Aldeia Nagô
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Conti: a dura relação de Lula com a imprensa por Ricardo Kotsho

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Em mais uma tentativa de ver o por do sol no Barracuda, o bar do meu
amigo Cotô na areia de Toque Toque Pequeno, já sem muita esperança com
a cara feia do céu, levei para ler a última edição da revista Piauí.


Escrita por um dos melhores jornalistas que conheço, o Mario Sergio Conti, autor de "Notícias do Planalto" (Companhia das Letras), ex-diretor de redação da Veja e agora da Piauí, a matéria é pequena e vale a pena ser lida para entender um pouco desta dura e delicada relação do presidente Lula com a imprensa.
São só três páginas _ duas de texto, na verdade, porque numa só tem foto e título _, mas faz um bom resumo do assunto, que acompanho desde o surgimento de Lula como líder sindical lá no ABC paulista dos anos 1970, passando pelas campanhas presidenciais até os dois primeiros anos do governo dele, quando fui seu Secretário de Imprensa.

Esta sempre foi uma relação de amor e ódio, dependendo da posição do jornalista na hierarquia das redações, já que tudo o que ele e o PT representavam vinha na contra-mão do pensamento único dominante na cúpula da grande imprensa brasileira.

Lula tinha uma uma boa relação com o chamado baixo reportariado que acompanhou sua trajetória, mas levou tempo para ser aceito e pelo menos ouvido nos salões do poder da mídia, o que só aconteceu, após a criação do PT, durante a campanha de 1994 (com a honrosa exceção de Mino Carta, que sempre lhe deu espaço e atenção).
Na matéria de Conti, Lula repete o que já falou mil vezes: apesar de tudo, ele considera sua chegada à Presidência da República um "produto direto da liberdade de imprensa". Faz tempo que ele deixou de dar a jornais e jornalistas a importância que eles próprios se dão. Costumava me dizer que não governa pautado pela imprensa e que não adiantava a gente se aborrecer com o que era publicado. "Esquece, isso aí já foi, é notícia velha".

Lula revelou a Conti que nunca se preocupou muito com isso "porque eu acredito na inteligência de quem assina uma revista ou um jornal, de quem vê televisão e escuta rádio", quetrendo dizer que o público não é burro e sabe separar o joio do trigo, informação de boa ou má-fé.

Além de tudo, nota que houve uma democratização das informações ao longo do seu governo, acabando com os antigos monopólios de formadores de opinião, graças ao desenvolvimento tecnológico _ em outras palavras, com o crescimento da internet.

"Hoje a informação é mais plural. Não tem mais a informação de tal revista ou de tal jornal. Quando o cidadão pega o jornal de manhã, ele já viu aquela notícia na televisão, na noite anterior, já ouviu no rádio, já leu em vários blogs. Há 300 blogs com comentários diferentes, blogs de gente importante. Está tudo na internet", constatou na conversa com Conti.

Mas Lula disse também que não costuma ler nem esta nova mídia eletrônica nem a velha de papel porque tem problema de azia. De fato, quando se dispunha a pegar um jornal ou revista, como candidato ou presidente, Lula procurava logo o caderno de esportes, mais particularmente o noticiário sobre o Corínthians.

Mesmo assim, ele é um dos caras mais bem informados que conheço por um simples e bom motivo: conversa o tempo todo com todo tipo de gente e vai filtrando as informações que podem ser úteis para a sua tomada de decisões. Em vez de ler o que fulano disse na imprensa, chama o fulano e conversa diretamente com ele, quer dizer, não recebe informações de segunda mão, mas direto na fonte.

Até hoje ele me critica ao me ver lendo jornais ou o clipping da Radiobras, que faz um resumo das notícias do dia para as autoridades do governo, quando passo algum fim de semana com ele no Alvorada ou no Torto. "Fica aí perdendo teu tempo, se intoxicando… Vamos andar um pouco", recomenda, e já vai me puxando pelo braço.

Quando Lula quer saber hoje o que os principais líderes mundiais fazem ou pensam fazer diante da crise econômica, por exemplo, não pede um relatório ao Itamaraty ou um resumo do New York Times ao Franklin Martins. Liga para eles.

Por falar nisso, sou obrigado a reconhecer que melhorou muito a relação de Lula com a imprensa depois que eu saí de lá e o meu velho amigo Franklin Martins assumiu o comando da comunicação do governo…

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