Castro Alves, praças e ruas e os navios negreiros. Por Renato Queiróz
Na Fazenda Cabaceiras, em Cachoeira, na Bahia, nasceu em 14 de março de 1847, Antônio Frederico de Castro Alves, um dos maiores poetas do Brasil.
Senta que lá vem História!
Sua infância foi entre a fazenda e Cachoeira, elevada a cidade em 13 de março de 1837. Naquela época, Cachoeira, cidade rica na produção de cana-de- açúcar, da cultura fumageira, da agricultura de subsistência, da pecuária, caminho da mineração, abrangia áreas que hoje são Muritiba, São Félix, Maragogipe, Governador Mangabeira, Feira de Santana e Castro Alves.
Com o tempo, as reorganizações territoriais geraram confusão sobre o local exato do nascimento do poeta, disputado entre essas cidades. Cada cidade, com seu pedaço de memória, reivindica a honra de ter sido o berço do “poeta dos escravos” e do “poeta republicano”.
Castro Alves cresceu entre as paisagens bucólicas e as injustiças sociais do recôncavo baiano que tanto o marcariam. O poeta, com seu olhar atento e coração pulsante, captava as dores e esperanças do povo, transformando-as em versos imortais.
Castro Alves escreveu clássicos como “Espumas Flutuantes” e “Hinos do Equador”, além de obras marcantes como “Os Escravos”, “A Cachoeira de Paulo Afonso” e “O Navio Negreiro”. Suas palavras ecoam pelos cantos do Brasil, denunciando as atrocidades da escravidão e clamando por liberdade e justiça.
A presença de Castro Alves ultrapassa as barreiras do tempo, ecoando desde o século XIX até os dias atuais. Suas poesias abolicionistas e sociais são pilares na literatura brasileira. A luta pela abolição da escravidão deixou marcas profundas, com ruas, praças, escolas e instituições carregando seu nome.
Chamado de “Poeta dos Escravos”, tornou-se um ícone da cultura brasileira, sendo sempre homenageado e lembrado em contextos artísticos e educacionais. Desde sua partida em 1871, sua obra e vida inspiram gerações, mantendo viva sua contribuição à literatura e à justiça social.
Para Machado de Assis, era “o poeta nacional, se não mais, nacionalista, poeta social, humano e humanitário”.
No dizer de Joaquim Nabuco, era “o maior poeta brasileiro, lírico e épico”.
Afrânio Peixoto afirmava ainda que Castro Alves era “o apóstolo andante do condoreirismo” e, para José Marques da Cruz, “um talento vulcânico, o mais arrebatado de todos os poetas brasileiros”.
Castro Alves integrou o movimento romântico, fazendo parte no país daquilo que os estudiosos chamam de “terceira geração romântica”.
“O Navio Negreiro”, de Castro Alves é um grito poético contra os horrores da escravidão. Em contraste com o “Mal do Século” do Ultrarromantismo, o poema retrata de forma visceral a agonia dos escravizados na travessia atlântica.
O Navio Negreiro é uma poesia de Castro Alves que integra um grande poema épico chamado Os Escravos. Escrita em 1870 na cidade de São Paulo, a poesia relata a situação sofrida pelos africanos vítimas do tráfico de escravos nas viagens de navio da África para o Brasil.
Em seis partes, o mar e o céu surgem belos e serenos, mas logo dão lugar à visão terrível dos escravizados acorrentados no porão dos navios. Castro Alves usa uma linguagem rica e metáforas vivas para expor a desumanidade e clamar por justiça e liberdade.
Castro Alves e seu “O Navio Negreiro” são pura arte que ultrapassa as páginas e alcança diversas artes.
Caetano Veloso transformou o poema em canção, mantendo a denúncia contra a escravidão viva e pulsante. Maria Bethânia também deu vida ao poema, enquanto O Rappa abordou a opressão em “Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro”.
No cinema, “Tamango” (1958) de John Berry e “Amistad” (1997) de Steven Spielberg retrataram a brutalidade da escravidão. Marcus Rediker, em “O Navio Negreiro: Uma História Humana” (2013), desvendou as histórias dos navios e dos escravizados.
O Balé Teatro Castro Alves (BTCA) encenou “Sonhos de Castro Alves” em 1982, ao som de Egberto Gismonti, trazendo a poesia do poeta à vida. Seus versos são um eco de indignação que ressoa até hoje, clamando por um mundo mais justo e humano.
“O Navio Negreiro” é um poema impressionante, emocionante, magnífico e o seu sentido é universal!
Agora, me permitam a licença poética. É essa percepção que Chico Buarque parece ter traduzido em música na canção “As Caravanas” (2017), composta para seu álbum homônimo, e a relação entre o magnânimo poema “Navio Negreiro” de Castro Alves.
Em “As Caravanas”, o eu-lírico abre com a chegada de moradores da periferia carioca à praia do Jardim de Alá – o que remete às verídicas caravanas dos bairros pobres do Rio à orla da Zona Sul.
Rapidamente, então, passa a contar a reação da “gente ordeira e virtuosa” que apela “para a polícia despachar de volta o populacho pra favela, ou pra Benguela ou pra Guiné”. Surge o refrão, na verdade uma espécie de mantra repressivo: “tem que bater! Tem que matar!”. Há menção também a uma “zoeira dentro da prisão” e a “crioulos empilhados no porão”.
Das caravanas para os navios do tráfico negreiro, do morro do Rio de Janeiro para a África, há uma linha de continuidade entre a violência escravista, por exemplo, e a violência contemporânea do encarceramento em massa e da brutalidade policial.
“As Caravanas”, escrita em 2017, não deixou de visualizar os ranços coloniais de nosso país, que permanecem inacreditavelmente vivos até hoje, produzindo a sensação de que algo da escravidão se recusa a desaparecer.
Essas músicas e interpretações são provas vivas de como o poema “O Navio Negreiro” continua a influenciar e inspirar, trazendo à tona questões sociais e históricas que ainda precisam ser discutidas e lembradas.
Aqui: “Navio Negreiro” de Castro Alves interpretado magnificamente por Paulo Autran. Castro Alves aborda nesse poema a escravatura e faz uma denúncia dos horrores da escravidão.
SONZAÇO!
Renato Queiroz é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.