Discurso de nova política encobre projeto de poder de antigas oligarquias econômicas por Helena Sthephanowitz
Foi curiosa a entrevista de Maria Alice Setúbal, sócia e irmã do presidente do Banco Itaú, e ex-coordenadora da campanha de Marina Silva (PSB), para o jornalista Fernando Rodrigues, na Folha de S.Paulo do último dia (22).
Apesar de deixar mais dúvidas do que esclarecimentos, em um ponto foi bastante explícita, ao falar de economia com o objetivo de tranquilizar o mercado financeiro.
Primeiro disse ter compromisso de dar independência ao Banco Central. Afirmou ainda que os economistas gurus de Marina dão aval ao mercado financeiro, por suas posições pró-mercado. Mesmo tendo banqueiros como André Lara Resende na equipe, e ela própria ser uma banqueira, ou, como diz a imprensa, herdeira, por não exercer cargos executivos, Neca Setúbal, como é conhecida, disse que falta acrescentar gente com perfil de operador do mercado, o que deve ocorrer ao longo da campanha.
Talvez o tal operador de mercado seja o irmão Roberto Setúbal, presidente do Itaú, ou, para não dar muito na cara, alguém indicado por ele. Já a candidata Marina Silva, afiada com o discurso dos banqueiros, promete Banco Central autônomo por lei.
As declarações preocupam, porque o conceito de independência do Banco Central leva à pergunta: independência de quem? Ou o presidente do Banco Central responde à nação, podendo a soberania popular demiti-lo através de seu representante eleito para presidência da República, ou responde apenas ao próprio mercado financeiro, cujo capital hoje é apátrida, globalizado e sem compromisso com nenhum projeto nacional.
Os países em desenvolvimento que estão sendo bem-sucedidos, em geral, mantêm controle estatal sobre o Banco Central. A entidade tem sua autonomia para fazer uma governança técnica, mas não foge à obrigação de ter de prestar contas e mostrar desempenho satisfatório à nação, e não apenas a corporações financeiras privadas.
A proposta de Marina Silva significa uma privatização do Banco Central, portanto privatização do próprio dinheiro, da gestão da dívida pública e das reservas. Os bancos privados, em vez de serem regulados pelo Banco Central, passariam a controlá-lo, e sabemos bem quais são os interesses que seriam saciados antes de tudo.
Por trás do discurso, mais teórico do que prático, sobre uma suposta nova política, Marina Silva carrega consigo todo o retrocesso de dar plenos poderes a antigas oligarquias econômicas que enriqueceram muito desde a ditadura e depauperaram o povo brasileiro através de políticas perversas de concentração de renda às custas da exploração do suor da maioria da nação.
Marina traz de volta toda a política econômica da chamada privataria tucana, que colocava no Banco Central a figura do operador de mercado que Maria Alice Setúbal sugere, e toda a nação tinha de entregar ao altar do mercado sua cota de sacrifício. Fez parte dessa cota a venda da Vale a preço de banana, de fatias da Petrobras da mesma forma, o arrocho nos salários e aposentadorias, a venda da Telebrás arrecadando menos do que o investido para “saneá-la”, a entrega dos bancos estaduais aos bancos privados e estrangeiros em vez de incorporá-los ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal.
Por pouco não foram entregues também estes dois bancos públicos, e geradoras de energia como Furnas e Eletrobrás. A volta da privataria em um governo de Marina assanha aqueles que querem concluir o serviço. E hoje a cobiça é muito maior, com a Petrobras tendo o pré-sal, e o Banco Central administrando reservas de US$ 380 bilhões. Imagine essa montanha de dinheiro público colocada nas mãos de operador de mercado privatista?
Marina fala de um suposto purismo político, mas no escurinho dos bastidores da campanha corre o mais sinistro toma lá dá cá que se pode considerar, que é com o chamado mercado.
Curiosamente, Maria Alice Setúbal deixou escapar em sua entrevista que já captou uma corrida de doadores de campanha querendo financiar a campanha de Marina. É a corrida do ouro.