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É injusta a condenação de Lula!. Por Marconi De Souza Reis

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No final da tarde da última quarta-feira, após o julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, quando a turma de desembargadores manteve a condenação de primeiro grau e majorou a sua pena, a minha esposa me perguntou:

– O que muda com a condenação?

– Nada, respondi.

– Nada?

– Sim, socialmente não muda nada.

– Não entendi…

– Se depender do Direito, daqui a uns 30 anos eu estarei jogando dama na praça com outros velhinhos e assobiando aquela pérola de Leo Jaime, que diz: “uôuôuôuôuô, nada mudou”.

– Ah sim, é aquela sua teoria sobre a incapacidade do Direito em sanar as mazelas de uma sociedade.

– É apenas uma das consequências daquela teoria, corrigi.

– Então dê um exemplo concreto, ordenou-me.

– Perceba que a maioria esmagadora das pessoas que aplaudem a condenação de Lula não o faria se o personagem fosse outro (um adversário), e vice-versa.

– Você arriscaria uma percentagem de quem aplaude ou vaia a condenação de Lula?

De plano, respondi:

– A julgar pela rede social, apenas uns 10% dos internautas visam o combate à corrupção. O resto é o inferno de Dante. Ou seja, a condenação de Lula, embora dentro da legalidade, é escandalosamente injusta.

– E o mundo jurídico nem coça essa questão, concluiu ela, revelando ter compreendido que nenhuma mudança substancial ocorrerá na nossa sociedade com a condenação de Lula, visto que o Direito possui estrutura inapta para tanto.

Bem, foi fácil para minha esposa compreender a assertiva de que nada muda com a condenação de Lula, visto que ela conhece “Deus algema e atrasa o Direito”, livro que escrevi há 11 anos (2007), com prefácio do filósofo Carlos Costa, mas que ainda não lancei.

Nesta obra, revelo como o austríaco Hans Kelsen, o grande filósofo da norma, isolou o Direito numa estrutura ainda mais metafísica do que a razão pura de Kant, a ponto de, no século XX, o pensamento jurídico não despertar o menor interesse em figuras como Derrida, Foucault, Habermas e tantos outros.

Mas não se avexe, porque não tentarei explicar o título dessa crônica – é injusta a condenação de Lula – por meio de uma persecução filosófica. Vou buscar um caminho mais palatável. Espero, porém, que 90% dos leitores não me odeiem ao final, mas apenas reflitam profundamente sobre os seus desejos, seus interesses.

É o seguinte: a maioria esmagadora dos apaixonados por Lula – e o seu carisma desperta paixões inconfessáveis – fecha os olhos para ver que o nosso planeta é, de fato, redondo. E essa atitude os coloca, conscientemente ou não, numa posição de “ladrões em potencial”, ainda que muitos acreditem piamente que não.

Por outro lado, a maioria esmagadora que ataca Lula também revela-se “ladra em potencial”, como ficou demonstrado no silêncio, na mudez, que essas pessoas demonstraram no caso recente de corrupção envolvendo Aécio Neves e Michel Temer, adversários de Lula.

Muda-se o personagem alvo da denúncia da corrupção, e a plateia reage distintamente. Ou seja, quando é Lula, grita-se; se for Aécio, silencia-se; e vice-versa. A dura realidade é que, na melhor das hipóteses, 90% das pessoas se manifestam assim na rede social (termômetro da sociedade).

Nesse contexto, imperioso informar que “ladrão em potencial” é aquele que não se corrompe por falta de oportunidade. O espírito do roubo está lá, latente, pulsante, aguardando apenas uma chance para também praticar o delito. Infelizmente, é o espírito que campeia na população brasileira, conscientemente ou não.

Eu sei que estou sendo duro com 90% das pessoas que estão me lendo – a verdade é um caroço de abacate, sua semente, e não a polpa com açúcar –, daí que, a partir dos próximos parágrafos, vou retornar 14 anos no tempo, para que as minhas letras possam ser degustadas, compreendidas, refletidas, sem tanto ódio.

Em 4 de janeiro de 2004, um domingo ensolarado, eu fui com meus filhos ao “Curral Novo”, antiga fazenda da nossa família em Queimadas, tomar banho no rio Itapicuru (foto abaixo). Bebi bastante uísque, comi um cágado delicioso e, minutos depois, parti com a minha galera de volta para Lauro de Freitas.

Quando já estávamos perto do nosso destino, na via Cia/Aeroporto (que era mão única), ultrapassei um carro em área proibida, isto é, na faixa amarela – em frente à entrada do aterro sanitário de Salvador –, e uma viatura da Polícia Rodoviária me parou, incontinenti.

Enquanto os policiais preenchiam os dados da multa, meu filho caçula, Pedro Marconi, na época com sete anos de idade, comentou com um deles:

– Veja, policial, outros carros estão fazendo a mesma coisa que meu pai. Você não vai parar…???

Ele respondeu:

– Aqui a gente não pode dar conta de tudo. Seu pai foi escolhido.

Como se vê, o policial me escolheu aleatoriamente, e isso não é justo, apesar de eu ter cometido a infração. Socialmente falando, justo seria que todos aqueles motoristas infratores também fossem notificados e obrigados a pagar a devida multa, mas, na práxis, esse conceito do Direito é também ilusório, vazio.

Se na época ele fizesse o teste do bafômetro, talvez a minha penalidade ainda fosse maior. Todavia, os outros motoristas infratores também poderiam ter ingerido bebida alcoólica, daí que, como não eram abordados pelos policiais, o sentimento de injustiça permanecia incólume.

