E a “maioria silenciosa” de Trump era minoria. Por Paulo Moreira Leite
Embora não faltem analistas de botequim para dar seu palpite sobre a vitória de Donald Trump, a questão central da eleição norte-americana permanece. No voto popular, Hillary Clinton venceu o pleito por uma diferença que não para de aumentar.
Já ultrapassou os 2 milhões de votos, pode chegar a 3 milhões e é muito provável que crave uma vantagem de 1,5% sobre o total do eleitorado, o que está longe de representar uma poeira estatística.
É uma margem considerável. Pode ser suficiente para dar muito a calor durante a apuração mas jamais será contestada em países onde o chefe de governo é escolhido diretamente pela população, num ambiente no qual situação e oposição mantém respeito pelo regime democrático. (Em 2014, Dilma venceu as eleições por uma margem superior a 3% mas foi contestada desde o primeiro dia por adversários que não aceitariam qualquer resultado desfavorável, como pudemos ver em agosto de 2016).
Do ponto de vista formal, não há o que objetar quanto a vitória de Trump. Ele venceu dentro das regras aceitas por todos e, antes do encerramento da apuração, Hillary já admitiu a derrota. É assim desde o século XVIII, nos lembram. Há uma questão política, porém.
O resultado real da eleição é a demonstração clara, incontornável, de que o novo presidente não foi capaz de arrebatar o voto da maioria dos norte-americanos. A maioria silenciosa era minoritária, comprova-se agora.
Numa época em que a horizontalidade tornou-se um dos sinônimos de democracia, uma escolha de cima para baixo, na qual a máquina dos partidos políticos de cada estado tem prioridade sobre a decisão do eleitorado, sempre irá representar um complicador.
A noção, tão anunciada, de que Trump teria recebido um mandato popular para defender alguns dos valores mais reacionários da cultura política norte americana para a Casa Branca não se confirmou. Essa situação pode se transformar num traço permanente de seu governo e alimentar a resistência a seus planos de desmanche de políticas sociais limitadas mas importantes de Obama. Mais do que festejos por sua vitória, os dias seguintes a eleição tem sido marcado por imensos protestos de seus adversários. Numa reação típica, Trump já instalou um assessor, o mais próximo do fascismo que poderia ser encontrado em Washington, num posto estratégico na Casa Branca.
Este pode ser um sinal do que está por vir.
No plano externo, a vitória de Trump teve um impacto inegável. Sua crítica a globalização colocou em questão a aliança de Hillary e dos mercados financeiros em vários países, inclusive no Brasil, onde uma vitória democrata era vista como uma âncora segura para a continuidade do governo Temer e os aliados do PSDB.
No plano interno, o enigma é saber como a maioria derrotada irá se comportar nos próximos meses. Olhada em retrospecto, a desistência de Hillary mostrou-se um tanto prematura. Abriu espaço para Bernie Senders, o senador vencido nas primárias que pode ganhar terreno a partir de agora.
Artigo publicado originalmente em http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/265479/E-a-%E2%80%9Cmaioria-silenciosa%E2%80%9D-de-Trump-era-minoria.htm