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Condenação de Pizzolato marcou justiça de exceção. Por Paulo Moreira Leite

10 - 14 minutos de leituraModo Leitura
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É preciso comemorar a notícia de que o ministro do STF Luiz Roberto Barroso decidiu conceder indulto a Henrique Pizzolato, um dos personagens centrais do julgamento da AP 470, o Mensalão, processo que inaugurou essa absurda etapa da vida brasileira na qual o Judiciário tornou-se a força central de nosso sistema político.

Numa tentativa de estimular a reflexão sobre aquele período e seus personagens, republico aqui um texto que escrevi em agosto de 2013, momento em que Pizzolato aguardava o julgamento de um recurso ao Supremo Tribunal Federal. O título original, “A Inocência Provada de Henrique Pizzolato” diz com clareza o que pensava na época – e penso hoje.

Quatro anos e quatro meses depois, não custa lembrar uma verdade que nem todos haviam percebido na época — sem provas, em ambiente de linchamento, a justiça do espetáculo queria levar um país inteiro a fazer o “papel de bobo”. Foi muito mais do que isso, percebemos hoje. O próprio regime político mudou. Lideranças que marcaram a luta contra a ditadura e organização do mais importante partido operário da história do país, o PT,  como José Dirceu, José Genoíno, foram condenados — sem prova — no mesmo processo.

O horizonte dos brasileiros também se modificou.

Em 2013 o país vivia sob o mandato de Dilma Rousseff, presidente eleita, no primeiro mandato.  Havia um ambiente de protesto e descontentamento no ar: foi naquele ano que ocorreram os célebres “protestos de julho”, um dos marcos da vida brasileira nesta década que parece não terminar. Mas a história não estava desabando perante nossos olhos. A CLT estava em vigor, como ocorria desde 1943. Não se falava em reforma da Previdência e o pré-sal era motivo de orgulho. Na economia, o país se encontrava próximo do pleno emprego. Dilma seria reeleita um ano depois, numa vitória apertada mas clara.

A primeira prisão operação da Lava Jato só iria ocorrer em 2014. Ninguém imaginava que em 2018, na oitava campanha presidencial pelo voto direto após o fim do regime militar, Luiz Inácio Lula da Silva – ele acabara de deixar a presidência com 85% de aprovação popular — corresse o risco de ser impedido de concorrer por decisão judicial, a ser tomada por um tribunal de recursos de Porto Alegre.

Em setembro de 2013, sentindo-se injustiçado em seus direitos após ter sido condenado definitivamente, Pizzolato fugiu para a Itália, onde acabaria preso e enviado de volta ao Brasil, numa decisão que é discutível até hoje. Isso porque o mesmo tratado entre os dois países que permitiu a extradição de Pizzolato não foi empregado para promover o retorno do banqueiro Salvatore Cacciola. Embora tivesse sido condenado pela justiça brasileira por crime contra o mercado financeiro, numa escândalo com operações clandestinas de cambio que marcou o governo FHC, Cacciola só foi enviado ao país quando, num descuido, resolveu dar um passeio pelo principado de Mônaco, onde foi preso e enviado ao país.

Você pode ler, na íntegra, o texto que publiquei em agosto de 2013:

Nos próximos dias, o STF irá examinar os recursos de Henrique Pizzolato, o antigo diretor do Banco do Brasil condenado a 12 anos. Não se sabe a data certa porque a agenda de cada dia costuma ser anunciada de modo repentino e está sujeita a mudanças inesperadas e imprevisíveis.
É uma situação inexplicável, que prejudica os réus. Muitas vezes, seus recursos são julgados sem que seus advogados possam estar presentes.
Quem costuma ler este espaço conhece minha opinião.

Estou convencido de que, como vários réus, Pizzolato (o presidente do tribunal Ayres Britto o chamou de ”Pitzolato,” talvez para dar um toque italianado ao ambiente) foi condenado de forma absurda, contra toda lógica e contra todos os indícios materiais.

Explico. O drama não é que, como acontece com muitos réus, não surgiram provas para culpar Pizzolato. Havia provas sim.

