Aldeia Nagô
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Corpos de Consumo por Rose Marie Muraro e Maria Tereza Maldonado

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

O modelo ideal de homem e mulher, em vez de elevar a auto-estima, só faz
com que esta diminua e seja substituída por mal-estar.


DESDE QUE
começamos a trabalhar com mulheres, a pergunta básica que nunca deixou de ser a
mesma é sobre o tratamento da mídia a respeito do corpo feminino. Agora,
contudo, devido ao avanço da tecnologia, a coisa está se tornando mais grave. O
consumo não é mais sobre a forma física da mulher, que é sempre jovem, magra e
bela, mas sobre seus laços mais profundos.

Sites americanos e brasileiros
apresentam o "pacote de cirurgia pós-parto": lipoaspiração para retirada das
gordurinhas extras, correção da vulva e dos seios, tudo para consertar o
"estrago" que a gravidez faz no corpo da mulher. Médicos mais sensatos
recomendam alguns meses de espera para que a própria fisiologia se encarregue de
fazer boa parte do trabalho, mas outros vendem a idéia de "aproveitar a
oportunidade do parto" e cuidar de recuperar rapidamente a auto-estima
supostamente perdida com a "deformação" provocada pelo feto.

O vínculo
amoroso imprescindível com o bebê, a intimidade da amamentação, a importância
dos primeiros dias e semanas após o parto para incluir o bebê na família
deixaram de ser a prioridade?

Sim. Para a sociedade de consumo, nem o corpo da mulher nem o da criança
nem o do homem são prioridades. A prioridade única e exclusiva é o lucro. O
lucro vale mais do que a vida humana.

No depoimento de algumas mulheres
motivadas a comprar o "pacote", os argumentos giravam em torno de garantir a
permanência do desejo do marido, preservar a boa imagem no ambiente de trabalho,
destacar a importância do corpo perfeito. E agora perguntamos: vale a pena ficar
com um companheiro que só nos quer se estivermos "com tudo em cima"? O consumo
também engole os valores mais profundos do amor.

Em conversa com uma moça
na faixa dos 20 anos, vimos a insegurança de ir para a cama com o namorado sem
estar perfeitamente depilada. Este, por sua vez, também depila os pêlos do
peito: não é à toa que cresce o nicho das clínicas de depilação. Será que o
desejo ficou tão vulnerável à estética, tão volátil, que desaparece sem os
devidos cremes, as horas nas academias e os tratamentos de beleza para corrigir
as imperfeições?

É isso que se faz com a juventude.

Ao invés de
aumentar a auto-estima, o "modelo perfeito" de homens e mulheres só faz com que
esta diminua e seja substituída por um mal-estar subjacente que, desde a
adolescência, persegue homens e mulheres a respeito de sua imagem até o fim da
vida. Porque é impossível para o ser humano médio competir com os padrões de
beleza que vê nas revistas, nos filmes e nas novelas de televisão. O fato se
agrava cada vez mais à medida que a mulher vai amadurecendo.

Na maioria
dos países desenvolvidos, os anos de vida útil aumentam cada vez mais, e cada
vez mais se faz uma publicidade para a beleza amadurecida. No Brasil, as
companhias de cosméticos não conseguem furar a barreira do preconceito da eterna
juventude, a fim de criar uma "juventude" interna que não se desgasta com o
correr dos anos.

Em meio a intensas dores e desconforto de uma plástica de abdome para
tirar a barriguinha que ficou mal na foto, uma mulher de meia-idade pensa na
calça jeans e nos vestidos de malha que conseguirá usar depois de atravessar a
via-crúcis do pós-cirúrgico e das várias limitações à sua mobilidade nas
primeiras semanas.
Qual o verdadeiro sentido desse sofrimento
auto-imposto?

O amor, o desejo, a ternura e a cumplicidade podem existir
entre pessoas com corpos imperfeitos. Ao contrário do que a mídia apregoa,
quanto mais maduros homens e mulheres, mais profundas se tornam suas relações,
mais independentes de estereótipos e mais prazerosas, de um prazer inabalável,
se não fosse o bombardeio midiático de que a velhice é uma doença, e não uma
plenitude.

Para onde nos leva o capital/dinheiro? São inaceitáveis as
marcas (e os marcos) do tempo no corpo? É imoral envelhecer? O pior é que não é
só o corpo que o capital/dinheiro destrói. Ele destrói também a capacidade de
homens e mulheres de aprofundarem a sua relação com a realidade. Destruir o
corpo real e substituí-lo por um corpo de consumo é também substituir a
"realidade real" por uma "realidade de consumo", que tende a destruir a própria
espécie humana (a partir do desequilíbrio climático pelo excesso de consumo).

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ROSE MARIE MURARO, 75,
escritora e editora, é patrona do feminismo brasileiro (Lei 11.261/2005).

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MARIA TEREZA MALDONADO, 59,
psicóloga, é integrante da American Family Therapy Academy, com mais de 20
livros publicados.

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