Aldeia Nagô
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Discurso de posse proferido pela nova ministra da Cultura, Ana de Hollanda.

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Antes
de mais nada, quero dizer que é com alegria que me encontro aqui hoje.
Uma espécie de alegria que eu talvez possa definir como uma alegria
densa. Porque este é, para mim, um momento de emoção, felicidade e
compromisso.


Excelentíssimos Srs. ministros e ministras, senadores e deputados,
demais autoridades presentes, caríssimos servidores do Ministério da
Cultura do Brasil,

Minhas amigas, meus amigos, boa tarde.

Antes
de mais nada, quero dizer que é com alegria que me encontro aqui hoje.
Uma espécie de alegria que eu talvez possa definir como uma alegria
densa. Porque este é, para mim, um momento de emoção, felicidade e
compromisso.

Sinto-me realmente honrada por ter sido escolhida,
pela presidenta Dilma Rousseff, para ser a nova ministra da Cultura do
meu país.

Um momento novo está amanhecendo na história do Brasil
– quando, pela primeira vez, uma mulher assume a Presidência da
República. Por essa razão, me sinto também privilegiada pela escolha.
Também é a primeira vez que uma mulher vai assumir o Ministério da Cultura. E aqui estou para firmar um compromisso cultural com a minha gente brasileira.

Durante
a campanha presidencial vitoriosa, a candidata Dilma lembrou muitas
vezes que sua missão era continuar a grande obra do presidente Lula. Mas
nunca deixou de dizer, com todas as letras, que "continuar não é repetir".

Continuar
é avançar no processo construtivo. E quando queremos levar um processo
adiante, a gente se vê na fascinante obrigação de dar passos novos e
inovadores. Este será um dos nortes da nossa atuação no Ministério da
Cultura: continuar – e avançar.

A política cultural, no governo
do presidente Lula, abriu-se em muitas direções. O que recebemos aqui,
hoje, é um legado positivo de avanços democráticos. É a herança de um
governo que se compenetrou de sua missão de fomentador, incentivador,
financiador e indutor do processo de desenvolvimento cultural do país.

Sua
principal característica talvez tenha sido mesmo a de perceber que já
era tempo de abrir os olhos, de alargar o horizonte, para incorporar
segmentos sociais até então desconsiderados. E abrigar um conjunto maior
e mais variado de fazeres artísticos e culturais. Em consequência
disso, muitas coisas, que andavam apagadas, ganharam relevo: grupos
artísticos, associações culturais, organizações sociais que se movem no
campo da cultura. E se projetou, nas grandes e médias cidades
brasileiras, o protagonismo colorido das periferias.

É claro que
vamos dar continuidade a iniciativas como os Pontos de Cultura,
programas e projetos do Mais Cultura, intervenções culturais e
urbanísticas já aprovadas ou em andamento – como as ações urbanas
previstas no PAC 2, com suas praças, jardins, equipamentos de lazer e
bibliotecas. E as obras do PAC das Cidades Históricas, destinadas a
iluminar memórias brasileiras. Enfim, minha gestão jamais será sinônimo
de abandono do que foi ou está sendo feito. Não quero a casa arrumada
pela metade. Coisas se desfazendo pelo caminho. Pinturas deixadas no
cavalete por falta de tinta.

Quero adiantar, também, que o
Ministério da Cultura vai estar organicamente conectado – em todas as
suas instâncias e em todos os seus instantes – ao programa geral do
governo da presidenta Dilma. Às grandes metas nacionais de erradicar a
miséria, garantir e expandir a ascensão social, melhorar a qualidade de
vida nas cidades brasileiras, promover a imagem, a presença e a atuação
do Brasil no mundo. A chama da cultura e da criatividade cultural
brasileira deverá estar acesa no coração mesmo de cada uma dessas
grandes metas.

Erradicar a miséria, assim como ampliar a
ascensão social, é melhorar a vida material de um grande número de
brasileiros e brasileiras. Mas não pode se resumir a isso. Para a
realização plena de cada uma dessas pessoas, tem de significar, também,
acesso à informação, ao conhecimento, às artes. É preciso, por isso
mesmo, ampliar a capacidade de consumo cultural dessa multidão de
brasileiros que está ascendendo socialmente.

Até aqui, essas
pessoas têm consumido mais eletrodomésticos – e menos cultura. É
perfeitamente compreensível. Mas a balança não pode permanecer assim tão
desequilibrada. Cabe a nós alargar o acesso da população aos bens
simbólicos. Porque é necessário democratizar tanto a possibilidade de produzir quanto a de consumir.

