo e espacial de todo o mundo.
Mas ao mesmo tempo, esta expansão do poder americano contribuiu para a
"ressurreição" militar da Alemanha e do Japão e para a autonomização e
fortalecimento da China, Índia, Irã e Turquia, além do retorno da
Rússia, ao "grande jogo" da Ásia Central e do Oriente Médio. Os reveses
militares dos Estados Unidos na primeira década do século desaceleraram o
seu projeto imperial. Mas uma coisa é certa, os EUA não abdicarão
voluntariamente do poder global que já conquistaram e não renunciarão à
sua expansão contínua, no futuro. Qualquer possibilidade de limitação
deste poder só poderá vir do aumento da capacidade conjunta de
resistência das novas potências.

Por outro lado, depois do fim do
Sistema de Bretton Woods, entre 1971 e 1973, a economia americana
cresceu de forma quase contínua, até o início do século XXI. Ao
associar-se com a economia chinesa, a estratégia norte-americana
diminuiu a importância relativa da Alemanha e do Japão, para sua
"máquina de acumulação", em escala global. E, ao mesmo tempo, contribuiu
para transformar a Ásia no principal centro de acumulação capitalista
do mundo, transformando a China numa economia nacional com enorme poder
de gravitação sobre toda a economia mundial.

Esta nova geometria
política e econômica do sistema mundial, se consolidou na primeira
década do século XXI, e deve se manter nos próximos anos. Os Estados
Unidos manterão sua centralidade dentro do sistema como única potência
capaz de intervir em todos os tabuleiros geopolíticos do mundo e que
emite a moeda de referencia internacional. Desunida, a União Europeia
terá um papel secundário, como coadjuvante dos Estados Unidos, sobretudo
se a Rússia e a Turquia aceitarem participar do "escudo europeu
anti-mísseis", a convite dos EUA e da OTAN. Neste novo contexto
internacional, a Índia, o Brasil, a Turquia, o Irã, a África do Sul, e
talvez a Indonésia, deverão aumentar o seu poder regional e global, em
escalas diferentes, mas ainda não terão por muito tempo, capacidade de
projetar seu poder militar além das suas fronteiras regionais.

De qualquer forma, três coisas se podem dizer com bastante certeza, neste início da segunda década do século XXI:

i.
Não existe nenhuma "lei" que defina a sucessão obrigatória e a data do
fim da supremacia americana. Mas é absolutamente certo que a simples
ultrapassagem econômica dos EUA não transformará automaticamente a
China numa potência global, nem muito menos, no líder do sistema
mundial.

ii. Terminou definitivamente o tempo dos "pequenos
países" conquistadores. O futuro do sistema mundial envolverá – daqui
para frente -uma espécie de "guerra de posições" permanente entre
grandes "países continentais", como é o caso pioneiro dos EUA, e agora é
também, o caso da China, Rússia, Índia e Brasil. Nesta disputa, os
EUA já ocupam o epicentro do sistema mundial, mas mesmo antes que os
outros quatro adquiram países a capacidade militar e financeira
indispensável à condição de potencia global, eles já controlam em
conjunto cerca de 1/3 do território, e quase 1/2 da população mundial.

iii.
Por fim, a definição da estratégia internacional do Brasil não depende
da "taxa de declínio" dos EUA, mas não pode desconhecer a existência do
poder americano. Assim mesmo, gostem ou não os conservadores, o Brasil
já entrou no grupo dos estados e das economias nacionais que fazem parte
do "caleidoscópio central" do sistema, onde todos competem com todos, e
todas as alianças são possíveis, em função dos objetivos estratégicos
do país, e do seu projeto de mudança do sistema mundial.

Artigo publicado originalmente em www.cartamaior.com.br

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