Contra os direitos de Lula, a política por outros meios. Por Paulo Moreira Leite
Sabemos, desde o grande Claus von Clausewitz (1790-1813), que a Política é a Guerra por outros meios.
Também aprendemos uma versão adaptada dessa definição, própria para tempos de judicialização, quando a Justiça tornou-se um meio de luta Política.
A comparação é uma referência importante para se compreender a pauta do plenário do STF desta quarta-feira, quando 11 juizes irão debater um despacho de Edson Fachin de 8 de março, quando ele anunciou duas decisões importantes.
Anulou as condenações de Lula pela Lava Jato, determinando que o caso fosse retomado desde o início pela Justiça de Brasília.
Na mesma decisão, Fachin declarou sem efeito o debate sobre o pedido de suspeição de Sérgio Moro que seria realizado pela Segunda Turma no dia seguinte.
(Como sabemos, a Segunda Turma, que iniciara o debate sobre a suspeição em dezembro de 2018, inclusive com o voto de Fachin — favorável a Moro — decidiu prosseguir as deliberações em data já marcada. No final, Moro foi condenado por 3 a 2).
Nesta quarta-feira, o Supremo estará diante deste movimento duplo de Fachin. De um lado, a anulação das condenações de Lula pela 13a Vara de Curitiba, com base no argumento — válido — de que Sérgio Moro não tinha competência para julgar Lula em quatro casos — o triplex do Guarajá, o sítio de Atibaia, e duas ações envolvendo o Instituto Lula.
O argumento é que Moro não atendia ao princípio de “juiz natural”, garantia destinada a preservar a isenção das decisões do Judiciário.
Fachin não anulou o conjunto do processo, porém. Preservou as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões, determinando que fosse transferido para Brasília, local onde o julgamento deve ser retomado, caso tudo venha a ocorrer como ele definiu em seu despecho.
O caso estaria resolvido se, 24 horas depois do despacho de Fachin, Gilmar Mendes não tivesse decidido agir como se nada tivesse acontecido, retomando o julgamento sobre a suspeição de Moro.
O debate, neste caso, envolvia a parcialidade de um magistrado, acusação que, sendo comprovada, compromete o conjunto de suas decisões contra determinado réu.
É isso que o despacho de Fachin pretende evitar.
Quando Gilmar pautou a sequência do julgamaento da suspeição, Fachin colocou uma questão de ordem, tentando passar a visão de que a discussão sobre a parcialidade de Moro já não fazia sentido.
Apesar da enorme repercussão que a anulação das condenações obteve em todo o país, inclusive no círculo de Lula e do Partido dos Trabalhadores, que organizaria uma coletiva em tom de festa pouco dois dias depois, a Segunda Turma não se comoveu. Por 4 a 1, seus integrantes decidiram debater e votar a suspeição.
Até Kassio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro para o STF, votou a favor, fato que gerou a impressão — errada — de que ele também poderia votar com a maioria, mais tarde.
Em reportagem publicada pela Época (15.03.2021), o colunista Guilherme Amado descreve os momentos que antecederam o despacho de Fachin.
Informa que Fachin resolveu preparar o despacho “quando recebeu uma informação estratégica de uma pessoa de sua confiança: seu colega Gilmar Mendes pautaria na semana seguinte o habeas corpus que pedia a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro para julgar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Em função disso, conta a reportagem, “os principais nomes do gabinete de Fachin foram acionados imediatamente e convocados a trabalhar até no fim de semana, se necessário. E assim foi feito”, prossegue a revista, assinalando: “Começava ali uma tempestade”.
Pela sequência acima descrita, a decisão de Fachin foi um movimento de guerra defensiva, típico de quem toma uma iniciativa destinada a interceptar uma decisão que poderia fazer justiça a Lula, alvo de injustiças agora disponíveis até nas atas do STF. Basta ler.
Este é o jogo amanhã. A guerra — disfarçada de Justiça — para impedir que Lula possa recuperar seus direitos e reassumir seu lugar nas lutas do povo brasileiro.
Alguma dúvida?
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
Artigo publicado originalmente em https://www.brasil247.com/blog/contra-os-direitos-de-lula-a-politica-por-outros-meios
