Dissecando a Utopia por Romeu Temporal
Analisando
os partidos políticos, o governo e os movimentos sociais como forças
independentes do processo de mudança social na America Latina, o livro "A Nova
Esquerda Latina: a utopia renascida" ilumina os desafios que os governos
enfrentam para atravessar o atual nevoeiro espesso da política.
O
movimento social é o principal vetor da mudança histórica, afirmam os autores
que foi a sua direção e a força desta ação que pavimentaram o caminho para a
eleição de um governo de esquerda na Bahia.
A
questão central é fortalecer a relação entre o partido e os movimentos sociais.
O partido pode servir de braço político do movimento social, capacitando-o a
exercer suas demandas na arena política, provendo os necessários meios para
administrar o estado. "A alianças entre os movimentos sociais e os partidos são
fundamentais para vencer a direita e seus políticos profissionais".
O
perigo é que a lógica eleitoral dos partidos opera em conflito com ação
imediatista dos movimentos. Os partidos precisam de ampla base de sustentação
eleitoral, da qual o movimento social é apenas uma pequena parte. O que, no
caso da Bahia, esta lógica tem levado o governo a conter as ações do MST para
evitar que invasões de terras que pareçam provocações.
O
governador tem procurado, em harmonia com o seu partido e com os movimentos
sociais, avançar na defesa dos direitos sociais e na luta contra a direita e o
neoliberalismo. Contudo, nem sempre este equilíbrio entre o que as ruas pedem e
o que o governo pode é tão fácil quanto planejamos.
Bahia, Wagner e o MST
A
ascensão ao poder no estado da Bahia do Partido dos Trabalhadores sob a
liderança do governador Jaques Wagner vem enfrentando desafios; que o PT deve
saber enfrentar para ocupar o poder em nome dos trabalhadores.
O
PT começou como um partido da classe trabalhadora, e obteve a primeira grande
vitória com 11 milhões de votos na eleição presidencial de 1989. Lula só seria
eleito pela primeira vez em 2002.
Apesar
do MST ser a espinha dorsal da base eleitoral e social do PT, a política
agrícola do governo continuou priorizando o agro-negócio desde que o PT se
tornou governo. A prioridade tem sido o grande produtor de celulose, de soja,
algodão ou café, que usam intensivamente os fertilizantes e pesticidas, a
irrigação, sem priorizar o emprego rural, nem a ecologia ou a biodiversidade. O extremo-sul e o oeste baianos são uma clara
ilustração desta contradição.
O
PT é contrário a essa política devastadora, e trabalha para a pequena
agricultura familiar, ajudando as 600 mil famílias de fazendeiros que não tem
terra suficiente para viver. Ou construindo os assentamentos para aqueles
outros milhares de trabalhadores que não tem terra alguma.
O
governo Lula vem executando o programa bolsa-família de apoio social às
famílias de baixa-renda, garantindo comida, escola e gás de cozinha para cerca
de 11 milhões de famílias – aproximadamente 25% da população. Em troca tem
recebido apoio político. Na Bahia, Wagner administra cerca de 1.300.000 bolsas
que beneficiam as famílias que mantém seus filhos menores de 15 anos na escola,
com a vacinação atualizada, e programas de atenção básica da saúde: combate a
mortalidade infantil, com aleitamento materno e atendimento pré-natal.
Na
Bahia, nos municípios mais pobres, esse apoio chega a alcançar metade da
população.
Essa
é a grande realização deste governo, e, ainda que não tenha sido acompanhada
por um combate as causas estruturais da pobreza, como a reforma fundiária, a
reconstrução da infra-estrutura econômica, esta é a sua real base de
sustentação política.
Em
2006, Jaques Wagner ganhou a eleição graças ao apoio dos sindicatos e dos
movimentos sociais contra as forças mais destrutivas da direita, da imprensa
proprietária e das elites provincianas.
A
despeito de ter minimizado os impactos da grave crise sobre esta Bahia, as
forças reacionárias continuam solapando o trabalho, acusando-o de ser
recalcitrante e incapaz de desamarrar o nó das alianças políticas.
É
fundamental distinguir entre os aliados dos adversários. E ainda que já
tenhamos perdido a ilusão de tudo poder mudar de forma radical, o desafio é
manter o rumo no nevoeiro, e trabalhar para levarmos a bom termo o mandato que
recebemos da população. Mudar esta que continua sendo uma das mais desiguais
sociedades da face da terra.
Romeu Temporal é economista e escritor