Dorrit, Lula e o gueto de Gaza. Por Paulo Henrique Arantes
Dorrit Harazim deveria servir de modelo para os colegas da autodenominada Grande Imprensa.
Sua coluna em O Globo no domingo 18 constituiu a descrição mais humana que se fez até agora do que Israel pratica em Gaza. O texto situa-se entre o comovente e o revoltante, e faz indagar: quem ataca Lula pela forma como se referiu a Israel, comparando sua ação às operações antissemitas nazistas, e com quais intenções?
Assim escreveu Dorrit, em um dos parágrafos do artigo angustiante: “De qualquer ângulo que se olhe, as crianças palestinas do enclave formam um capítulo à parte da desumanidade em curso. Estatísticas de guerras anteriores mundo afora registravam média de 20% de crianças do cômputo total de vítimas. Em Gaza, elas são 40%. Dados levantados pela Save the Children apontam para mais de dez crianças mutiladas por dia, com a perda de uma ou ambas as pernas. Isso há quatro meses. E talvez já chegue a 25 mil o número das que perderam ao menos um dos pais na guerra”.
A realidade palestina hoje deve ser comparada com o quê, exatamente? Qual o quadro histórico que mais se assemelha ao de Gaza em termos de crueldade?
Mais Dorrit: “Dias atrás, mais um complexo hospitalar em Khan Yunis foi submetido a assalto maciço por parte das tropas de Israel. Segundo o governo de Benjamin Netanyahu, o hospital abrigava integrantes do Hamas e poderia esconder os restos mortais de alguns dos 130 reféns israelenses ainda em mãos do grupo terrorista. O caos, as mortes, o desamparo de civis apenas se repetem e se avolumam. O anunciado plano israelense de ataque tous azimuts à cidade de Rafah visando a derrotar os terroristas do Hamas é uma insânia. Ali está espremido 1,5 milhão de palestinos já exauridos. Fugiram do chão que habitavam mais ao norte para escapar dos bombardeios. Estão numa ratoeira, enquanto o Egito ergue um muro de 7 metros de altura delimitando vasta área do Sinai”.
A jornalista, a certa altura, pergunta: “Quem sabe o mundo acorda?”. O que Lula fez foi tentar acordar o mundo. Se não acordou, ao menos chacoalhou.
Lula é um líder de carne e osso, sua indignação com o horror imposto por Israel à população palestina é a mesma da maioria dos mortais e não poderia ser disfarçada em nome de uma falsa diplomacia, aquela que contemporiza com genocidas. Além do que, há paralelo histórico: em que, exatamente, a situação dos habitantes de Gaza é menos cruel que a dos confinados no Gueto de Varsóvia, no alvorecer da Segunda Guerra?
Paulo Henrique Arantes
Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”
Artigo publicado originalmente no Brasil 247