Cria corvos…, por Fernando Horta
Há um ano se dava o famigerado golpe na democracia brasileira. Creio que já podemos avançar sobre a antiga discussão que indagava se houve golpe ou não. Temer e seu grupo de criminosos organizados na política brasileira fizeram esta discussão não ser mais necessária.
Mesmo quem apoiou a farsa do impeachment, seja por ignorância, ódio ou esperança de que algo melhorasse, hoje já forma fileiras contra a máfia que cortou as amarras que lhe impunha Dilma Rousseff, para transformar o Brasil numa quitanda. Vende-se tudo, desde que no pagamento estejam incluídos votos para salvamento dos – hoje já – notórios corruptos que assaltaram o poder.
Aos apoiadores e defensores da violação das instituições brasileiras, sobra a defesa desesperada da tal “Lava a Jato”. Não passa desapercebido o fato de que cada vez mais a Lava a Jato demanda maiores investimentos em mídia para manter a sua legitimidade. Agora é um produto filmográfico de péssima qualidade e financiado por investigados pela própria operação. A Lava a Jato de fato só se sustenta dentro de suas bolhas de comunicação social, uma vez que a própria lisura do juiz-justiceiro é colocada em xeque, juntamente com relações nada católicas entre sua esposa, sócios e padrinhos.
As risadas proferidas por Moro na estreia do filme, quando este retrata o seu próprio crime de vazar conversas pessoais para uso político, é uma bofetada na cara do STF e joga exatamente contra o título do filme. A lei tanto não é para todos, que o juiz que dolosamente a inflige pode sentar-se num cinema público e rir-se – livremente – enquanto seu crime é recontado e mantido para a posteridade. Cada juiz sério neste país é diminuído e espezinhado toda vez que Moro ri de seus crimes, e ainda se acha no direito de pautar os debates sobre “crime e castigo”.
Nos primeiros anos da Lava a Jato, a propaganda se concentrava na construção da figura de Moro como “impecável tecnicamente”. Me recordo de receber inúmeros e-mails, mensagens e contatos neste sentido. Impecável tecnicamente, formado em “Rarvardi”, diziam os publicitários que já naquela época trabalhavam para a Lava a Jato. Quando pudemos ler Moro, ver suas sentenças, ouvir o conteúdo de suas falas o nível técnico, linguístico, lógico, cultural era tão baixo que mesmo “Ravardi” precisou ser investigada. No fundo as histórias dele e de Dallagnol são muito parecidas, com problemas quando da entrada para os cargos judiciários que ocupam, cursos comerciais de pós-graduação supervalorizados e uma série de incongruências acadêmicas que parecem não ser novidade dentro do campo do direito, mas que estarrecem pesquisadores de outros campos.
Do discurso da “impecabilidade técnica” passamos ao discurso da fortaleza moral. Seja o que for que Moro esteja fazendo ele é honesto e faz “pelo Brasil”. Os números do desemprego entre os mais pobres só crescem. Mais pobres cujos empregos foram destruídos quando a Lava a Jato de Moro destruiu as cadeias produtivas do petróleo e construção civil que empregam, direta ou indiretamente, um enorme número de trabalhadores e com os menores níveis de ensino. Emprego da população mais pobre e vulnerável, portanto. Moro trocou isto por um ideal fascista de “combate à corrupção” que nem a Alemanha saída da segunda guerra aceitou. Ao invés de investigar e punir pessoas, Moro inviabilizou as empresas colocando milhares de inocentes cidadãos brasileiros de volta na pobreza.
Sobrava a “retidão moral” do juiz que só se veste de preto, como se sempre em luto pelas leis que mata diariamente em seus despachos. Num primeiro momento, levantou-se pequenos indícios desabonadores em processos anteriores de Moro, que já havia ido parar no STF e CNJ por abusos constantes contra advogados e réus. Em seguida, indícios sobre a conduta de sua companheira de vida que “mora com ele”. O caso nunca bem explicado das APAE. Agora, surgem depoimentos que implicam o juiz em enriquecimento usando o cargo a partir de padrinho que trabalhou efetivamente nos processos e construiu “acordos” que o denunciante diz que exigiam pagamentos secretos para a aceitação pelo paladino-juiz. Não estou entre os de moral elevada que – mesmo sendo espezinhados pelo juiz – defendem que a ele seja dada a “presunção de inocência”. Mais mundano e terreno, jogo pelo princípio da reciprocidade. Não acho que Moro mereça nada que não tenha dado aos seus réus. Acho ainda que deve ser processado por crime de lesa-pátria e alta traição, caso fiquem comprovados os acordos com o exterior sem a participação do congresso.
O resultado disto é que Moro erode dia a dia. O filme vem em um momento desesperado, exatamente como foi o lançamento de suas redes sociais e depois a desastrada parceria do juiz com historiador acadêmico “moderninho”. Sempre, quando o juiz tem suas mundanidades expostas, correm uma série de ferramentas de publicidade a serem colocadas em operação. Repetindo o mesmo processo que o mesmo juiz fez, socorrendo seu amigo-padrinho-advogado das acusações que apareceram contra o grupo de Curitiba. Ocorre que o filmograma, além de incorrer em imoralidades em seu financiamento, ainda traz um título que se desfaz nas risadas do próprio protagonista “star-juiz-justiçeiro de preto” quando da “avant-première”.
Quando a justiça precisa da publicidade para se fazer justiça é porque não tem consistência interna para ser o que se afirma. A publicização (e não publicidade) do resultado do processo judicial é condição essencial para regimes democráticos. A publicidade ativa, com duplo objetivo de criar um justiceiro aos olhos da anormalidade psicológica punitivista e de tornar os réus culpados antes dos processos, é característica de regimes de exceção. E regimes de exceção fracos e sem legitimidade, ainda por cima.
A mentira que foi e é a Lava a Jato já começa a não conseguir se sustentar mesmo com pesados e secretos investimentos em publicidade. Moro, que mostrou inconsistência e mediocridade técnica, não convence mais no papel de um Eliot Ness do trópico de Capricórnio, mas a Lava a Jato pode ainda continuar a prejudicar o país em níveis muito mais severos do que o dinheiro que diz recuperar, e que ninguém sabe direito para onde vai. Se o judiciário não souber conter seus monstros – alguns recebendo até aplausos de uma esquerda lunática – o povo tem obrigação de perceber os absurdos e se precaver deles.
A capa do corporativismo judiciário vai servir de camisa de força levando TODOS os seus membros para o mesmo fundo fétido que Moro e sua “força-tarefa” estão em acelerada velocidade para atingir. Um ano do golpe e tudo – efetivamente tudo – piorou, mas o que mais se deteriora é a “operação lava a jato” e seus partícipes. Dos rótulos de virtuosidade para a nudez moral, Moro transpõe este caminho sorrindo e comendo pipoca. Talvez inebriado pelo tapete vermelho que lhe estenderam. Não vai entender o que lhe ocorrerá. Um Luís XVI de toga.
Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/cria-corvos-por-fernando-horta