Cultura, Crise e Democracia no século XXI. Por Juca Ferreira
Arte, Cultura – e aqui está incluída também a ciência – e Democracia são umbilicalmente ligadas e formam uma complexa rede que determina o grau de civilidade de uma sociedade, de uma cidade e de um país.
É essa rede que pode possibilitar a convivência saudável, solidária e civilizada das pessoas na busca de soluções para os desafios que enfrentam na vida coletiva e pessoal.
Se um dos elementos dessa rede é secundarizado ou destruído, a sociedade entra em risco.
A história humana tem vários exemplos desses momentos de riscos e em todos eles há uma recorrência: a democracia, a arte, a cultura, o pensamento científico são atacados e a racionalidade é substituída por preconceitos de todos os tipos.
O imenso e vibrante legado das Artes e da Cultura, nem sempre possível de ser contabilizado, compreende um sem número de saberes e práticas, das mais simples as mais complexas produções artísticas, em todos os tipos de suportes materiais, orais, corporais, escritos ou digitais.
No entanto, para além dos arranjos meticulosamente construídos, a arte, a cultura e o pensamento significam a mais profunda expressão do ser humano, de suas angústias e desejos, de sua capacidade de sentir e demonstrar compaixão pela dor e pela alegria dos outros.
É pela cultura, pela ciência e pelas artes, em suas variadas modalidades, que os indivíduos se humanizam e se propõe a viver socialmente.
Vivemos tempos instáveis, polarizados e preocupantes.
Nos dias atuais, por toda parte, especialmente no Brasil, mas em vários outros países, vozes e grupos procuram atacar a ciência, a cultura, as artes e o regime democrático, buscando impor o medo e cercear a criatividade e a solidariedade humana, seja pelo sufocamento financeiro, seja pela censura e ou pela repressão pura simples das liberdades individuais e coletivas.
Há uma intolerância em alguns setores, minoritários, mas de grande capacidade de mobilização, em conviver com as diferenças e uma necessidade de se impor um pensamento único, enraizado em preconceitos, em todos os temas e questões que dizem respeito à vida social e individual.
Nós, artistas de todos os afazeres e fazeres, escritores, poetas, intelectuais, músicos, cineastas, atores e gestores culturais temos que dizer em alto e bom tom: nós somos parte da solução, nós não somos o problema!
Somente a união de esforços e o exercício honesto da crítica e do livre pensamento e debate poderão fazer com que enfrentemos os desafios colocados no século XXI.
Desafios antigos e novos.
Desafios que vão desde as questões relacionadas aos problemas sociais e econômicos, passando pelas questões ambientais e tecnológicas que estão criando, incessantemente, novos problemas e novas soluções, até as questões relacionadas às liberdades individuais de escolhas e opções em todos os campos da vida e dos relacionamentos humanos. Estamos diante de uma nova realidade, uma nova configuração que afeta o conjunto das sociedades. O predomínio dos interesses financeiros colocando a especulação como uma espécie de avatar dos tempos atuais e relegando os outros setores econômicos ligados à produção a uma subalternidade quase absoluta.
Ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos alteram a configuração do trabalho e lança milhões de pessoas no desemprego ou em formas totalmente precarizadas de trabalho e pior, sem perspectivas. Esse quadro configura uma situação nova e em constante mudança, gerando incertezas e modificando as mentalidades, a convivência entre os indivíduos.
É evidente que muitos desses avanços contribuem positivamente para melhorar a vida, como por exemplo, na área da saúde, mas nem sempre eles beneficiam toda a população. O acesso aos avanços benéficos reproduz as desigualdades econômicas, sociais, regionais, de gênero e de cor.
E tudo isso em meio a um processo acelerado de preocupações, justas e necessárias, com a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida das pessoas, especialmente das populações mais vulneráveis social e economicamente.
Esse quadro traz um novo desenho dos desafios para a humanidade em todos os aspectos, para todos os países, especialmente para os países com economias e sistemas políticos mais frágeis, aumentando o risco de entrarmos um cenário distópico, no qual os problemas antigos não são resolvidos e os novos problemas vão se somando a eles.
A desigualdade social e de oportunidades, os preconceitos e as discriminações por motivo religioso, sexual ou pela cor da pele, as dificuldades de se oferecer educação e cultura de qualidade para todos continuam atingindo amplas parcelas das sociedades, ao mesmo tempo em que novas dificuldades ou novas exclusões passam a impactar negativamente a vida das pessoas.
Só escaparemos dessa distopia se formos capazes de unir a razão à ação, procurando os caminhos alternativos e batalhando por eles. As velhas fórmulas e análises que serviam há algumas décadas já não são suficientes, especialmente no campo da política e da economia. Por toda a parte, cresce a necessidade de inovarmos para dar conta dessas novas configurações e desafios.
Tenho certeza que nessa batalha a arte, a cultura, a educação e a democracia são os pilares para a construção desses caminhos.
Caminhemos, como diria o poeta, fazendo o caminho ao caminhar!
Muito obrigado a todos