Mas elas demonstram sua inocência.

Se toda pessoa é inocente até que se prove o contrário, com se aprende nos cursos preparatórios de Direito, Pizzolato fez mais do que isso. Provou sua inocência.

Sei que é difícil ler uma afirmação tão categórica sem desconfiar da sanidade de quem escreveu. Peço ao leitor que tenha um pouco de paciência e acompanhe este texto até o final. Muitas vezes as pessoas só conseguem enxergar aquilo que querem ver.

Tivemos um exemplo recente. Não foi assim que ontem a inesquecível jornalista Micheline Borges duvidou que aquelas mulheres negras que vêm de Cuba para participar dos Mais Médicos pudessem ser médicas, pois têm “cara de empregada doméstica”? “Médico tem cara de médico, se impõe a partir da aparência… Coitada da nossa população,” escreveu Micheline, traduzindo, com sinceridade bruta, 500 anos de preconceito que nossos observadores mais cultos e bem colocados nos jornais e na TV exploram politicamente, de forma vergonhosa, mas com cuidado para não dar na vista. 
Pois é. O caso é que Pizzolato, em termos penais, não tem “cara de médico.”

Pizzolato foi condenado porque a acusação disse que era “pessoalmente” responsável pelo esquema. Ele é que teria comandado um suposto desvio de R$ 73,8 milhões para o PT. Definia antecipações para a agencia DNA, que mandava o dinheiro para o PT. Segundo os ministros que o condenaram, “Pitzolato” (aos poucos a gente vê o tipo de associação que se pode fazer com italianizações, não é mesmo? Seria uma associação de italianos com a máfia?) manipulava recursos públicos, que “pertenciam ao Banco do Brasil”, usando a empresa Visanet. 
Tudo isso é falso, errado, e não para em pé. Mas está lá, no tribunal, e pode levar Pitzolato para a cadeia.

Vamos devagar para explicar direito. Está provado nos autos da ação penal que Pitzolato (será que estavam falando em pizza, sinônimo de impunidade?) não assinou nenhuma das notas que determinaram os pagamentos de R$ 73,8 milhões. Eram quatro notas, de valores variados.

Nenhuma tem seu autógrafo.

Duas notas foram assinados por um diretor chamado Leo Batista de Oliveira. Outras duas, por Douglas Macedo. Não há a assinatura de Pitzolato nos documentos. Nenhuma vez. Descobriu-se, apenas em 2012, em pleno julgamento, que eles estavam sendo investigados secretamente, em outro inquérito que ninguém sabe que rumo tomou porque, até hoje, continua secreto.

Ao menos por enquanto, aqueles que a justo título eram os únicos que poderiam ser chamados de responsáveis “pessoalmente” pelo pagamento, não correm o risco de enfrentar uma pena de prisão prolongada, como Pitzolato pode ter de enfrentar, caso não seja possível, nessa dificílima, duríssima fase de recursos, convencer ministros a reexaminaras “contradições, omissões e obscuridades” do acordão que resume a condenação.

Não acho que esses diretores deveriam ser julgados ou condenados no lugar de Pitzolato. Como você verá a seguir, eles também seriam vítimas de um erro. Mas, na lógica do julgamento, ocorreu uma situação estranhíssima, inexplicável.

Os diretores que deixaram a assinatura naquelas notas que, na visão do STF, constituem a prova contra Pizzolato, tiveram a sombra e água fresca. Nem a turma do mensalão PSDB-MG foi tão bem tratada.

Se autografaram pagamentos que eram criminosos, como diz a denúncia, no mínimo deveriam ter sido julgados como cúmplices, co-autores, ou coisa semelhante. Poderiam demonstrar, se fosse o caso, que eram simples laranjas de um super-poderoso Pizzolato, que agia de modo solerte nos bastidores. Não aconteceu uma coisa nem outra. Como uma pessoa pode ser “pessoalmente” responsável nessas condições?

