Dilma Rousseff é uma gestora de pulso firme por Soledad Gallego-Díaz
Lula esteve acompanhado da presidente eleita, Dilma Rousseff, durante
última visita a catadores de material reciclável como presidente da
República, em São Paulo, na última quinta-feira (23)
É difícil pensar em duas personalidades mais distintas que a nova
presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e seu antecessor, Luiz Inácio Lula
da Silva. Ele é o presidente mais popular da história do Brasil,
operário metalúrgico convertido em sindicalista e político, que deixa o
cargo após oito anos no poder, com um incrível índice de popularidade de
80%. Ela, uma mulher fundamentalmente séria, de personalidade forte,
quase áspera, pouco dada ao corpo-a-corpo ou aos encontros cheios de
encanto e fascinação tão caros ao homem ao qual sucederá no próximo 1º
de janeiro. No entanto, foi essa mulher, completamente diferente, a
escolhida por Lula e pelos brasileiros para dirigir, no mínimo pelos
próximos quatro anos, um Brasil em plena expansão e crescimento, um país
pouco menor que a China ou os Estados Unidos em tamanho e que tem a
quinta maior população do mundo. Se tiver êxito, será ela, Dilma, filha
de um imigrante búlgaro chamado Rusév, ex-militante de uma organização
guerrilheira, jovem estudante de Economia presa e torturada durante os
anos de chumbo da ditadura militar, quem conduzirá a consolidação de uma
autêntica e nova potência mundial, tanto do ponto de vista econômico
quanto do político.
"Substituir Lula não será fácil, mas fazê-lo neste momento é
provavelmente uma das tarefas políticas mais empolgantes que podem
existir no mundo", escreveu alguns dias atrás um analista britânico.
Rousseff será a segunda mulher (depois de Indira Gandhi, que governou a
Índia, um país com mais de 1 bilhão de habitantes) a dirigir uma das
maiores democracias do mundo. A nova presidente do Brasil nunca havia se
candidatado a nenhuma eleição até que Lula a impôs como candidata
presidencial do Partido dos Trabalhadores (ao qual se havia filiado há
poucos anos) e se obstinou a conseguir que triunfasse com 56% dos votos,
frente ao muito mais experiente José Serra, líder da oposição
socialdemocrata.
Dilma tem pela frente um dos anos mais difíceis em muitas décadas para o
conjunto do mundo e um dos mais excitantes e promissores para a
história de seu próprio país. Mover-se nessa contradição exigirá dela
uma inteligência e uma responsabilidade muito especiais. Em meio à
instabilidade geral, o Brasil pode aproveitar a nova década para
aumentar seu papel como uma das grandes potências emergentes. Tem quase
tudo que necessita para isso, inclusive enormes jazidas de petróleo (o
chamado pré-sal, descoberto recentemente), e uma fabulosa capacidade
agrícola, com os quais pode financiar sua definitiva decolagem
industrial; além disso, tem um estado de ânimo otimista e uma população
certa de ter ao alcance a possibilidade de melhorar sua vida e a de seus
filhos. O que aconteceu em outros países demonstra que tudo isso não
basta: é preciso ter também um governo que acerte e políticos hábeis,
comprometidos com objetivos claros.
Equipe feminina
Rousseff sempre se declarou feminista. A campanha e os duros ataques
da oposição por seu pretenso apoio ao direito das mulheres de abortar
levaram-na a adotar posições ambíguas. Mesmo assim, em seu primeiro
discurso afirmou que sentia um compromisso especial com as mulheres de
seu país e com o reconhecimento de seus direitos, sem maiores
detalhamentos. Em seu primeiro governo figurarão várias mulheres, entre
elas a economista Tereza Campello, a socióloga Luiza Helena de Bairros, a
jornalista Helena Chagas e a cantora e compositora Ana de Hollanda,
irmã de Chico Buarque, além de políticas como Miriam Belchior, Izabella
Teixeira e a senadora Ideli Salvati.
