Aldeia Nagô
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De Copenhague a Yasuní por Boaventura de Sousa Santos

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

A
reunião de Copenhague não será totalmente em vão porque a sua
preparação permitiu que se conhecessem melhor iniciativas reveladoras
de uma nova consciência ambiental global e de outras possibilidades de
inovação política. Uma das propostas mais ousadas é a Iniciativa ITT do
Equador.


Como
já se previra, a próxima Conferência da ONU sobre a Mudança Climática,
que ocorrerá em Copenhague, de 7 a 18 de dezembro, será um fracasso que
os políticos irão tentar disfarçar com recurso a vários códigos
semânticos como "acordo político", "passo importante na direção certa".
O fracasso reside em que, ao contrário dos compromissos assumidos nas
reuniões anteriores, não serão adotadas em Copenhague metas legalmente
obrigatórias para a redução das emissões dos gases responsáveis pelo
aquecimento global cujos perigos para a sobrevivência do planeta estão
hoje suficientemente demonstrados para que o princípio da precaução
deva ser acionado.

A decisão foi tomada durante a recente
Cúpula da Cooperação Ásia-Pacífico e, mais uma vez, quem a ditou foi a
política interna dos EUA: a braços com a reforma do sistema de saúde, o
presidente Obama não quer assumir compromissos à margem do Congresso
norte-americano e não pode ou não quer mobilizar este último para uma
decisão que envolva medidas hostis ao forte lobby do setor das energias
não renováveis. Os cidadãos do mundo continuarão pois a assistir ao
espectáculo confrangedor de políticos irresponsáveis e de interesses
económicos demasiado poderosos para se submeterem ao controle
democrático e assim ficarão até se convencerem de que está nas suas
mãos construir formas democráticas mais fortes capazes de impedir a
irresponsabilidade dos políticos e o despotismo econômico.

Mas a
reunião de Copenhague não será totalmente em vão porque a sua
preparação permitiu que se conhecessem melhor movimentos e iniciativas,
por parte de organizações sociais e por parte de estados, reveladores
de uma nova consciência ambiental global e de outras possibilidades de
inovação política. Uma das propostas mais audaciosas e inovadoras é a
Iniciativa ITT do Equador apresentada, pela primeira vez, em 2007 pelo
então Ministro da Energia e Minas, o grande intelectual-ativista
Alberto Acosta, mais tarde Presidente da Assembleia Constituinte.

Trata-se
de um exercício de co-responsabilização internacional que aponta para
uma nova relação entre países mais desenvolvidos e países menos
desenvolvidos e para um novo modelo de desenvolvimento, o modelo
pós-petrolífero. O Equador é um país pobre apesar de (ou por causa de)
ser rico em petróleo e a sua economia depender fortemente da exportação
de petróleo: o rendimento petrolífero constitui 22% do PIB e 63% das
exportações. A destruição humana e ambiental causada por este modelo
econômico na Amazônia é verdadeiramente chocante. Em consequência
direta da exploração do petróleo por parte da Texaco (mais tarde,
Chevron), entre 1960 e 1990, desapareceram por inteiro dois povos
amazônicos, os Tetetes e os Sansahauris.

A iniciativa
equatoriana visa romper com este passado e consiste no seguinte. O
estado equatoriano compromete-se a deixar no subsolo reservas de
petróleo calculadas em 850 milhões de barris existentes em três blocos
– Ishpingo, Tambococha e Tipuyini (daí, o acrônimo da inciativa) – do
Parque Nacional Amazónico Yasuní, se os países mais desenvolvidos
compensarem o Equador em metade dos rendimentos que deixará de ter em
resultado dessa decisão. O cálculo é que a exploração gerará, ao longo
de 13 anos, um rendimento de 4 a 5 bilhões de euros e emitirá para a
atmosfera 410 milhões de toneladas de CO2. Tal não ocorrerá se o
Equador for compensado em cerca de 2 biliões de euros mediante um duplo
compromisso. Esse dinheiro é destinado a investimentos ambientalmente
corretos: em energias renováveis, reflorestação, etc.; o dinheiro é
recebido sob a forma de certificados de garantia, um crédito que os
países "doadores" receberão de volta e com juros caso o Equador venha a
explorar o petróleo, uma hipótese pouco provável dada a dupla perda
para o país (perda do dinheiro recebido e a ausência de rendimentos do
petróleo durante vários anos, entre a decisão de explorar e a primeira
exportação).

Ao contrário do Protocolo de Kyoto, esta proposta
não visa criar um mercado de carbono; visa evitar que ele seja emitido.
Não se limita, pois, a apelar à diversificação das fontes energéticas;
sugere a necessidade de reduzir a procura de energia, quaisquer que
sejam as suas fontes, o que implica uma mudança de estilo de vida que
será sobretudo exigente nos países mais desenvolvidos. Para ser eficaz,
a proposta deverá ser parte de um outro modelo de desenvolvimento e ser
adotada por outros países produtores de petróleo. Aliás, a sustentar
esta proposta equatoriana está a nova Constituição do Equador, uma das
mais progressistas do mundo, que, a partir das cosmovisões e práticas
indígenas do que designam como "viver bem" (Sumak Kawsay) – assentes
numa relação harmoniosa entre seres humanos e não-humanos, incluindo o
que na cultura ocidental se designa por natureza – propõe uma concepção
nova e revolucionária de desenvolvimento centrada nos direitos da
natureza.

Esta concepção deve ser interpretada como uma
contribuição indígena para o mundo inteiro, pois ganha adeptos em
setores cada vez mais vastos de cidadãos e movimentos à medida que se
vai tornando evidente que a degradação ambiental e a depredação dos
recursos naturais, além de insustentáveis e socialmente injustas,
conduzem ao suicídio coletivo.
Uma utopia? A verdade é que a
Alemanha já se comprometeu a entregar ao Equador 50 milhões de euros
por ano durante os 13 anos em que petróleo seria explorado. Um bom
começo.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Artigo publicado originalmente em www.cartamaior.com.br

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