Cartinha para Mariana. Por Marcelo Veras
Minha Marianinha, essa carta é para o seu futuro, já que não dá para saber se nos encontraremos nele. Você mora aí em São Paulo, seu avô em Salvador. Queria te mostrar as árvores, não há histórias de infância sem árvores, sem folhas verdes.
Uma árvore é como nossa família. Tem mamãe, papai, a mamãe de papai, que já morreu, o papai de mamãe, que sou eu, sua prima Olívia, seus priminhos que ainda estão na barriga de suas primas, somos todos parte de um troço que chamamos de árvore genealógica. Nossa família é como uma bela árvore, com raízes, um tronco forte, um monte de galhos, e folhas, muitas folhas. Chamamos de família essa grande árvore que finca suas raízes na terra e se eleva para o céu, buscando o sol, transformando uma semente em um gigante verde maior que nossa casa.
Queria passear com você por uma bela avenida, ela tem um nome estranho, deveria se chamar avenida das árvores, mas tem o nome de um só homem. Aqui em Salvador as árvores estão morrendo, a avenida que queria te mostrar vai virar cimento, vai deixar de abrigar famílias para abrigar tumbas, como aquelas dos filmes de terror. Onde havia uma família viva, com raíz, tronco, galhos, folhas e passarinhos pipocando em cima das folhas, você vai conhecer apenas um troço de cimento, uma coisa dura e cinza, pesando uma quantidade que você não conhece ainda: tonelada.
Não vou poder te mostrar as árvores dessa avenida, só nas fotos, vovô vive em uma cidade que mata árvores, das bem grandonas. Como elas gritam muito quando morrem, colocaram um muro metálico para ninguém ver e ouvir. Elas morrem escondidas, e rapidamente. Quando a cidade acordar, todas as árvores, que são famílias centenárias, terão sido trocadas por uma longa cobra de pedra com um nome bizarro: BRT.
Como você não vai brincar mais, como as famílias morreram, espero que você lembre que vovô gostava de árvores, mas vivia em uma cidade tão maluca quanto à do lobo mau. Onde há verde, você vai encontrar muros. Como vovô é meio maluco, você vai encontrar umas frases escritas para você nos muros de concreto desse tal BRT. Uma delas é: aqui vivia uma árvore, mas ela morreu. Na verdade eram 500. Vou te ensinar à plantar árvores, a única coisa que te peço como avô é de cuidar bem das árvores. Cada árvore que morre é uma família de muitas gerações que some da terra inultimente.
um beijo do avô
Marcelo Veras é Psicanalista