E
aproveito a ocasião para pedir uma primeira grande ajuda ao Congresso,
aos senadores e deputados agora eleitos ou reeleitos pela população
brasileira: por favor, vamos aprovar, este ano, nesses próximos meses, o
nosso Vale Cultura, para que a gente possa incrementar, o mais
rapidamente possível, a inclusão da cultura na cesta do trabalhador e da
trabalhadora. Cesta que não deve ser apenas "básica" – mas básica e
essencial para a vida de todos. Em suma, o que nós queremos e precisamos
fazer é o casamento da ascensão social e da ascensão cultural. Para
acabar com a fome de cultura que ainda reina em nosso país.

A
mesma e forte chama da cultura e da criatividade do nosso povo deve
cintilar, ainda, no solo da reforma urbana e no horizonte da afirmação
soberana do Brasil no mundo. Arquitetura é cultura. Urbanismo é cultura.
Na visão tradicional, arquitetura e urbanismo só são "cultura" quando a
gente olha para trás, na hora de tombamentos e restaurações. Isso é
importante, mas não é tudo. Arquitetura e urbanismo são cultura, também,
no momento presente de cada cidade e na criação de seus desenhos e
possibilidades futuras. Hoje, diante da crise geral das cidades
brasileiras, isso vale mais do que nunca.

O que não significa que vamos passar ao largo da vida rural, como se ela não existisse. O campo precisa de um "luz para todos" cultural.

De
outra parte, o Ministério da Cultura tem de realmente começar a pensar o
Brasil como um dos centros mais vistosos da nova cultura mundial.

Quero
ainda assumir outro compromisso, que me alegra ver como uma homenagem
ao nosso querido Darcy Ribeiro. Estaremos firmes, ao lado do Ministério
da Educação, na missão inadiável de qualificar o ensino em nosso país.
Se o Ministério da Educação quer mais cultura nas escolas, o Ministério
da Cultura quer estar mais presente, mediando o encontro essencial entre
a comunidade escolar e a cultura brasileira. Um encontro que há muito o
Brasil espera – e onde todos só temos a ganhar.

Pelo que desde
já se pode ver, o Ministério da Cultura, na gestão de Dilma Rousseff,
não será uma senhora excêntrica, nem um estranho no ninho. Vai fazer
parte do dia-a-dia das ações e discussões. Vai estreitar seus laços de
parentesco no espaço interno do governo. Mas, para que tudo isso se
realize, na sua plenitude, não podemos nos esquecer do que é mais
importante.

Tudo bem que muita gente se contente em ficar apenas
deslizando o olhar pela folhagem do bosque. Mas a folhagem e as
florações não brotam do nada. Na base de todo o bosque, de todo o campo
da cultura, está a criatividade. Está a figura humana e real da pessoa
que cria. Se anunciamos tantos projetos e tantas ações para o conjunto
da cultura, se aceitamos o princípio de que a cultura é um direito de
todos, se realçamos o lugar da cultura na construção da cidadania e no
combate à violência, não podemos deixar no desamparo, distante de nossas
preocupações, justamente aquele que é responsável pela existência da
arte e da cultura.

Visões gerais da questão cultural brasileira,
discutindo estruturas e sistemas, muitas vezes obscurecem – e parecem
até anular – a figura do criador e o processo criativo. Se há um pecado
que não vou cometer, é este. Pelo contrário: o Ministério vai ceder a
todas as tentações da criatividade cultural brasileira. A criação vai estar no centro de todas as nossas atenções.
A imensa criatividade, a imensa diversidade cultural do povo mestiço do
Brasil, país de todas as misturas e de todos os sincretismos.
Criatividade e diversidade que, ao mesmo tempo, se entrelaçam e se
resolvem num conjunto único de cultura. Este é o verdadeiro milagre
brasileiro, que vai do Círio de Nazaré às colunatas do Palácio da
Alvorada, passando por muitas cores e tambores.

Sim. A riqueza
da cultura brasileira é um fato que se impõe mesmo ao mais distraído de
todos os observadores. Já vai se tornando até uma espécie de lugar comum
reconhecer que a nossa diversidade artística e cultural é tão grande,
encantadora e fascinante quanto a nossa biodiversidade. E é a cultura que diz quem somos nós. É na criação artística e cultural que a alma brasileira se produz e se reconhece. Que a alma brasileira brilha para nós mesmos – e rebrilha para o mundo inteiro.

