Conselhos com dendê. Por Zuggi Almeida
Salvador, década de 80
Solange era uma baiana de acarajé que botava o tabuleiro numa esquina do bairro do Canela, em Salvador.A quituteira tinha uma clientela formada por profissionais liberais, universitárias,
vendedores ambulantes, madames, motoristas de taxis e funcionários públicos. Um detalhe chamava a atenção : a maioria dos clientes do tabuleiro era do sexo feminino.Solange tinha um banquinho que ficava do seu no tabuleiro. Alí convidava para sentar as clientes mais próximas, muitas tornaram-se amigas. A conversa corria solta enquanto Solange batia a massa para não ” deixar desandar” o acarajé . A baiana simpática dava conselhos, receitas, orientava, e até dava esporros fazendo a graça e a sorte daquelas senhoras privilegiadas.Na Bahia existem dois tipos de profissionais femininas especialistas em aconselhamento: a baiana do acarajé e a manicure do salão de beleza.
Uma madame estava num centro de estética próximo ao tabuleiro e comentou com uma amiga. – Menina você precisa ir comer o acarajé de Solange, alí na esquina!A outra quis saber o motivo.A primeira acrescentou.- Ela faz uma massa leve, o acarajé é crocante, mas os conselhos que ela dá… esses não tem preço!
E assim, seguia Solange entre frituras, temperos, dendê e pitacos nas vidas alheias.Num outro dia parou em frente ao tabuleiro, um carro de luxo. Uma senhora de meia idade vestida elegantemente desceu e de imediato entrou na fila de espera . Era uma tarde quente de verão, a fila tinha mais de uma dezena de clientes à frente da madame que seguia pacientemente aguardando ser atendida.
Chegando a vez do atendimento Solange perguntou à senhora.
– Acarajé ou abará ? Com ou sem pimenta ?
A senhora respondeu e perguntou de imediato.
– Nem um, nem outro minha filha. Quero saber quanto a senhora cobra pela consulta ?
Solange não entendeu nada, mas, ofereceu uma cocada preta de presente pra mulher. Essa demonstrando satisfação com o mimo, enrolou a guloseima num lenço branco guardando na bolsa. Seguiu em direção ao carro que lhe aguardava mais à frente e embarcou.
No rosto exibia um sorriso de quem recebeu uma dádiva. Um dos clientes especiais de Solange vinha regularmente às terças e quintas no final da tarde. Chegava e pedia um acarajé sem pimenta e uma coca bem gelada. O senhor sentava no banquinho e ficava conversando por um bom tempo até o horário do marido da baiana chegar dirigindo uma velha Brasília e recolher o tabuleiro com as panelas e o fogareiro. Nessa hora, o cliente assíduo pagava a conta e seguia ao longo da Araújo Pinho até dobrar na esquina da Marechal Floriano desaparecendo.
Numa dessas quintas-feiras, o senhor inquiriu Solange :
– Como foi feita sua formação na orientação do comportamento das pessoas? Essa facilidade que vc tem para ouvir as pessoas, sugerir, ajudar…?
Solange respondeu sorrindo.
– Moço quem começou com esse tabuleiro aqui foi minha vó Eduvirges, ela era feita de Iansã e depois passou a dividir com mainha, o serviço. Naquele tempo eu e minha irmã Dalva ajudava lavando o feijão fradinho e ralando na pedra até que mainha conseguiu comprar um moinho de segunda mão.Esse banquinho do lado do tabuleiro é desde do tempo de Vó Eduvirges, ela também gostava de ter uma prosa com fregueses.
Solange prosseguiu contando sua história.- Quando voinha morreu minha mãe assumiu o tabuleiro de vez e eu passei a vir ajudar ela aqui no Canela.Aí, eu já batia a massa, sabia fritar, servir os clientes. Mas, também aprendi a fazer cocaca – puxa, doce de leite, apanã, amoda, atum e quebra-queixo.
O senhor sorriu, pagou a conta e seguiu o trajeto de costume.
No final de um ano, um rapaz parou em frente ao tabuleiro e entregou a Solange um envelope grande. A correspondência estava destinada a ela, que abriu logo, curiosa.Dentro estava o convite da formatura da turma de Psicologia da UFBA, em 1982. O nome de Solange estava impresso como madrinha do grupo de formandos.
Assinava como paraninfo da turma , um certo doutor Osvaldo Sousa da Rocha, o mesmo cliente assíduo no tabuleiro de Solange das terças e quintas-feiras.
* Zuggi Almeida é um escritor baiano.