Contra patriarcados e autoritarismos. Por Marlon Marcos
Sabemos que vivemos em um país sob o crivo do autoritarismo. De estudos seminais sobre o tema até as canções profundas de Belchior, o cenário autoritário brasileiro
sempre nos inspirou. Inspiração para a denúncia de como se exerce o poder em nome de uma democracia que nunca respeitou os fundamentos que compõem uma república. Ou seja, somos autoritários porque nos arvoramos em nossos interesses privados e sabotamos os interesses públicos. Fizemos do Estado brasileiro um instrumento de esteio para o patriarcado, o clientelismo, o machismo, o racismo, a exclusão fundiária, a intolerância religiosa, os genocídios étnico-raciais.
Estou afetado pelo livro de Lilia Schwarcz, Sobre o autoritarismo brasileiro ( Companhia das Letras, 2019), em passagens que demonstram historicamente as origens de grande parte das nossas mais pesadas dificuldades contemporâneas: “ Naturalizar a desigualdade, evadir-se do passado, é característico de governos autoritários que, não raro, lançam mão de narrativas edulcoradas como forma de promoção do Estado e manutenção do poder”, e segue potente analisando a questão fundiária brasileira, a formação de uma aristocracia baseada no latifúndio, a impropriedade discursiva do nosso mito criacional baseado na harmonia das três raças, que hoje reflete o genocídio dos indígenas e dos jovens negros, como também, empreende uma desvalorização absoluta da mulher, em especial a negra, gerando atualmente o que chamamos de cultura do estupro e do feminicídio.
Somos o país das narrativas edulcoradas valorizando os feitos de uma cultura mestiça que, do ponto de vista econômico e social, só garante o bem-estar de uma minoria branca reproduzindo valores civilizatórios eurocentrados. Cantamos os negros e os índios como espelho da nossa diversidade cultural, mas, numa perspectiva social, quem lucra são os brancos, vejam o Carnaval da Bahia, de quem é a música cantada e o ritmo desenvolvido? Mas quem lucra, em verdade, com tal indústria? E quem puxa as cordinhas, limpa os camarotes, cata e vende as latinhas?
Nosso autoritarismo e o desejo de distinção se refletem também nos cercadinhos da cultura na Bahia. Essa herança patrimonialista nos faz adorar crachás, convites a coquetéis, e segregar os verdadeiros fazedores da cultura que nos reflete como povo. A violência do autoritarismo brasileiro contamina até a quem não deveria contaminar, penso no governador Rui Costa levando à frente, com muita competência, os ensinamentos políticos de Antônio Carlos Magalhães, o avô.
Eu entendo a excludência que reina entre nós. Ela é da pobreza existencial que nos toma e nos impede de ter empatia para que possamos construir uma sociedade fora das normas autoritárias que nos aniquilam.