E
aqui me permitam a nota pessoal. Mas é que não posso trair a mim mesma.
Não posso negar o que vi e o que vivi. Arte e cultura fazem parte – ou
melhor, são a minha vida desde que me entendo por gente. Vivência e
convivência íntimas e já duradouras. Nasci e cresci respirando esse ar.
Com todos os seus fluidos, os seus sopros vitais, as suas revelações, os
seus aromas, as suas iluminuras e iluminações… E nesse momento eu não
poderia deixar de agradecer ao meu pai e à minha mãe, que me abriram a
mente para assimilar o sentido de todas as linguagens artísticas e
culturais. É por isso mesmo que devo e vou colocar, no centro de tudo, a
criação e a criatividade. O grande, vivo e colorido tear onde milhões
de brasileiros tecem diariamente a nossa cultura.

A criatividade
brasileira chega a ser espantosa, desconcertante, e se expressa em
todos os cantos e campos do fazer artístico e cultural: no artesanato,
na dança, no cinema, na música, na produção digital, na arquitetura, no
design, na televisão, na literatura, na moda, no teatro, na festa.

Pujança
– é a palavra. E é esta criatividade que gira a roda, que move moinhos,
que revela a cara de tudo e de todos, que afirma o país, que gera
emprego e renda, que alegra os deuses e os mortais. Isso tem de ser
encarado com o maior carinho do mundo. Mas não somente com carinho. Tem
de ser tratado com carinho e objetividade. E é justamente por isso que,
ao assumir o Ministério da Cultura, assumo também a missão de celebrar e
fomentar os processos criativos brasileiros. Porque, acima de tudo, é tempo de olhar para quem está criando.

A
partir deste momento em que assumo o Ministério da Cultura, cada
artista, cada criadora ou criador brasileiro, pode ter a certeza de uma
coisa: o meu coração está batendo por eles. E o meu coração vai saber se
traduzir em programas, projetos e ações.

Sei que, neste
momento, a arte e a cultura brasileiras já nos brindam com coisas demais
à luz do dia, à luz da noite, em recintos fechados e ao ar livre. E
vamos estimular e fortalecer todas elas. Objetivamente, na medida do
possível. E subjetivamente, na desmedida do impossível. Mas sei, também,
que coisas demais ainda estão por vir, das extensões amazônicas à
amplidão dos pampas, passeando pelos assentamentos da agricultura
familiar, por fábricas e usinas hidrelétricas, por escolas e canaviais,
por vilas e favelas, praias e rios – entre o computador, o palco e a
argila. Porque, no terreno da cultura, para lembrar vagamente, e ao
inverso, um verso de Drummond, todo barro é esperança de escultura.

É preciso descentralizar, sim. Mas descentralizar sem deserdar. É preciso dar formação e ferramentas aos novos.
Mas garantindo a sustentação objetiva dos seus fazeres. Porque, como
disse, muita coisa ainda se move em zonas escuras ou submersas, sem ter
meios de aflorar à superfície mais viva de nossas vidas. É preciso
explorar essas jazidas. Explorar a imensa riqueza desse "pré-sal" do
simbólico que ainda não rebrilhou à flor das águas imensas da cultura
brasileira.

Por tudo isso é que devo dizer que a atuação do
Ministério da Cultura vai estar sempre profundamente ligada às raízes do
Brasil. Pois só assim vamos nos entender a nós mesmos. E saber
encontrar os caminhos mais claros do nosso futuro.

Minhas amigas
e meus amigos, antes de encerrar, quero me dirigir às trabalhadoras e
aos trabalhadores deste Ministério. De uma forma breve, mais breve do
que gostaria, mas a gente vai ter muito mais tempo para conversar. De
momento, quero apenas dizer o seguinte: seremos todos, aqui, servidores
realmente públicos. Vou precisar, passo a passo, da dedicação de todos vocês.
Vamos trabalhar juntos, somar esforços, multiplicar energias, das
menores tarefas cotidianas, no dia-a-dia deste Ministério, às metas
maiores que desejamos realizar em nosso país.

Em resumo, é isso. O que interessa, agora, é saber fazer. Mas, também, saber escutar. Quero que a minha gestão, no Ministério da Cultura, caiba em poucas palavras: saber pensar, saber fazer, saber escutar. Mas
tenho também o meu jeito pessoal de conduzir as coisas. E tudo – todas
as nossas reflexões, todos os nossos projetos, todas as nossas
intervenções -, tudo será feito buscando, sempre, o melhor caminho. Com
suavidade – e firmeza. Com delicadeza – e ousadia.

Mas, volto a
dizer, e vou insistir sempre: com a criação no centro de tudo. A criação
será o centro do sistema solar de nossas políticas culturais e do nosso
fazer cotidiano. Por uma razão muito simples: não existe arte sem artista.

Muito obrigada.
Ana de Hollanda

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