Crise expõe perigo de fortalecimento da direita, diz Hobsbawm
O britânico Eric Hobsbawm, considerado um dos
historiadores mais influentes do século 20, disse à BBC nesta terça-feira (21)
que o maior
perigo da atual crise financeira mundial é o fortalecimento da direita.
"A esquerda está virtualmente ausente. Assim, me
parece que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com uma
possível exceção – pelo menos eu espero – nos Estados Unidos, será a
direita", disse Hobsbawn, em entrevista à Rádio 4.
O historiador marxista comparou o atual momento
"ao dramático colapso da União Soviética" e ao fim de "uma era
específica".
Hobsbawn diz não acreditar que a linguagem marxista,
que lhe serviu de norte ao longo de toda sua carreira, será proeminente
politicamente, mas intelectualmente, "a análise marxista sobre a forma com
a qual o capitalismo opera será verdadeiramente importante".
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Muitos consideram o que
está acontecendo como uma volta ao estadismo e até do socialismo. O senhor
concorda?
Bem, certamente estamos vivendo a crise mais grave do
capitalismo desde a década de 30. Lembro-me de um título recente do Financial
Times que dizia: O capitalismo em convulsão. Há muito tempo não lia um título
como esse no FT.
Agora, acredito que esta crise está sendo mais dramática
por causa dos mais de 30 anos de uma certa ideologia "teológica" do
livre mercado, que todos os governos do Ocidente seguiram.Porque como Marx,
Engels e Schumpter previram, a globalização – que está implícita no capitalismo
-, não apenas destrói uma herança de tradição como também é incrivelmente
instável: opera por meio de uma série de crises.E o que está acontecendo agora
está sendo reconhecido como o fim de uma era específica. Sem dúvida, a partir
de agora falaremos mais de (John Maynard) Keynes e menos de (Milton) Friedman e
(Friedrich) Hayek.Todos concordam que, de uma forma ou de outra, o Estado terá
um papel maior na economia daqui por diante.Qualquer que seja o papel que os
governos venham a assumir, será um empreendimento público de ação e iniciativa,
que será algo que orientará, organizará e dirigirá também a economia privada.
Será muito mais uma economia mista do que tem sido até agora. Acredito que esta
crise está sendo mais dramática por causa dos mais de 30 anos de uma certa
ideologia ‘teológica’ do livre mercado, que todos os governos do Ocidente
seguiram.
E em relação ao
Estado como redistribuidor? O que tem sido feito até agora parece
mais pragmático do que ideológico…
Acho que continuará sendo pragmático. O que tem
acontecido nos últimos 30 anos é que o capitalismo global vem operando de uma
forma incrivelmente instável, exceto, por várias razões, nos países ocidentais
desenvolvidos.
No Brasil, nos anos 80, no México, nos 90, no sudeste
asiático e Rússia nos anos 90, e na Argentina em 2000: todos sabiam que estas
coisas poderia levar a catástrofes a curto prazo. E para nós isto implicava
quedas tremendas do FTSE (índice da bolsa de Londres), mas seis meses depois,
recomeçávamos de novo.Agora, temos os mesmos incentivos que tínhamos nos anos
30: se não fizermos nada, o perigo político e social será profundo e ainda mais
depois de tudo, da forma com a qual o capitalismo se reformou durante e depois
da guerra sob o princípio de "nunca mais" aos riscos dos anos 30.
O senhor viu esses riscos
se tornarem realidade: estava na Alemanha quando Adolf Hitler chegou ao poder.
O senhor acredita que algo parecido poderia acontecer como conseqüência dos
problemas atuais?
Nos anos 30, o claro efeito político da Grande
Depressão a curto prazo foi o fortalecimento da direita. A esquerda não foi
forte até a chegada da guerra. Então, eu acredito que este é o principal
perigo.Depois da guerra, a esquerda esteve presente em várias partes da Europa,
inclusive na Inglaterra, com o Partido Trabalhista, mas hoje isso já não
acontece.A esquerda está virtualmente ausente, Assim, me parece que o principal
beneficiário deste descontentamento atual, com uma possível exceção – pelo
menos eu espero – nos Estados Unidos, será a direita.O que vemos agora não é o
equivalente à queda da União Soviética para a direita? Os desafios intelectuais
que isto implica para o capitalismo e o livre mercado são tão profundos como os
desafios enfrentados pela direita em 1989?
Sim, concordo. Acredito que esta crise é equivalente ao
dramático colapso da União Soviética. Agora sabemos que acabou uma era. Não
sabemos o que virá pela frente. A globalização, que está implícita no
capitalismo, não apenas destrói uma herança de tradição como também é
incrivelmente instável: opera por meio de uma série de crises. Temos um
problema intelectual: estávamos acostumados a pensar até então que havia apenas
duas alternativas: ou o livre mercado ou o socialismo. Mas, na realidade, há
muito poucos exemplos de um caso completo de laboratório de cada uma dessas
ideologias.Então eu acho que teremos de deixar de pensar em uma ou em outra e
devemos pensar na natureza da mescla. E principalmente até que ponto esta
mistura será motivada pela consciência do modelo socialista e das conseqüências
sociais do que está acontecendo.
O senhor acredita que
regressaremos à linguagem do marxismo? Desde a crise dos anos 90, são os homens
de negócio que começaram a falar assim: "Bem, Marx predisse esta
globalização e podemos pensar que este capitalismo está fundamentado em uma
série de crises".
Não acredito que a linguagem marxista será proeminente
politicamente, mas intelectualmente a natureza da análise marxista sobre a
forma com a qual o capitalismo opera será verdadeiramente importante.
O senhor sente um pouco
recuperado depois de anos em que a opinião intelectual ia de encontro ao que o
senhor pensava?
Bem, obviamente há um pouco a sensação de schadenfreude
(regozijo pela desgraça alheia).Sempre dissemos que o capitalismo iria se
chocar com suas próprias dificuldades, mas não me sinto recuperado.O que é
certo é que as pessoas descobrirão que de fato o que estava sendo feito não
produziu os resultados esperados. Durante 30 anos os ideólogos disseram que
tudo ia dar certo: o livre mercado é lógico e produz crescimento máximo. Sim,
diziam que produzia um pouco de desigualdade aqui e ali, mas também não
importava muito porque os pobres estavam um pouco mais prósperos. Agora sabemos
que o que aconteceu é que se criaram condições de instabilidades enormes, que
criaram condições nas quais a desigualdade afeta não apenas os mais pobres,
como também cada vez mais uma grande parte de classe média.Sobretudo, nos
últimos 30 anos, os benefíciários deste grande crescimento têm sido nós, no
Ocidente, que vivemos uma vida imensuravelmente superior a qualquer outro lugar
do mundo.E me surpreende muito que o Financial Times diga que o que se espera
que aconteça agora é que este novo tipo de globalização controlada beneficie a
quem realmente precisa, que se reduza a enorme diferença entre nós, que vivemos
como príncipes, e a enorme maioria dos pobres.
Artigo publicado originalmente na BBC Brasil