Rousseff, 63, parece reunir essas condições, mas também precisará de
habilidades muito especiais porque o Brasil é um país muito complicado
politicamente, no qual o presidente tem obrigação de fazer extenuantes
alianças e acordos continuamente. Lula, seu mentor, quase sempre
conseguiu, apoiado em uma popularidade imbatível e em uma formidável
capacidade pessoal de diálogo e enredo político. Esse será o grande
desafio de sua sucessora, que tem muita experiência como gestora e
negociadora no âmbito econômico, mas muito pouca no campo da política
direta. Ademais, Lula sempre foi capaz de manter-se acima das acusações
de corrupção e nepotismo que perseguiram muitos membros de sua
administração (chegaram a apelida-lo de "Teflon", pois nada aderia a
ele), enquanto Dilma demonstrou ser muito mais vulnerável a essas
recriminações. De fato, durante a campanha eleitoral sofreu o impacto
das acusações de corrupção lançadas contra seu braço direito, Erenice
Guerra, que teve de pedir demissão para esfriar o escândalo.
Desde que foi eleita, em segundo turno, no dia 31 de outubro, Rousseff
se dedicou a organizar o gabinete com o qual dará início à sua
presidência. Todos os olhos estavam voltados para a equipe econômica,
que foi fechada nesta mesma semana. A maioria dos analistas brasileiros
considera que as nomeações-chave garantem a continuidade da linha
seguida tanto por Lula quanto por seu antecessor, Fernando Henrique
Cardoso, mas que a mão de Dilma não tremeu na hora de se assegurar que
será ela, a presidente, que sempre controlará a situação. "Até agora
existiu um comandante no Ministério da Fazenda e outro no Banco Central.
Agora deverá haver somente um chefe: Dilma", explicou o economista
Roberto Troster, imediatamente após serem divulgadas as nomeações.
Lula a conheceu em 2002, quando ela era uma economista de 54 anos,
especializada em assuntos de energia. "Levava sempre a tiracolo um
computador onde pareciam estar todos os dados, todos os projetos e todas
as perguntas", explicou anos depois a uma revista brasileira. Nesse
mesmo ano a chamou para assumir a pasta de Energia, e desde então ela
nunca mais deixou de estar a seu lado, como chefe de sua Casa Civil ou
diretamente como sua herdeira. Gilberto Carvalho, um peculiar e poderoso
personagem da política brasileira, contou que ela era a pessoa com a
qual Lula mais havia falado ao longo desses anos, todos os dias, várias
vezes ao dia, inclusive nas férias. "Quando a escolheu como sucessora,
ele sabia o que estava fazendo e o que Dilma pensava", garantiu.
Em seu primeiro discurso, na mesma noite de sua vitória eleitoral,
Dilma Rousseff já indicou algumas de suas ideias para impulsionar uma
nova etapa de desenvolvimento no Brasil. "Não podemos contar com o
empurrão das nações mais desenvolvidas, que estão atravessando uma
enorme crise. Só podemos contar com nossas próprias políticas, nosso
próprio mercado, nossas próprias decisões". A nova presidente é uma
administradora séria, mas deixou claro desde o primeiro momento que seu
trabalho não consistirá somente nisso. "Nosso grande objetivo é eliminar
a pobreza e elevar o nível de educação dos brasileiros e brasileiras",
prometeu, embora não tenha dado um prazo para esse compromisso de tirar
da miséria os 21 milhões de brasileiros que ainda estão abaixo dos
níveis mínimos de renda. "Não aceitarei que os ajustes afetem os
programas sociais, os serviços essenciais ou os investimentos
necessários", afirmou. "Ninguém nunca colocou em dúvida sua paixão
social, sua determinada vontade de cumprir, através de métodos
escrupulosamente democráticos, objetivos de sua juventude", assegurava
na campanha eleitoral uma de suas assistentes pessoais.
Tradução: Lana Lim