De repente, nos tornamos o que somos. Por Marcelo Veras
Não há solução para o fascismo, quando despertamos nos damos conta que fomos divididos por impressões da infância indeléveis. Um dia temos que fazer uma opção, acatamos os preconceitos de nossos pais? Ou rompemos com eles e apostamos em nossa crença infantil de que o que vale mesmo é ter um bom amigo.
Pouco importa se seu amigo é mais pobre, mais preto, se ele é judeu, se ele é Montechio, se é lacaniano ou trans.
Mas nunca as coisas são tão fáceis assim. Romper com os ideais paternos é muito difícil. Nascemos capturados por uma chantagem, a chantagem da dívida filial. Como ser contra os primeiros seres que amamos? Amor e liberdade nunca foram coisas que harmonizam, são coisas que se bicam.
Qual é o sentimento quando, pela primeira vez, percebemos que nosso amigo da rua não é bem visto na família. Busquem em vocês mesmos a primeira vez que vocês chegaram em casa animados com a nova amizade e vocês, jovens ainda, contaram a nova conquista em um ambiente onde o eco de suas palavras não obteve retorno.
Aí nasce o germe do preconceito, nunca mais vocês estarão livres desse momento em que seus novos amigos não são bem vindos em casa. A partir desse dia vocês serão para sempre corroídos pelo preconceito. O preconceito verdadeiro tem sua origem em uma criança que nunca teve preconceito. Ou seja, todo preconceito implica em um desapontamento, significa que temos que sacrificar nossa intuição de que amamos alguém para fazer com que a lei paterna prevaleça.
Mais velhos, olhamos para nossos amigos de infância, e só sabemos lê-los por chaves sociais, políticas e científicas. É quando nosso amigo preto da infância morre e o mundo não cessa de nos dizer que foi um fato de estatística.
p.s. Milton em sua canção Morro Velho fala isso de forma muito mais bela
Marcelo Veras é Psicanalista