Cotas, Mentiras e Vídeoteipes! Por Zulu Araújo
Presidente da Fundação Cultural Palmares / Ministério da Cultura
Os ataques
partiram de todos os lados (emissoras de televisão e rádio, jornais, blogs). Não
importa que a proposta tenha sido mitigada por critérios sociais na Câmara dos
Deputados e que as pesquisas apontem o sucesso onde elas foram implantadas.
"Somos contra", afirmaram em uníssono os representantes da maior frente política
articulada contra a promoção da igualdade no Brasil.
Enfim, as
máscaras caíram. Nenhuma proposta ou alternativa é apresentada. São contra tudo
que signifique promoção da igualdade neste país (bolsa-família, cesta básica,
demarcação das terras indígenas… ). Desta vez fulanizada em opiniões
absolutamente díspares e caricatas, ora pela boca de eminentes antropólogos,
sociólogos ou jornalistas, ora por filhos bem criados da nossa classe média
privilegiada e de vez em quando por afrodescendentes ávidos pelos 15 minutos de
fama, repetiram a ladainha de sempre: As cotas não resolvem o problema da
desigualdade racial no ensino, excluem o mérito do processo seletivo, racializam
as relações na sociedade brasileira.
Em sua sanha
destrutiva foram mais além. Um renomado cientista fez a seguinte afirmação na
revista Época (n° 568): "A escravidão é uma coisa horrorosa que aconteceu há
mais de 200 anos. Quem é que tem de pagar por isso hoje? O imigrante italiano?"
Para este cidadão, quem deve continuar pagando a conta somos nós, que fomos
escravizados. Quer algo mais explicito? Pela lógica deste cidadão, os palestinos
também poderiam construir a seguinte frase: "A expulsão dos judeus da sua terra
natal foi horrorosa, por que passados mais de 2000 anos nós é que temos de pagar
a conta? Cômico, senão trágico, se a vida fosse tão simples
assim.
Vale a pena
lembrar aqui que foi a Organização das Nações Unidas(ONU), da qual o Brasil é
membro, que estabeleceu a reparação como mecanismo compensatório à escravidão,
reconhecida como crime de lesa-humanidade.
Mentiras – Vale
tudo para desconstruir esta pequena possibilidade de reparação da imensa dívida
que este país possui para com quase metade de sua população. Escondem-se as
pesquisas, os números e a secular exclusão dos afro-brasileiros da educação, do
mercado de trabalho, da mídia e de tudo que signifique poder real neste país.
Mente-se de forma despudorada. Mistificam-se opiniões isoladas e omitem-se as
conseqüências crueis dos anos de escravidão e discriminação racial.
Tudo
isto, para que os privilégios sejam justificados em nome de uma meritocracia
fajuta, pois está mais do que comprovado que o sistema seletivo atual não avalia
mérito algum. Mentem quando afirmam que as cotas raciais são o problema. Querem
que tudo continue do jeito que está sob a justificativa de que somos um país
pacifico, com um povo ordeiro e mestiço, que nunca viveu os horrores da
discriminação e do racismo. Só faltam dizer que a escravidão foi boa para os
africanos, pois afinal lhes deram uma religião, bons modos e acesso a uma nova
civilização. Nas inúmeras matérias, entrevistas, artigos e editoriais, os
representantes dos quase dois terços da população que é favorável às cotas são
solenemente ignorados. É um verdadeiro massacre midiático. Seguramente o mais
longo e bem articulado dos últimos 20 anos.
Vídeoteipe
– Nos últimos ataques, os porta-vozes da elite brasileira revelam bem mais que
uma discordância com as ações afirmativas. Avançam para o terreno da defesa pura
e simples do direito ao privilégio para uma minoria bem nascida e bem nutrida.
Nenhuma política que vise alterar o status quo vigente é correta. É como se
todas elas estivessem impregnadas do veneno mortal da igualdade. Sonham de olhos
bem abertos com o retorno ao passado, como se a vida pudesse ter remake ou
vídeoteipe. É como se houvesse uma determinação divina para que o acesso à
universidade, aos melhores empregos, aos cargos de direção do país e às nossas
melhores terras sejam exclusivamente dos mesmos que ao longo dos últimos
quinhentos anos se locupletaram com as riquezas de nossa nação ao custo da
escravização, da exclusão e da discriminação da maioria do povo brasileiro.
Ainda bem que os homens e mulheres de boa vontade são a maioria deste país e
cada vez mais conscientes de que o Brasil só será uma democracia de fato e de
direito quando a fraternidade, justiça e igualdade for para todos. Vamos à
luta!
Toca a zabumba
que a terra é nossa !