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Carta aberta ao amigo coxinha. Por Renan Araújo

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Renan_Araujo

Sinto-me na obrigação de escrever essa carta a você no dia de hoje. Não é bem uma carta. É um pedido de reflexão e de paz. Posso até não te chamar de coxinha, se isso te incomodar. É que esse termo foi uma forma de defesa quase que automática, contra as diversas denominações pejorativas que você começou a usar contra nós: esquerdopatas, petralhas, pão com mortadela, militonto. Lembra?

Sei que não foi você que criou isso. Foi alguém que você não conhece e que às vezes é chamado de mercado, às vezes é chamado de PIG, às vezes é chamado de CIA (peguei pesado, sei que você não acredita em CIA, nem em Papai Noel).
Mas, voltando ao nosso assunto, tenho andado preocupado com nosso país. Aliás, desde jovem tenho tido essa preocupação. Logo cedo descobri que somos um país muito desigual. A concentração de renda, a pobreza, a riqueza imensa acumulada nas mãos de uns poucos, sempre me incomodaram.
Observei também que toda vez que algum governante acenava com alguma tentativa de diminuir as desigualdades era forçado a mudar de planos ou retirado de alguma maneira do poder. Foi assim com Getúlio, com João Goulart e com Juscelino. E olhe que nenhum desses era comunista, nem de esquerda, nem originário do povão. Eram apenas governantes que sentiram que o Brasil estava crescendo, desenvolvendo, e que essas riquezas poderiam ser um pouco melhor distribuídas.
Passei parte de minha juventude sob a sombra de um regime militar. Ele existiu de verdade. Sabia? isso que falaram pra você de “ditabranda”, de tudo funcionando com normalidade, é mentira. O guarda de quarteirão tinha um poder enorme. Em todos os espaços da nossa sociedade prevalecia a máxima do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. E pessoas foram presas, exiladas, torturadas e mortas somente porque diziam que a desigualdade era enorme e que a riqueza deveria ser melhor distribuída.
Mesmo durante o regime militar o Brasil crescia muito. Tivemos até um ministro chamado Delfim Neto que, diante das pressões sofridas (isso já perto do final do regime, viu?), disse que “primeiro tinha que crescer o bolo para depois dividí-lo”.
Eis que acabamos com a ditadura militar a muito custo, muita luta, muito sacrifício. Na primeira eleição direta, o tal do mercado, ou o PIG, ou a CIA, inventaram Collor de Melo (“o caçador de marajás”). Foi uma campanha feroz, amigo, posso dizer até que suja. O tal caçador de marajás era uma fraude e, apesar de retomarmos a democracia, a desigualdade continuava gritantes.
Depois foram oito anos de FHC. Quem acompanhou e quiser puxar pela memória vai lembrar da venda de patrimônio público sem nenhum beneficio para o país, dos apagões, das crises sucessivas e da falta de respeitabilidade do Brasil no exterior.
O Brasil chegou à exaustão, amigo. As contradições aumentavam, a pobreza, a fome. A constituição cidadã de 1988 não saia do papel. O funcionalismo público passou oito anos sem 1% de aumento. A corrupção, a privataria, a entrega do país aceleravam.
Ai é que vou tratar de um assunto polêmico (espera um pouco, respira e continua lendo): Lula.
Pois bem: “o sapo barbudo”, o “nove dedos”, o “cachaceiro” (não é assim que você gosta de chamá-lo?) descobriu que se pegasse apenas 1% do PIB e destinasse a um programa chamado bolsa-família, poderia tirar milhões de brasileiros da fome e da miséria.
Não é que deu certo? Diversos estudos científicos já comprovaram que essa simples medida reduziu em muito a mortalidade materno-infantil, melhorou nossa segurança alimentar e possibilitou pessoas marginalizadas a sonhar sonhos antes improváveis, como estudar e ter uma profissão e emprego.
Lula não perseguiu ninguém: de banqueiros a catadores , todos melhoraram de vida e ganharam dinheiro. As lojas, os consultórios, os aeroportos estavam sempre cheios (desculpe o mal jeito de falar em aeroportos. Sei que você não gosta).
Esse período recente da história do Brasil foi único e as diferenças a que me referi lá em cima pela primeira vez na vida começaram a ser reduzidas.
Está chata essa conversa, não é? Mas eu tinha que tocar nisso para chegar ao assunto.
Não é que, novamente, o mercado, ou o PIG, ou a CIA, resolveram parar com a brincadeira? 16 anos diminuindo desigualdades já estava ficando demais, devem ter achado eles.
Lula não foi suicidado como Getúlio (??!), não foi deposto como Jango, nem foi acidentado como Juscelino. Cassaram a candidata que ele ajudou a eleger (cassaram, amigo, porque já foi demonstrado que não houve crime, lembra?) e querem tirá-lo da disputa de 2018. 
Tudo bem que eu concorde com você que ficha suja não deva concorrer a eleições, mas sujar a ficha do cidadão por ter cometido o crime de diminuir desigualdades é errado. Não acha?
Dia 24 de janeiro teremos o julgamento do recurso de Lula contra a sentença de Moro. Você sabia que a sentença não tem nada a ver com a denuncia do Ministério Público? Juristas dizem que isso é motivo de anulação do processo. Sabia também que não existe nem prova do crime, nem o próprio crime? Pois é. Uma juíza de Brasilia usou o triplex em outra ação, juntando a escritura que está em nome da OAS. Será que Moro não viu isso?
Se não há prova do crime, se não há crime, não pode haver condenado. Concorda, amigo? Pelo menos nessa ação, a condenação de Lula é uma injustiça tremenda.
Desculpe se escrevi uma carta longa demais, porém senti que tinha a obrigação de lhe dirigir essas palavras quase que em forma de afago.
Estamos mergulhados em uma crise de respeito e confiança. o “gópi” (não é assim que você chama?) está nos levando ao fundo do poço. Sei que você detesta Lula e que vai continuar detestando. 
Sei que você defende uma infinidade de posições diametralmente opostas às de Lula e às minhas. Mas não queira que ele seja derrotado com uma manobra judicial. Se isso acontecer, a mesma manobra poderá ser usada contra qualquer pessoa que tenha um desafeto, inclusive você.
A partir daí, a justiça será uma arma de perseguição e vinganças. É o que chamam de jurisprudência do mal.
E faço aqui um alerta sincero: se tirarem Lula da disputa e o seu candidato for eleito você não teria nenhuma segurança de que ele irá governar. 
Ele também poderia ser vitima da perseguição jurídica e midiática e seu voto de nada valeria.
Ai seria uma ditadura. 
E ditadura você não quer, não é amigo coxinha?

Renan Araújo é Médico.

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