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Como entender o que acontece na Venezuela de Nicolás Maduro? por Carolina Silva Pedroso

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Em uma época marcada pela instantaneidade de informações, diante da enorme profusão de dados propiciada pelas redes sociais, a notícia da prisão do prefeito de Caracas se insere: minutos antes de ser detido, Antonio Ledezma utilizou sua conta no Twitter para descrever a truculência com que foi levado de seu gabinete.

Foi também nesta rede social que uma série de imagens de pessoas feridas nos protestos contra o governo de Nicolás Maduro, que em fevereiro de 2015 completaram um ano, foi divulgada, muito embora tenha se comprovado que a maioria delas fosse de outros países e situações.

Em meio a tanto estardalhaço, fica difícil compreender a complexidade da realidade venezuelana. De 2014 para cá, a situação socio-econômica do país tem se deteriorado por conta da escassez de produtos básicos, da alta inflação e da sobrevalorização cambial. Em um contexto de extrema polarização política e agravamento da crise econômica, é difícil apontar mocinhos e vilões, já que as duas principais forças políticas são cúmplices e vítimas neste quadro. Por um lado, Maduro tem tido dificuldades em consolidar-se como liderança dentro e fora do chavismo, além de não conseguir dar respostas eficazes aos problemas imediatos: evasão de divisas, contrabando de gasolina, falta de produtos básicos de consumo, elevação dos preços, violência urbana, entre outros. Por outro, parte da oposição aposta na estratégia de desestabilização, através de boicotes econômicos, como a estocagem ilegal de produtos de primeira necessidade, e atos violentos visando a renúncia do presidente.

Do ponto de vista internacional, a queda do preço do barril de petróleo surge como mais um desafio a ser superado, uma vez que a renda estatal venezuelana está alicerçada nos ganhos obtidos com a exportação deste produto. Em abril de 2002, em um golpe de Estado orquestrado pelos canais privados de televisão, em conjunto com sindicatos patronais, alguns militares e o alto clero da Igreja Católica, com apoio dos Estados Unidos, Hugo Chávez foi retirado do poder.

A ruptura democrática foi saudada com entusiasmo pelos meios de comunicação que sistematicamente publicam notícias negativas sobre a Venezuela, assim como pela Casa Branca. O retorno do líder bolivariano ao palácio de Miraflores, no entanto, de seu em decorrência da grande mobilização popular que tal ato inconstitucional suscitou, fazendo com que os militares leais ao governo agissem para fazer cumprir a Carta Magna.

Diferentemente do contexto de treze anos atrás, Maduro não possui o mesmo apoio da população, sobretudo porque a base eleitoral do chavismo também tem sido castigada pelas dificuldades econômicas, embora o aparato estatal ainda esteja voltado para sua proteção social.

O resultado apertado das eleições presidenciais que disputou com Henrique Capriles e as movimentações de fevereiro de 2014 demonstram que a possibilidade de a oposição chegar ao poder – tanto pela via eleitoral como por um golpe – são cada vez mais palpáveis. Trabalhando com a segunda hipótese, investigações do Serviço de Inteligência Nacional (Sebin) indicaram que Antonio Ledezma estaria participando de um plano golpista, em que o assassinato de Leopoldo López serviria de estopim para o fim da revolução bolivariana.

Ledezma é um político de 60 anos, que esteve diretamente envolvido em uma das maiores ações de violência da história da Venezuela: o Caracazo. Em 1989, o anúncio do aumento do preço da gasolina, que teve impacto direto nas tarifas de transporte público, levou uma multidão às ruas para protestar contra o presidente Carlos Andrés Pérez. Ledezma, no mesmo mês dos protestos, foi nomeado governador do então Distrito Federal e, sob o seu comando, a polícia metropolitana assassinou milhares de pessoas. Durante sua gestão também ocorreram prisões sistemáticas de estudantes, desempregados, moradores de ruas e idosos que reivindicavam suas pensões. Portanto, não seria de todo estranho seu envolvimento em algum plano de ruptura da ordem democrática.

Ainda não foram divulgados maiores detalhes que possam confirmar a existência deste plano, porém com o histórico de desestabilização do chavismo, o atual presidente e sua cúpula carregam um trauma, cuja repetição querem evitar a todo custo. Aos olhos dos que desconhecem as ações da National Endowment for Democracy, agência estadunidense que financia grupos de oposição a governos considerados “pouco democráticos”, pode soar paranoica e autoritária a denúncia feita contra o prefeito de Caracas, que será interpelado judicialmente. Por isso, é preciso olhar no retrovisor da história para verificar que planos deste tipo ocorreram e ainda ocorrem na América Latina. Por sua vez, a radicalização adotada pelo governo de Maduro alimenta ainda mais o ímpeto golpista, fazendo com que haja uma escalada de tensões, o que na pior das hipóteses, aproxima o país de uma guerra civil.

Em suma, na Venezuela hoje estão em disputa dois projetos de sociedade antagônicos: o chavismo e o anti-chavismo. O primeiro conquistou avanços sociais inéditos e inaugurou um ciclo de democracia participativa no continente (fatores que explicam seus sucessivos êxitos eleitorais), mas que nos últimos três anos tem demonstrado não ser mais sustentável sem reformas mais profundas na estrutura produtiva, a fim de mitigar a dependência econômica do petróleo. O segundo está baseado na antítese do primeiro e ainda carece de um projeto que não soe às classes mais baixas como um retrocesso ou a perda de direitos e conquistas que ainda lhe são caros. Neste jogo de soma zero, a negociação tem sido preterida pelos dois lados em nome da defesa intransigente de um projeto. Quem viveu em tempos de Guerra Fria, em que não havia opções a não ser “amigo” ou “inimigo”, já sabe que o resultado não pode ser bom.

Carolina Silva Pedroso é mestra e doutoranda em Relações Internacionais do Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), especialista em Venezuela e pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da UNESP.

Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 20 de fevereiro de 2015.

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