O grave é que isso está lá, nos autos. Ninguém precisa “investigar” para saber quem assinou as notas. Os dois estão um inquérito à parte, quando um calouro da Academia de Polícia sabe que não é possível definir responsabilidades de um sem avaliar a de outro e vice-versa. Temos, então, uma questão básica, elementar, que é chocante. Condena-se o único diretor contra o qual não há provas nem atos de ofício sobre sua responsabilidade.

Vamos prosseguir.

Pizzolato foi condenado por crime de peculato, porque sua atividade envolve, supostamente, “dinheiro público.”

Seis meses depois da entrevista na qual Roberto Jefferson falou em “mensalão”, uma auditoria assinada por 25 auditores do Banco do Brasil mostrou que que os recursos usados pela empresa Visanet eram privados “não pertencendo os mesmos ao BB investimentos nem ao Banco do Brasil.”

A auditoria mostrou inclusive que o dinheiro sequer transitava pelo Banco do Brasil. Ficava numa conta da Visanet e, quando era o caso de usá-lo em campanha de publicidade do cartão, um diretor, previamente escolhido pelo Banco – aqueles dois nomes já citados aqui — assinava uma nota autorizando o pagamento para a agencia de Marcos Valério, DNA.

Em seu depoimento como testemunha, o auditor chefe do Banco confirmou o que disse. Deu explicações suplementares, sanou todas as dúvidas. Nenhuma linha de seu trabalho foi contestada pela acusação. Nenhum número. Pergunto assim quem deveria ser levado em conta: o auditor, que conhece cada centímetro quadrado do banco, ou o ministério público, envolvido em demonstrar “o maior escândalo da história”?

No julgamento, quando o advogado de Pizzolato, Sávio Lobato, terminou a defesa, o relator Joaquim Barbosa fez uma interpelação sobre a natureza dos recursos. Joaquim queria saber se eram públicos ou privados. Sávio explicou, didaticamente, como a coisa funciona. Toda vez uma pessoa faz uma pequena compra com o cartão, paga uma porcentagem à Visa. Esta retira uma fração deste dinheiro recolhido para formar o fundo Visanet. Com esses recursos, recolhidos de quem tem o próprio cartão, o Fundo financia campanhas de seus quase 30 bancos associados, entre eles o Banco do Brasil. O youtube tem a íntegra das alegações de Sávio Lobato no STF.

Ali se vê o momento em que o advogado dá explicações ao relator. Há uma certa tensão. Mas o argumento fica claro. Como cliente associado a Visa, o Banco do Brasil, através daqueles diretores que não eram Pizzolato, autorizava o Fundo a pagar agências que faziam campanhas.

Nesta divisão do trabalho, cada banco cuidada da publicidade, com suas agências, seu marketing. O Fundo pagava, com o dinheiro recolhido a partir de cada compra de seus clientes.

Pitzolato também foi condenado numa discussão falsa, em torno do Bonus de Volume. O STF considerou que ele tinha o dever de obrigar a DNA a devolver ao banco o chamado BV, que é uma retorno que as agências recebem de seus anunciantes em função de campanhas realizadas. Os juízes consideram que essa atitude de Pizzolato também contribuiu no desvio de recursos.

Chega a ser constrangedor porque revela desconhecimento da questão. Na fase de interrogatórios e testemunhos, a defesa convocou um executivo da TV Globo, a maior empresa de comunicações do país, para explicar o que vem a ser o BV. Num depoimento de mais de uma hora, que não foi contestado em nenhum momento por membros do ministério público, Otavio Florisbal, na época o principal executivo da emissora, explicou claramente o que é o Bonus, como é pago, porque não é nem deve ser devolvido aos anunciantes, devendo ficar com a agência. A defesa também lembrou que uma decisão recente do Tribunal de Contas da União legalizou o uso do BV, dirimindo dúvidas que poderiam haver. A realidade é que, além do setor privado, estatais e empresas mistas adotam o mesmo procedimento. Seriam punidas pelo mercado se não agissem assim.

Se o Banco do Brasil errou, por que os outros não foram investigados nem condenados? Não haveria aí um crime de responsabilidade, no mínimo?

