Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

CRISE NO JUDICIÁRIO A primavera brasileira Por Alberto Dines

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

No Velho Testamento eles aparecem como líderes, sábios, depois foram
substituídos pelos reis e três mil anos depois, neste esplêndido pedaço
do mundo chamado Brasil, juízes estão na berlinda, candidatos ao banco
dos réus. E, se a pendência entre a AMB e o CNJ acirrar-se, a toga corre
o risco de perder a aura de solenidade que a envolve.


A administração da justiça contém ritos fascinantes, a submissão ao
poder das leis produz um dos mais belos espetáculos que a sociedade
humana já inventou. Um júri diferente, porém, começa a empolgar o país e
ele não favorece a Associação dos Magistrados Brasileiros no seu pleito
contra a independência do Conselho Nacional de Justiça.

O confronto doutrinário que a entidade dos juízes pretendia provocar já
não consegue esconder uma inequívoca motivação corporativista. O Estado
de Direito que visa aperfeiçoar está negando um dos princípios básicos
da mecânica democrática: cada poder deve ser equilibrado por um
contra-poder. O Estado moderno é necessariamente descentralizado. A
bandeira do "controle externo" embutida na criação do Conselho Nacional
de Justiça é herdeira de outra, veneranda, a do equilíbrio entre os
poderes para acabar com o absolutismo.

Contra o corporativismo

A ação de inconstitucionalidade impetrada pela AMB contra as
prerrogativas constitucionais do CNJ desvenda um dos nossos paradoxos
nucleares: aqueles que deveriam zelar pela aplicação das leis estão em
pé de guerra contra os que pretendem cumprir as leis investigando e
punindo juízes acusados de desvios de conduta.

A prepotência insurge-se contra a coerência. A investida da corregedora
nacional de Justiça, Eliana Calmon, contra aqueles que deslustram a
toga é quixotesca, mas não é fantasiosa, seria inacreditável se não
representasse a pura verdade: tramitam na corregedoria 115 processos
contra juízes de primeira instância e 35 contra desembargadores. A
presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins está sendo acusada de
pertencer a um esquema de venda de sentenças que ficará impune caso a
AMB consiga cercear o CNJ.

Em seis anos de existência, o CNJ e sua corregedoria puniram 49 juízes
por desvios de conduta, enfrentaram o nepotismo, extinguiram benefícios
abusivos e, sobretudo, estabeleceram metas de desempenho para acabar com
a lentidão judicial, a grande cúmplice da impunidade. Segundo denúncia
do Estado de S. Paulo de sexta-feira (28/9), 18 dos 29
corregedores de tribunais respondem ou já responderam a processos do
próprio órgão. Em 2011, no Tribunal de Justiça de São Paulo foram
punidos apenas seis magistrados, 460 denúncias foram arquivadas.

A OAB insurgiu-se contra o corporativismo da AMB, também a Procuradoria
Geral da República, também senadores da situação e da oposição
esqueceram suas diferenças e apresentaram uma Proposta de Emenda
Constitucional mantendo os poderes do CNJ garantidos desde 2004 pelo
artigo 103-B.

Letra da lei

Não é de hoje que a ABI – Associação Brasileira de Imprensa acusa o
judiciário de ser a grande fábrica de mordaças e atos censórios da
República. O mesmo Estadão está obrigado há mais de dois anos
pelo Tribunal de Justiça de Brasília a silenciar sobre a Operação Boi
Barrica da Polícia Federal que investiga os negócios do clã Sarney. As
provas coletadas nesta operação pela PF foram consideradas nulas por
outro tribunal.

A querela transcende ao Judiciário. O Estado brasileiro parece
aturdido, perplexo, incapaz de enxergar as luzes que começam a ser
acionadas. O espírito das leis começa a impor-se à letra da lei. Este é o
espírito da primavera brasileira empurrada por duas destemidas juízas:
Patrícia Acioly, fuzilada em Niterói pelos policiais corruptos que
investigava e a brava Corregedora Nacional de Justiça, que nos lembrou
algo comezinho: bandidos também usam togas.

Artigo publicado originalmente em Diário de S.Paulo, 2/10/2011

Compartilhar:

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *