Código Florestal: a luta entre a razão e a morte por Marco Aurélio Weissheimer
O debate ambiental no Brasil é dominado hoje por supostos porta-vozes do "bom senso", inimigos de posições "radicais". Mas essas pessoas estão propagando a irracionalidade, não a verdade. Isso precisa ser dito assim, em alto e bom tom. São produtores de irracionalidade e de morte.
O
debate em torno da proposta de mudança do Código Florestal expôs, mais
uma vez, a gigantesca ignorância de lideranças políticas e econômicas da
nossa sociedade que se consideram seres racionais e esclarecidos. Essa
ignorância, como se viu, espalha-se por boa parte do espectro político
com ramificações à direita e à esquerda.
A
argumentação utilizada por esses setores começa sempre afirmando, é
claro, a importância de proteger o meio ambiente para, logo em seguida
colocar um senão: não podemos ser radicais nesta questão, precisamos
gerar renda e emprego, desenvolver o país, etc. e tal. É curioso e mesmo
paradoxal que essa argumentação apele para um bom senso mítico que
seria sempre o resultado de uma média matemática entre dois extremos.
Você quer 2, ele quer 10, logo o bom senso nos diz para dar 6. Esse
cálculo infantil pode funcionar para muitas coisas, mas certamente não
serve para buscar respostas à destruição ambiental do planeta, que não
cessa de aumentar.
É
curioso também, mas não paradoxal neste caso, que a argumentação
utilizada pelos defensores do "desenvolvimento" seja sempre a mesma, com
algumas variações. Supostamente recoberta por um bom senso capaz de
conciliar desenvolvimento com proteção do meio ambiente (combinação que
até hoje tem sido usada para justificar toda sorte de crimes
ambientais), essa argumentação, na verdade, é atravessada por falácias e
por uma irracionalidade profunda, na medida em que, em última
instância, volta-se contra a possibilidade de sobrevivência da razão,
entendida como uma faculdade humana.
O
guarda-chuva do agronegócio abriga, assim, além de muitas riquezas,
armazéns lotados de falácias e irracionalidade. Não é por acaso que
alguns de seus representantes cheguem ao ponto de vaiar o anúncio do
assassinato de um casal de extrativistas no Pará, como aconteceu
terça-feira, no Congresso Nacional. Alguém dirá: são uma minoria, a
maioria desse setor é composta por gente de bem. Pode ser que sim. Se
até o inferno, como se sabe, é pavimentado por boas intenções, que dirá
as galerias e o plenário do nosso parlamento.
Mas
voltemos ao suposto bom senso daqueles que só incluem o meio ambiente
em suas falas quando é preciso flexibilizar ou eliminar alguma lei de
proteção ambiental. Uma das dificuldades que os ambientalistas têm para
travar esse tipo de luta é que o outro lado sempre apresenta-se como
porta-voz do bom senso. O clichê "não podemos ser radicais" é usado em
todas as suas possíveis variações. Os meios de comunicação e seus
profissionais funcionam, em sua maioria, como produtores, reprodutores e
amplificadores dessa suposta usina de bom senso e racionalidade. Em um
cenário muito, mas muito otimista, algum dia poderão ser considerados
como criminosos ambientais. Mas ainda estamos muito longe disso.
Em 1962, Rachel Carson lançou "A Primavera Silenciosa" nos
Estados Unidos, um livro que acabou forçando a proibição do DDT e
despertou a fúria da indústria dos agrotóxicos. Está publicado em
português pela editora Gaia. É um livro extraordinário e luminoso que
Carson dedicou a Albert Schweitzer. "O ser humano", escreveu Schweitzer,
"perdeu a capacidade de prever e de prevenir. Ele acabará destruindo a
Terra". O deputado Aldo Rebelo talvez considere essa afirmação como uma
típica expressão de um representante do imperialismo que já destruiu
todo o meio ambiente em seu país e agora quer evitar que "exploremos
nossas riquezas naturais". Ele parece apreciar esse tipo de falácia.
Schweitzer também disse: "O ser humano mal reconhece os demônios de sua
criação". Talvez seja esse o problema.
Tudo
isso, obviamente, é vã e retrógrada filosofia para os porta-vozes do
bom senso. Hoje, eles dominam o debate público. Mas estão errados e
propagam a mentira, não a verdade. Isso precisa ser dito assim, em alto e
bom tom. São produtores de irracionalidade e de morte. E a nossa
sociedade vem consumindo avidamente esses produtos. Rachel Carson
pergunta-se: "Estamos correndo todo esse risco – para quê? Os
historiadores futuros talvez se espantem com o nosso senso de proporção
distorcido". A consciência da natureza da ameaça ainda é muito limitada,
escreve ela. E conclui:
"Precisamos
urgentemente acabar com essas falsas garantias, com o adoçamento das
amargas verdades. A população precisa decidir se deseja continuar no
caminho atual, e só poderá fazê-lo quando estiver em plena posse dos
fatos. Nas palavras de Jean Rostand: "a obrigação de suportar nos dá o
direito de saber".
É
disso que se trata. A sociedade tem o direito de saber e o dever de
decidir querer saber. Do outro lado, estão a mentira, a destruição do
planeta e a morte. Simples assim. Deixe o bom senso de lado, escolha seu
lado e mãos à obra.
(*) Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)
Fonte: Carta Maior | Debate Aberto, 26/05/2011