Da lata d’água na cabeça à luta pelo chão: mulheres marés de Alagados lança vídeos com poesias do livro Assoalho de Lembranças
Como as Mulheres Marés, senhoras poetisas moradoras da Península de Itapagipe, refletem sobre o papel da poesia em suas vidas, as memórias dos tempos vividos sobre a maré, suas infâncias e a força do ser mulher por meio da linguagem audiovisual? Esse é o novo desafio proposto para elas pelo projeto Mulheres Marés: da Lata D’água na Cabeça à Luta pelo Chão, que lançará 04 vídeos que reúnem os textos publicados no livro Assoalho de Lembranças e alguns novos textos que estão
surgindo no processo criativo atual. Produzidos durante a pandemia, os vídeos trazem imagens gravadas por elas mesmas, ou por filhas, genros, netos, gravações feitas pelo Zoom, áudios enviados pelo whatsapp, entre outras ferramentas digitais. Os vídeo-poemas serão lançados no dia 07 de abril, às 19h, durante uma live-sarau conduzida pelas senhoras que, de dentro de suas casas, recitarão seus textos e convidarão outros poetas e artistas da cidade para estarem com elas nessa maré de arte e luta. A transmissão será pelo canal Minha História Conto Eu https://www.youtube.com/channel/UC6kPN-_xVsGYPP6eZfHjXBQ. Durante a live também será lançada uma versão digital do livro Assoalho de Lembranças, livro artesanal publicado em 2017, com uma tiragem de 100 exemplares. O projeto é uma iniciativa da artista Alessandra Flores e da jornalista Bruna Hercog com apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultural do Ministério do Turismo, Governo Federal.
Desafio não é novidade para as Mulheres Marés, ex-moradoras das palafitas dos Alagados, que sobreviveram a muitas adversidades, que são esposas, mães e, como integrantes do Grupo Biogênese/Grucon (Grupo de Consciência Negra), mobilizadoras em suas comunidades. Adilza, Ana Rosa, Elza, Josilda, Augusta, Lourdinha, Dalva e Amparo, mesmo com todas as possíveis dificuldades trazidas pela nova forma de trabalho, o ambiente virtual, não desanimaram e estavam sempre dispostas a aprender o uso das tecnologias, a se desafiarem em mais uma linguagem artística e a fazerem arte em plena pandemia, mesmo diante de tantos pesares. Mas, a dificuldade se tornou potência, como tudo que elas se propõem a fazer. Para Bruna, “é um grande prazer aprender com essas mulheres-marés a ver poesia em suas rotinas e o mais legal é que estamos convidando toda a família para fazer poesia junto com a gente. Filhos, filhas, netos, maridos, genros, está todo mundo na produção local, desenvolvendo junto com elas o olhar sensível para as suas rotinas, encontrando beleza e poesia no cotidiano.” Alessandra ressalta que “um dos desafios é justamente encontrar nesse lugar de criação e poesia um respiro nestes tempos tão duros, encontrar um jeito outro de criar. Esse jeito tem sido muito coerente com a proposta maior do projeto uma vez que ao produzir suas próprias gravações, áudios e imagens, as senhoras estão, elas mesmas, construindo suas narrativas, contando suas histórias”. Os vídeos são editados por Gabriel Dias, jovem nascido e criado na região, produtor audiovisual graduado pelo Centro Universitário Jorge Amado e ativista Social da Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe (REPROTAI).
A participação das senhoras no projeto é tão potente que os nomes Mulheres Marés e Assoalho de Lembranças surgiram das vivências passadas por Bruna Hercog e Alessandra Flores nos processos criativos, nas escutas de seus relatos, e de suas lembranças durante a segunda edição do projeto Minha História Conto Eu, quando o livro que deu origem aos vídeos foi publicado. Em um processo de confiança mutua e de diálogo, nasceram as poesias, que trazem suas histórias, memórias, dores, amores, sonhos e lutas. “Nesse caminhar, as histórias iam fluindo soltas, cantadas, faladas, sussurradas, onde pedacinhos de papel iam tomando forma de poesias”, explica Bruna que conduziu as oficinas de escrita. Ao final, surgiu o livro ponte Assoalho de Lembranças, que aberto fica com 10 metros, produzido manualmente em papelão serigrafado pelos artistas gráficos Flávio Oliveiras e Tiago Ribeiro, da Sociedade da Prensa. Mas, a criatividade dessas Mulheres Marés não para por aí, junto com o livro, elas também transformaram suas vivências e lembranças em bonecos e participaram de um espetáculo com uma mistura de cenas de teatro de bonecos, textos do livro e cantos. Com a condução de Alessandra Flores, multiartista e idealizadora do projeto, criaturas que habitavam aqueles textos e memórias – crianças, pais de santo, mulheres grávidas, sambadeiras e até o bêbado do bairro – ganharam vida nas mãos de suas criadoras.
Este portanto é um reencontro entre Bruna, Alessandra e as senhoras do grupo Biogênese: Adilza, Ana Rosa, Elza, Josilda, Augusta, Lourdinha, Dalva e Amparo têm muito a nos contar!
O projeto Minha História Conto Eu, idealizado em 2014 por Alessandra Flores que há mais de 20 anos vêm trabalhando com a criação artística a partir do compartilhamento de histórias de vida, traz, segundo a artista, a perspectiva de que ”é importante que cada pessoa possa contar sua própria história, criar a sua própria narrativa ou ainda recriar sua trajetória através da arte”. Em todos esses anos, foram realizadas peças de teatro, espetáculos de teatro de bonecos, bonecos gigantes, poesias, livros, e agora vídeos. “As pessoas me interessam, acredito que toda e qualquer pessoa tem uma história para contar e essas histórias são potentes gatilhos para a criação artística. Veio deste olhar sobre vida e arte o título Minha História Conto Eu, e estas histórias podem ser contadas através de diversas linguagens”, conta a artista.