Aldeia Nagô
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Caramelo Que Ver O Mar, Um campo de desejo que atravessa este tempo, expõe fragilidades e a beleza de um rearranjo vital diante da cidade.

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura
Lanamento_Caramelo

Esgueirando-se, altivo e sem pressa, entre as pernas que não sabem para onde vão, andar com(o) o caramelo de Tiago pelas ruas de Salvador é um pouco aquela “total suspensão da humanidade” de que ele fala, ainda mais se lembramos que “humano”, aqui, é esse estranho que vaga entre ubers e streamings, likes e artificial intelligence, sem fazer muita questão de que a vida faça sentido.” Tarso de Melo

A princípio, a voz que se exerce ao longo do livro não fala, escreve. Segundo o poeta, escreve-se com o rabo, faço pequenas lutas com o rabo, com o maxilar, tornando os poemas objetos pontiagudos, como têm de ser, que na medida em que desenha a cartografia das cidades, todas portadoras de realidades

imaginárias, todas vivas, essa voz não se esquece de sutilmente ferir o que venha reduzir sua potência de expansão. É necessário que comecemos a perguntar a partir do livro de Tiago D. Oliveira, onde e a partir de que instante começa a voz de alguém, de um lugar, de uma sensação ou de um poema. Uma voz jamais é una e sim um composto variável de sonoridades animais, históricas, afetivas, musicais, portanto é neste sentido que um poema se torna uma garganta aberta, não de uma pessoa, mas de um coro informe, assim como você surpreenderá em flagrante através do mutismo falante de Caramelo quer ver o mar.

 

Esse coro informe (geografias, laços de amizade, atos, voz de cão) dá contorno ao livro que agora levamos nas mãos. Sua trama é feita por meio de dois vetores: do poeta-que-lê e do leitor-que-escreve, pois há por toda parte, desde o título dos poemas até as lacunas entre as estrofes, o suporte de muitas vozes. Elas aparecem como condutoras do espírito do caminho do autor – vozes de sua biblioteca íntima – apesar da reapropriação de alguns versos não significar uma homenagem, e sim, um procedimento.

Ao rasgar versos de uma constelação de escritores, e costurá-los em seus poemas de tal maneira que, esses versos, ganham uma luminosidade diferente tanto pela ocupação de um outro espaço, passam a estar instalados em poemas radicalmente heterogêneos, quanto a conquista de uma forma nova, outro fogo. Quando cultiva e escolhe, endereça e alimenta por meio de seus cortes e suturas, o poeta que Tiago D. Oliveira é, apresenta-se como um rapsodo, um artista da colheita. Isso pode ser dito em relação ao Caramelo, à proporção que vai farejando nas ruas a força das ruínas modernas com as quais se defronta. Claro que Caramelo não se refere a um personagem: caso sim, trata-se de um personagem só voz, só rabo e faro. Podemos considerá-lo uma coleção de atos, um amplificador de sensações, além de proposições de vida forte.

Diante disso, Caramelo quer ver o mar não escapa de ser um nome de um livro, uma imagem, mas também um campo de desejo, cuja abertura principal é a possibilidade dele andarilhar com as nossas vivências, nossas vitalidades firmes, e por isso mesmo reiteradamente ameaçadas, andar junto ao ponto de fazer das patas uma religião. Isto quer dizer: estar presente com, estar presente pela cidade, por nós, se torna uma espécie de reza, a essencial forma de oração. Este livro nos propõe, a todo momento, a necessidade de caminharmos coletivamente, esclarecendo que andar é uma ação pública, que realizamos entrelaçados com a multidão.  E sobretudo, é preciso não esquecer que, o cão que somos quer é ver outro para cheirar o rabo e seguir. Acho um livro mágico, e como é de praxe nas alquimias, os elementos cortantes são a energia motriz do pensamento aliados a uma serenidade irradiante.

Trecho do livro

Madame Bovary, c’est moi

(p. 22)

a cidade sou eu,

cortando, a quatro patas, o verbo

que a todos sustenta, por onde

passam dúvidas e sonhos.

a cidade sou eu,

escrevendo com os dentes

afiados na dúbia maestria

viva de mostrá-los –

veja!

a cidade sou eu,

tateando o que me foi legado:

a herança Macro-jê,

a diáspora atlântica,

marcas no fundo branco

do olho de toda gente.

a cidade sou eu,

revirando os ossos,

costurando na rabiola

do tempo o tempo.

a cidade sou eu.

não há crime maior,

o de existir

Sobre o autor

 

Tiago D. Oliveira é de Salvador-BA, escritor, poeta, professor e pesquisador. Tem poemas publicados em revistas e jornais especializados no Brasil, Portugal e Espanha. Publicou As solas dos pés de meu avô em 2019 no Brasil, e em 2021 em Portugal. O livro Mainha, em 2021. Para além de 22 – um roteiro poético da semana de arte, em 2022, entre outros. Foi finalista do prêmio Oceanos 2020 e Vencedor do Selo João Ubaldo Ribeiro 2020 com o livro Soprando o vento.

Especificações técnicas do livro

Título: Caramelo quer ver o mar

Autor: Tiago D. Oliveira

Texto de orelha: Tarso de Melo

Texto de apresentação: Moisés Alves

ISBN: 978-65-5905-706-1

Categorias: Poesia

Encadernação: brochura

Formato: 12 × 21 × 1 cm

Páginas: 92

Edição: 1ª (maio 2024)

Preço de capa: R$ 54,90

Pode ser adquirido: com o autor, nas livrarias, site da Amazon e da editora 7Letras.

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