Outra acusação é que Pizzolato, como diretor de marketing do Banco, não acompanhou nem fiscalizou devidamente o trabalho da DNA. Na definição de funções, esse trabalho cabia ao gerente executivo, Claudio Vasconcelos, outro que não foi incomodado pela ação penal 470.

No julgamento, o promotor Roberto Gurgel citou depoimento de uma testemunha que afirmou que as campanhas da DNA eram uma farsa, sugerindo que não passava de uma cobertura para se enviar R$ 73 milhões para o PT.

Rastreando as contas da testemunha a Polícia Federal colocou sua credibilidade em dúvida. Descobriu um deposito indevido, enviado por outra agência.

A denúncia de que as campanhas eram uma fraude ajudam a dar um número para o mensalão – teria custado R$ 73,8 milhões – mas isso não se sustenta. É tanto dinheiro que não faz nexo.

Qualquer pessoa que já teve de enfrentar um briga por seus direitos junto a uma empresa de cartão de crédito sabe que elas não perdoam um centavo em suas cobranças, de taxas que não se entende nem elas explicam. Para se acreditar num golpe de 73,8 milhões, às claras, com assinatura, é preciso acreditar num disparate: um banco de malucos embolsa R$ 73,8 milhões de uma multinacional como a Visa e nada lhes acontece.

E se esse dinheiro sumiu dos cofres do Banco do Brasil, como quer o STF, é de se perguntar por que, dez anos depois, nenhum presidente da instituição foi sequer chamado a prestar contas. Nem é preciso apelar para a teoria do domínio do fato, neste caso, para fazer um chamado as responsabilidades, vamos combinar.

Também foi possível demonstrar, até com ajuda de uma auditoria privada, que as campanhas foram realizadas. Há fotos de eventos, imagens e assim por diante. Também há notas de pagamentos, para empresas com CNPJ, endereço conhecido. Rastreando notas e pagamentos de serviços de quase uma década, DNA conseguiu comprovar, nota por nota, num esforço gigantesco de defesa, 85% dos gastos – porcentagem notável, considerando o tempo passado e a imensa quantidade de fornecedores, clientes e empresas envolvidas.

Cabe lembrar, contudo, que mesmo que alguma irregularidade ficasse demonstrada, ela envolveria recursos privados, recolhidos pela Visanet. Não era dinheiro do Banco do Brasil. 
Uma acusação acompanha Pizzolato desde o início do mensalão. Ele recebeu um envelope com R$ 326 000 retirados do Banco Rural. Pizzolato alega que o dinheiro era do PT. O relator Joaquim Barbosa sustentou que foi pagamento de propina por parte do esquema.

Você pode duvidar de um e de outro e eu até admito que, conhecendo os maus costumes do mundo político, é difícil aceitar o argumento de Pizzolato. Ninguém quer se sentir ingênuo num universo de espertos, vamos combinar.

O fato é que a Receita quebrou seu sigilo fiscal e sua conta bancaria e não encontrou traço desses recursos. Ele comprou um apartamento de R$ 400 000 na mesma época, o que gerou suspeitas. Mas provou usou recursos acumulados em sua carreira de executivo de banco, com investimentos declarados honestamente à receita.

Seja como for, a acusação não fez sua parte. Não rastreou o dinheiro a ponto de provar que ele foi embolsado por Pizzolato. Votou-se numa dedução, numa suspeita, numa probabilidade, altíssima, conforme determinada visão.

Mas fica uma dúvida básica. Para que pagar propina a um diretor que não tinha poder de liberar um centavo?

Como lembrou um economista aqui no Facebook, Roberto Anau, com este açodamento o PT acusou o caseiro Francenildo de embolsar $$ para acusar Antonio Palocci.

Quem acha que é sempre esperto poderia responder esta e outras perguntas. E quem sabe concluir que querem que faça o papel de bobo.

Ailton de Freitas

Artigo publicado originalmente em https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/334398/Condena%C3%A7%C3%A3o-de-Pizzolato-marcou-justi%C3%A7a-de-exce%C3%A7%C3%A3o.htm

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