Carnaval. Por Sergio Siqueira
Em Conceição dos Gatos, no Mirante de Eduardo, li na Rede que na quinta de carnaval tá faltando bloco para desfilar no circuito Dodô e Osmar, talvez seja bom isso. O carnaval está em processo de transição, mudando via mercado e público, que cansaram do modelo.
Os novos jovens que chegam já não querem em massa o modelo mamãe sacode + cordas e o mercado ( empresas) compreenderam que é muito melhor patrocinar um trio independente com 100 mil pessoas atras do que um bloco com cordas com 5 mil pessoas espremendo 100 mil , numa Salvador de superpopulação. O carnaval baiano do barato total, perdeu sua essência, virou desfile. Na última vez que fui senti que os artistas cantavam 3 a 4 músicas de trabalho e boa parte do circuito era um agradecimento atras do outro, a rádios, emissoras de televisão e portais localizados no trajeto, sem falar nos camarotes importantes comandados por artistas de fama e grandes produtoras de entretenimento.
Se um repórter resolvia interagir com o artista , aí tudo soava interminável e a música ficava a esperar, ela que já foi a estrela da festa. Notei também que a dança virou coreografia, com os artistas sempre saindo da música para pedir passos à frente, pro lado, pra trás, além de palmas e palavras de ordem em muitos longos momentos. Já me joguei no carnaval, sai no jacu , curti muito a Praça Castro Alves, fui na pipoca de Armandinho Dodô e Osmar,Moraes Moreira e Novos Baianos e sai em cima desses trios também, sai no Olodum, Araketú , primeiro ano da Timbalada e fui também ao camarote de Daniela Mercury e ao Expresso. Participei do carnaval de 1968 a 2012 e essa foi a grande mudança que notei , virou desfile. O momento mais criativo foi a década de 70 , quando a essência foi formada, com muitas revoluções.
Caetano voltou do exílio e se incorporou a festa, compondo hinos.
Dodô e Osmar voltaram com tudo ao carnaval e Armandinho assumiu o comando.
Moraes Moreira colocou voz no trio elétrico e ainda levou o afoxé pra cima do caminhão , nas cordas do seu violão, abrindo outro mundo para a música com ” Assim pintou Moçambique “.
Orlando construiu a ” Caetanave” uma nave espacial dentro da folia, impactante.
Os Novos Baianos, só podiam ser eles , colocaram o PA do show em cima do trio o tornando poderoso para todos os artistas.
O Ilê saiu na avenida causando espanto e reações racistas, para se tornar o ” mais belo dos belos”.
Nasce o Olodum e um novo ritmo , encantando mais tarde Paul Simon e Michael Jackson , trazendo o mundo pra Bahia e levando a Bahia pro mundo. O poder dos afro nasce nos 70 e se consolida ao longo dos anos 80/90. Gil compõe para o Gandhi , sai com o grupo e revitaliza o Afoxé. O carnaval baiano, tinha ainda espaço libertario e criativo, que era outro carnaval dentro do carnaval , a Praça Castro Alves, aonde o Brasil e toda a diversidade se conectavam num tempo sem muita ” Conexão ” e que abrigava ainda as “escadarias do pecado” e o ” encontro de trios” . Nos 70 quem estava por dentro curtia o Badauê , o baile das atrizes e o sinônimo de bloco era o Jacú, quem quisesse podia chegar, sem cordas ou amarras . Era um grito de liberdade , tendo como rainha a Divina Valeria. Hoje vejo que o modelo cansou , mas também quando sai da folia vi essa essência perdida ser resgatada no ” Palhaços do Rio Vermelho” que acompanhei um ano e na Baiana System que apreciei de perto, já não dá para seguir o ritmo e claro que devem ter outros. O carnaval da Bahia nunca vai morrer , as atrações são foda, o modelo é que cansou e o Mercado e o público o estão reformulando.