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É crime de guerra imaginar ser o Exército capaz de lidar com fake news. Por Luis Costa Pinto

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Da janela de meu escritório em Brasília contemplo diariamente os amanheceres enevoados de novembro e dezembro, quando a umidade enfim retorna à capital federal.

Na outra margem do Lago Paranoá percebo, nesses dias, que o prédio do Tribunal Superior Eleitoral sempre recebe a alvorada envolto numa nuvem de vapor.

Apelidei a bruma que esconde o TSE de “fake news”. É isso o que ela é. Homenageio, assim, o presidente do tribunal, Gilmar Mendes, e a ideia de jerico de usar o CIEx (Centro de Informações do Exército) como núcleo nevrálgico de monitoramento das falsas notícias que certamente circularão na web e nas redes sociais no curso do processo eleitoral de 2018.

Assim como é certo que haverá uma explosão de informações distorcidas, embustes e balões de ensaio pipocando em multitelas no ano que vem, é absoluta a certeza de que aparelho militar algum tem qualificação técnica e isenção política para coordenar esse monitoramento. Agravando a falta de competência nata, hoje o ministro da Defesa chama-se Raul Jungmann –ele mesmo um especialista em produção de “fake news”. Priscas eras, nos anos 1990, seu apelido político em Pernambuco era “gogó de ouro”.

Vivemos no Brasil a espantosa Era em que nada mais espanta –contudo, é espantoso que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral imagine ser possível pôr militares para rastrear e qualificar informações sob o comando de um civil cuja biografia sempre foi marcada por contar um conto e aumentar 2 ou 3 pontos.

É necessário dar aos leitores instrumentos capazes de fazê-los discernir entre a verdade e a mentira naquilo que é veiculado na web, nas redes e mesmo na mídia tradicional. O Código Civil e a Lei Eleitoral têm instrumentos para punir propagadores do falso. Daí a criar um núcleo militarizado que defina o que é verdade e o que é mentira, passível de impor punições àquilo que eles venham a avaliar ser notícia falsa, é impróprio e arriscado.

Qual a capacidade de um grupo de militares para definir o que é falso ou verdadeiro se, para eles, até hoje não é um fato que tenhamos tido desaparecidos políticos durante a ditadura militar? Como uma criatura treinada para a guerra lidará com a verdade? Por definição, nas guerras, a 1ª vítima é a verdade.

Ou não é verdade que o repórter Edward Kennedy, da Associated Press, foi o 1º a noticiar o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945 e terminou punido por isso e execrado por muitos veículos de comunicação? Tudo porque teria “furado” um acordo de embargo.

Às 15h24min de 7 de maio de 1945 o escritório da agência de notícias da AP em Londres recebeu um telefonema confuso: vinha por meio de um canal militar não sujeito à censura. Do outro lado da linha, o chefe da sucursal parisiense da AP. “Aqui é Ed Kennedy. A Alemanha capitulou incondicionalmente. Repito, capitulou incondicionalmente. É oficial. Coloque Reims, França, como procedência e solte a notícia, já.”

No relato que fez dessa gloriosa empreitada conta Dorrit Harazim, em coluna publicada há alguns anos no jornal O Globo:

O texto tinha perto de 300 palavras. “Agora é esperar para ver o que acontece”, comentou Ed Kannedy, após desligar. Dois minutos mais tarde, Londres transmitia a bomba para a central em Nova York, que ainda segurou a notícia por oito minutos antes de colocá-la no ar.

Instantaneamente, rádios por toda a América interromperam suas programações para dar a grande nova, edições extras de jornais inundaram as ruas e o furo tinha tudo para ser o momento de maior triunfo profissional e pessoal de Edward Kennedy, já consagrado como um dos grandes nomes de sua geração.

Os fatos seguiram outro roteiro. Passadas menos de 24 horas, Kennedy fora suspenso por tempo indeterminado e seria demitido mais tarde, sem alarde. No mesmo dia, o presidente do Conselho da AP divulgava um comunicado lamentando “profundamente” o monumental furo obtido pelo jornalista.

Perto de 50 correspondentes de guerra do front europeu recomendaram a revogação de sua credencial. Kennedy acabou expulso da França pelo Comando Supremo das Forças Aliadas e teve de retornar aos Estados Unidos.

Se um dos maiores furos jornalísticos da História foi passível de punição por descumprimento de ritos militares, tendo seu protagonista transformado em herói pela História passado o curso dos anos, não é razoável supor que militares brasileiros sejam capazes de separar joio e trigo no âmbito das fake news. Eu afirmo: não são. E se lhes derem tal poder, é quase certo que conservem o joio e desprezem o trigo. São caolhos e têm a boca torta de tanto fumar o cachimbo errado.

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Luís Costa Pinto, 49 anos, trabalhou em publicações como Veja, Folha e O Globo. Teve livros e reportagens premiadas –por exemplo, “Pedro Collor conta tudo”. É sócio da consultoria Idéias, Fatos e Texto.

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