Dia de uma Consciência esquecida por Antonio Godi
Há cada 20 de novembro tremo pela
inconsciência, folclorização e esquecimento que essa importante data guarda. A
cada novembro fico triste com a coisificação política e o desmerecimento
histórico que a contemporaneidade dedica a esse dia. Dia da morte de um dos
maiores mitos da resistência colonialista nas Américas: Zumbí dos Palmares.
Novembro também é o mês do enforcamento e esquartejamento dos negros da Revolta
dos Búzios numa carnavalizada sexta-feira do oitavo dia do ano de 1799. Datas
importantes esquecidas em prateleiras em franco descaso a uma historiografia
baiana que dedicou esforços para desvelar a luta e resistência afro-étnica na
Bahia. Imaginem se aqui estivéssemos sem o rufar de nossos tambores e os
acordes em pesquisas localizadas e comprometidas.
Os descasos são flagrantes quando em 2009
nenhuma mídia pública lembrou ou pautou notas sobre a morte teatralizada dos
mártires da Revolta dos Búzios na referência datada de 210 anos (1799-2009).
Tudo gritava inusitadamente para pensarmos sobre os 175 anos da Revolta dos
Malês (1835-2010). O silêncio e o descaso é, retumbante sobre esses temas que
têm como referência, protagonistas acadêmicos determinantes. Heróis teóricos
que desde as trincheiras equivocadas de Nina Rodrigues instalaram uma
antropolologia e historiografia diferenciada na Bahia do Brasil de todos nós.
O Dia da Consciência Negra é uma conquista
inusitada das querelas étnicas de nossa contemporaneidade. E não pode ser
tratado como uma data histórica que caiu do vacum dos céus cívicos e
colonialistas. Trata-se de um fenômeno contextualizado por fatos
sócio-históricos a serem desvelados. Tudo começa com a construção do Movimento
Negro Contra a Discriminação Racial em 1978. Nesse ano, no dia 7 de julho,
militantes paulistas realizaram um Ato Público Contra o Racismo. Ato motivado
pela discriminação sofrida por 4 atletas do Clube de Regatas Tietê e violenta
tortura contra o negro Robson Silveira da Luz em São Paulo. Fatos que motivam a
construção de um Movimento Negro Nacional.
A Bahia entra em cena quando entre 1978 e
1979 Lélia Gonzales e Abdias do Nascimento aqui aportam como embaixadores do
Movimento Nacional. O encontro com entidades negras baianas alavancaria uma
sinergia política local e nacional inusitada. Os blocos afros na levada
matricial do Ilê (1974-75), ganhariam mais dois protagonistas de frente: Olodum
e Malê de Balê (1978-79). Contexto determinante e prolífero nas mudanças
sociais, políticas e culturais de todos nós. A Bahia de nós saiu da liberdade
na direção do Pelô e foi em águas milagrosas na direção do Abaeté. Nessas marés
turbulentas marcadas pela ditadura militar surgiria o MNCDR e o dia 20 de
Novembro.
A construção do Dia da Consciência Negra
cristaliza-se para além de mitos de origem. Diz respeito a dois momentos
políticos determinantes na implementação dos encontros da executiva nacional do
MNU. O primeiro acontece nas dependências do IPCN no Rio de Janeiro, onde Lélia
Gonzales propõe a data. A data só seria aprovada e deliberada no segundo
encontro nacional em Salvador. O evento deveria ocorrer na Associação dos
Funcionários Públicos da capital da Bahia. A Polícia Federal da ditadura
interditou o espaço e conseguimos um porto seguro no ICBA de Rolland Shafner.
Lá instituímos a data.A celebração do 20 de novembro glorioso que a cada ano
parte do Campo Grande: Praça do 2 de julho da pluralidade cabocla. E desfila
também do Curuzú do Ilê Aiyê da Liberdade. Sítio histórico da "Estrada das
Boiadas" dos sertões de nossa baianidade. Comemora a criação de uma data
recente da consciência de nós que grita pelo respeito e reconhecimento dos
protagonistas de sua criação.
Antonio
Jorge Victor dos Santos Godi
(Ator,
Diretor e Prof. Uefs-Dchf-Nuc)