Democracia, esquerda e direita por Antonio Risério
De uns tempos para cá, virou
um certo lugar-comum dizer que essa história de direita e esquerda não existe
mais, foi superada, é papo furado.Que suas políticas e projetos se confundiram.
Etc.
Não penso assim. Em primeiro lugar, porque, deixando de lado fanáticos dos
dois lados (a espécie de gente que não me interessa, do neonazismo europeu aos
catatônicos do stalinismo), a distinção me parece muito clara. Em segundo,
porque, regra geral, quem diz que a distinção entre direita e esquerda se
dissolveu no ar é, quase invariavelmente, de direita.
Para ressaltar com clareza a
distinção,basta pensar como esquerda e direita concebem a democracia. Para a
direita, a democracia é um determinado regime político.Um regime onde vigora o
voto universal. Onde a liberdade de expressão floresce. Onde os direitos
individuais se acham assegurados. E coisas do gênero. Vale dizer: a direita
circunscreve a definição de democracia a um plano estritamente institucional.
Para a esquerda, a democracia, em sua plenitude,é muito mais que isso.
Articula-se na convergência da democracia política (à qual se resume a
concepção de direita) e da democracia social. Ou seja: vai-se além do conceito
"clássico" sobre o assunto.
Isto significa que, da
perspectiva da esquerda, democracia implica a existência ou a construção de
meios de combate às desigualdades sociais e econômicas. Não se trata apenas de
garantir direitos políticos. O objetivo é assegurar, também, direitos sociais.
É por isso que o recente processo de ascensão social, no Brasil, deve ser visto
não apenas em termos sociológicos, mas, igualmente, como uma alteração
significativa no horizonte político, de forte sentido democrático. Avançar no
caminho democrático é, portanto, garantir o exercício da liberdade e o
funcionamento livre das instituições, tanto quanto ampliar direitos sociais, da
universalizaçã
outras coisas, pela distribuição de renda.
Considero tudo isso muito
óbvio. Assim como é óbvio que democracia não é um simples conceito, mas uma
entidade que existe numa sociedade real. Daí, a implicação também óbvia, mas
para a qual nem sempre se atenta: é necessário deixar que a própria estrutura
social se encarregue de esclarecer a realidade democrática que pretendemos construir,em
determinada circunstância histórica.
A construção democrática é não
somente uma práxis incessante, como deve se ajustar a situações nacionais
específicas e objetivas. No caso brasileiro, construir democracia, hoje, é o
mesmo que construir cidadania.
É ir além da afirmação prática
dos direitos individuais, para chegar à realidade mais viva dos direitos
sociais. E, assim, à configuração mais plena de uma democracia de massas.
Cidadania implica voto, claro.
Mas as coisas não param no rito eleitoral. Desigualdade social é sinônimo de
desigualdade política.
Logo, uma negação da vida
democrática plena.
Construir democracia é
construir cidadania. E construir cidadania é avançar no caminho da inclusão, em
todas as suas dimensões. Inclusão social, educacional, cultural, digital, etc.
O que equivale a dizer que, para prosseguir no processo de construção da
verdadeira democracia brasileira, devemos providenciar meios para aumentar a
participação de todos na riqueza nacional. É tão simples assim.
Escrevo essas coisas apenas
porque perdi a paciência para ver políticos, artistas e intelectuais dizendo
que não existe mais "essa coisa de direita e esquerda". Existe, sim. E um bom
teste para saber quem é quem, em noite de gatos supostamente pardos, é checar o
que a pessoa entende por democracia. No caso de políticos e governantes,
especial, não apenas em plano retórico,que essa gente é craque em malabarismos
discursivos,
como diria Antonio Vieira, no campo da matrícula das ações de cada um. Aqui,
sim, não há lugar para conversa fiada. E ninguém, como costuma dizer um amigo
meu, vai confundir chacais com passarinhos.
Perdi a paciência para ver
políticos, artistas e intelectuais dizendo que não existe mais "essa coisa de
direita e esquerda". Existe, sim.
E um bom teste é checar o que
a pessoa entende por democracia
Artigo publicado originalmente em Jornal A Tarde, 07/08/2010