Crise dos partidos empurra imprensa para o protagonismo eleitoral por Carlos Castilho
A transformação da mídia em partido político
informal é um fenômeno em ascensão não apenas aqui no Brasil mas em
boa parte do mundo. Não se trata de desvios de conduta deste ou daquele
veículo, mas de uma conjuntura econômica e política que está levando a
imprensa a exercer um papel que, estruturalmente, deveria ser dos partidos
políticos.
Além da sucessão diária de fatos e eventos que revelam de
forma cada vez mais nítidas as simpatias eleitorais da imprensa
brasileira, além fronteiras, as fidelidades e interesses da mídia também
estão na agenda pública de países como Portugal, Itália e Rússia, só para
citar os mais conhecidos.
Em Portugal, um escândalo envolve políticos, financistas e
jornalistas da emissora TVI, controlada pelo grupo espanhol Prisa.
Tudo por conta dos interesses na construção de um mega shopping Center nos
arredores de Lisboa, onde o suborno foi largamente usado para obter licenças
ambientais e urbanísticas. É um escândalo complexo porque há espanhóis
e ingleses também metidos no negócio, que é o grande tema da campanha para as
eleições legislativas do dia 27 deste mês.
Na Rússia, o escândalo envolve a editora norte-americana Condé
Nast que proibiu a publicação de um artigo com documentos e
depoimentos mostrando o envolvimento primeiro ministro russo Vladimir Putin,
numa série de atentados a bomba em Moscou, que causaram dezenas de mortos em
1999.
As explosões foram atribuídas aos separatistas chechenos,
mas teriam sido provocadas para fortalecer o apoio à posição de Putin, então
vice – primeiro ministro e defensor da
repressão aos dissidentes.
A decisão da Condé Nast, que edita cerca de 20
revistas em russo, foi no entanto desafiada pelo site Gawker que convocou
blogueiros de todo mundo para fazer uma tradução coletiva do
artigo escrito pelo veterano correspondente, Scott Anderson. O texto em russo
foi distribuído pela Web e acessado por cerca de 200 mil pessoas.
O envolvimento da imprensa com questões
político-partidárias não é novo mas está ganhando uma visibilidade
crescente, especialmente aqui na América Latina com a polarização
provocada pelos governos de Hugo Chávez, na Venezuela; Evo Morales, na
Bolívia e Rafael Correa, no Equador.
A maioria dos jornais latino-americanos perdeu a
objetividade na hora de informar sobre o que acontece nestes três países, da
mesma forma que a imprensa simpática a Chávez, Morales e Correa ignora as
críticas aos respectivos governantes. A politização da informação
Este processo de identificação da imprensa com objetivos
eleitorais acontece num momento em que os partidos estão cada vez mais
descaracterizados e desprestigiados, ao mesmo tempo em que os jornais
passam por um período de dificuldades financeiras provocadas pela migração de
leitores e anunciantes para a Web.
O desgaste dos políticos é especialmente nítido na America
Latina, onde os grandes lobbies corporativos, que antes se
identificavam com os partidos conservadores, estão agora em aliança com a
imprensa, aproveitando a difícil conjuntura vivida pela mídia regional, em
especial pelos jornais impressos.
Fenômeno idêntico mas com motivos diferentes acontece no
lado dos governos, onde os partidos de esquerda simplesmente foram devorados pela
máquina política do Estado. Nos países onde a situação está mais
radicalizada, é total a confusão entre os conceitos de liberdade de
informação e liberdade de imprensa. Os jornais simplesmente transformaram as
duas expressões em sinônimos, enquanto os governos usam a primeira contra a
segunda.
Neste confronto, existe uma forte possibilidade de que
ambos os lados acabem como perdedores. O impasse entre governos
populistas e jornais conservadores pode provocar, de um lado, a
ingovernabilidade e, do outro, seqüelas irreparáveis na credibilidade da
imprensa, num momento em que a confiança do público é essencial para o êxito
de novos modelos de negócio da mídia na era digital.
A irritação dos leitores de jornais é visível nos
comentários postados neste Observatório da Imprensa e noutros sites
de notícias sobre a imprensa. É difícil avaliar a magnitude deste criticismo
mas não há duvidas de que suficientemente intenso para deixar no ar uma grande
preocupação.
Nós precisamos dos jornais porque, seja qual for o seu
perfil futuro, eles necessariamente farão parte do leque de opções essenciais
na tomada de decisões individuais.
pelos governos foi acompanhada com igual empenho pela imprensa, gerando uma
situação em que todas as notícias ficam sob suspeita de responder a algum interesse
oculto. A imprensa
é importante demais para ser deixada apenas ao sabor do jogo eleitoral
entre empresários e governos.