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Depois do ódio. Por Luiz Carlos Bresser-Pereira

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Luiz-Carlos-Bresser-Pereira

Em 2014, em artigo em Interesse Nacional, “O mal-estar entre nós”, escrevi, preocupado, que uma coisa que eu não havia visto anteriormente, o ódio, havia surgido entre as elites econômicas brasileiras. Poucos leram esse artigo, mas, em fevereiro do ano seguinte, em longa entrevista a Eleonora de Lucena na Folha de S. Paulo, esta preocupação apareceu no título da matéria, e teve ampla repercussão.

Por que esse ódio? Afinal o governo de Lula nada teve de radical; definitivamente não prejudicou as elites econômicas brasileiras. No artigo do 2014 eu usei como explicação a observação de Claudio Gonçalves Couto sobre o “incômodo” dessas elites, inclusive a classe média tradicional, de encontrarem nos aeroportos e nos shopping centers representantes da classe C. Essa explicação tornou-se, depois, paradigmática, mas hoje quero oferecer uma explicação mais ampla para o ódio na política brasileira.

Jesse Souza está fazendo grande sociologia crítica, como há muito tempo não acontecia no Brasil. E sua crítica se estende aos intelectuais. Seu último livro, “A Elite do Atraso” precisa ser lido. É obra de um intelectual crítico, não de um intelectual-político; ele pensa de acordo com a ética da convicção, não a ética da responsabilidade. Por isso, não é possível deduzir políticas diretamente de sua crítica, que é radical, mas ela obriga a pensar.

Para Jessé, o que define o Brasil é a escravidão. É uma interpretação melhor do que a do “patrimonialismo”, que ele critica porque entende que esta é uma forma de empurrar a culpa do nosso atraso econômico e políticos para o Estado, seus políticos e seus burocratas, deixando a elite econômica esquecida, e do “populismo”, que seria uma forma demonstrar a incapacidade do povo de votar de maneira “certa”. A meu ver, faz pouco sentido explicar a corrupção hoje existente no Brasil com o patrimonialismo; essa corrupção é capitalista, deriva de ser o dinheiro ou o capital o valor maior nesse tipo de sociedade. Quanto ao populismo político – a relação direta do líder político com o povo sem a intermediação dos partidos e ideologias –, ele muitas vezes é a maneira de um povo, por séculos ignorado, atuar na política pela primeira vez.

A escravidão é ainda a marca maior da sociedade brasileira, porque ela durou tempo demais, e porque abrangeu uma grande parte da população, tornando o Brasil um país mestiço. Ao colocarmos a escravidão no centro da interpretação do Brasil, compreendemos porque, objetivamente, a sociedade brasileira é tão desigual, e, no plano subjetivo coletivo, porque o preconceito social e racial é tão grande nas nossas elites inclusive a classe média tradicional.
Conforme afirma Jessé, essa elite despreza povo, porque ela é branca e rica, e o povo é pobre e mestiço; porque ela vê esse povo como gente de segunda classe. Ela prefere se associar às elites dos países ricos, aos seus “iguais”, ao invés de se associar ao povo. Por isso ela rejeita o nacionalismo econômico, que implica uma solidariedade básica da classe capitalista com a classe trabalhadora em torno do interesse comum pelo mercado interno, e adota o liberalismo econômico como ideologia.

Estava essa elite posta em sossego até que, em 1986, o Brasil se tornou um país democrático, ao garantir o sufrágio universal. Os analfabetos passaram a ter direito a voto, associaram-se ao restante da maioria da população pobre, e se tornaram uma força política. Que escolheu Lula como seu líder.

Vem daí o ódio a Lula. De haver nascido deste povo, e não ter renunciado a ele. Ele poderia tê-lo feito; tantos políticos de esquerda se deixam cooptar. Lula fez acordos, mostrou que não podia governar sem algum apoio dessas elites, e fez o melhor dos seus esforços para chegar a um acordo com elas, mas continuou povo, e isto é indesculpável.

Estará o Brasil condenado ao ódio e ao desentendimento? Não creio, porque a elite brasileira não é um monólito. Ainda que uma minoria, há nela muitos nela que sabem que seu preconceito social e racial precisa ser superado, que o ódio é irracional e insustentável. Uma nação e uma democracia não podem existir sem política, e nela não há lugar para inimigos a serem excluídos, mas para adversários que se respeitam.

O ano que está para começar é ano de eleições presidenciais. É um momento no qual a política precisa estar viva, livre e atuante, com candidatos defendendo programas e ideias, não exercitando o ódio. Assim teremos um presidente eleito democraticamente, seja quem for ele, e o caminho possível, mas difícil, para o depois do ódio, para a pacificação dos espíritos, estará à nossa frente.

Sobre Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas.
Presidente do Centro de Economia Política, que edita a Revista de Economia Política desde 1981.

Sobre
Professor emérito da FGV onde ensinaeconomia, teoria política e teoria social. Foi Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado.

Biografia
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas onde pesquisa e ensina teoria econômica e teoria política desde 1959. Ele foi Ministro da Fazenda (1987) e Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (1995-98). É doutor honoris causae pela Universidade de Buenos Aires. É autor, entre outros livros, de Construindo o Estado Republicano (FGV, 2004), Macroeconomia da Estagnação (Editora 34, 2007), Globalização e Competição (Campus, 2009), Developmental Macroeconomics (Routledge, 2014) e A Construção Política do Brasil (Editora 34, 2015). Suas pesquisas atualmente concentram-se sobre o novo desenvolvimentismo, o Estado e a macroeconomia desenvolvimentista.

Prêmios
Professor Emérito da FGV (2005).
Doutor Honoris Causae pela Universidade de Buenos Aires (2010).
Prêmio James Street Scholar da Association for Evolutionary Economics (2012).
Intelectual do Ano – Troféu Juca Pato (2015)

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