No caso de Lula, é sabido demais que os seus processos são sustentados por uma mídia venal e conduzidos por um Judiciário parcial, além de receber amparo de outros políticos corruptos e aplausos de boa parte da rede social, que, como já dito, está lotada de pessoas potencialmente salteadoras, gatunas.

Lula cometeu, sim, o delito de corrupção passiva, e eu já expliquei isso exaustivamente aqui em outros textos. Todavia, a condenação também é injusta, visto que, escolhido a dedo – aqui configura-se a inversão metafísica da aleatoriedade do policial rodoviário –, a finalidade da punição não é, hermeneuticamente, a do combate à corrupção.

A finalidade em torno do “fator Lula” é municiada por outros interesses, alguns determinados, outros imprecisos, mas todos convergentes. E numa estrutura jurídica em que a lei precisa ser fundamentada noutra norma anterior, e assim sucessivamente, até chegar a uma norma hipotética, como achava Hans Kelsen, a única coisa que lhe dá sustentação é Deus ou o Diabo.

O próprio Hans Kelsen admitiu que a estrutura jurídica por ele concebida, na “Teoria Pura do Direito” (sua obra fundamental), “serve ao bem e ao mal”. Daí que o Direito vigente é apenas uma ferramenta a servir o poder – e que, ressalte-se, não tem, nem de longe, a influência que a imprensa possui para mudar uma sociedade.

E quando o “fator Deus” surge para justificar uma teoria (ou a sua práxis), “aí todo tipo de atrocidade ocorre em seu nome”, como bem detectou o escritor português José Saramago. Não é a toa que o jurista uruguaio Eduardo Couture, assustado com a norma vazia de Kelsen, recomendou que “nosso dever é lutar pelo Direito, mas quando encontrarmos o Direito em conflito com a Justiça, lutemos por esta”.

Simplificando, quando o Direito vem desacompanhado do sentimento de justiça comum à maioria, à verdadeira democracia, ele em nada ajuda, e não muda nada. Compreendeu? Todavia, não obstante as injustiças citadas acima, tanto Lula na administração pública, quanto eu no trânsito dirigindo o meu carro, não estamos, assim como ninguém, acima da lei.

A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas em pé, shorts e atividades ao ar livre

Nota do Autor

Sérgio Moro sofre de ejaculação precoce!

Assim que ganhei os principais prêmios jornalísticos do país, no final de 2003, pela série de reportagens sobre os grampos telefônicos de ACM, decidi passar o Natal e o Ano Novo em Queimadas. Desde o final de 2002 que eu não viajava para lá, e, portanto, estava um ano longe dos meus pais.

Na verdade, sempre que ganhava prêmios regionais, nacionais ou internacionais (foram 15, ao todo, entre 1998 e 2003), eu adorava voltar à cidade da minha infância e adolescência, para caminhar pela linha do trem, ouvir o canto de um cabocolino, ver raposas atravessando as veredas da caatinga, tomar banho no rio ou cheirar um alecrim.

Mas aquela viagem, no final de 2003, era demais especial, não só porque eu concluíra meu primeiro ano do curso de Direito naquele ano, como também decretara o fim do império de ACM na Bahia. Havia um sentimento de dever cumprido, de uma guerra, enfim, vencida. O que estaria por vir nos anos seguintes seria apenas consequência.

Em viagens anteriores a Queimadas, um amigo sempre me alertava:

– Você não vai conseguir mudar nada. A maioria dos eleitores do “cabeça branca” é tão ladrão quanto ele. Faltam a eles apenas a oportunidade para corromper. Você precisa descobrir outro tipo de denúncia.

Esse meu amigo era Serapião Andrade, farmacêutico, médium, e geralmente a primeira pessoa da cidade com quem eu conversava nas manhãs de sábado. Por coincidência, uma recepcionista do jornal A Tarde me dizia a mesma coisa, a cada série de reportagens bombásticas que eu publicava.

– Você precisa descobrir algo que não seja apenas sobre corrupção para acabar com esse império maldito. Você precisa descobrir, por exemplo, um crime sexual, pegar o batom na cueca, opinava aos risos a tal recepcionista (não lembro o seu nome).

Eu não concordava plenamente com essas opiniões, mas, sem dúvida, a maior parte do eleitorado de ACM revelava-se insensível às denúncias de corrupção. A paixão cega pelo cara era um enorme empecilho.

Todavia, mesmo ainda não conhecendo a “Teoria Pura do Direito”, de Kelsen, eu já intuía que o jornalismo tem um poder revolucionário, ao contrário do mundo jurídico, que é mera ferramenta, nos moldes como está estruturado filosoficamente/“cientificamente”.

Pois bem: assim que detonei ACM com as denúncias dos grampos telefônicos, a recepcionista do jornal A Tarde me disse:

– Agora, sim, você vai ver o resultado!

De fato, entre aqueles 232 telefones grampeados havia mais vítima inusitada do que se imaginava. Não eram apenas políticos, advogados e a amante de ACM. Lá estavam, também, os telefones de mulheres e filhas de políticos, além de parentes de jornalistas carlistas. Nem dona Arlette Magalhães, esposa de ACM, sabia da existência de Adriana Barreto, filha do desembargador Amadiz Barreto e amante do marido.

Ocorreram suicídios horríveis no auge das reportagens. Instalou-se ali o definitivo inferno astral de Antonio Carlos, em face do afastamento afetivo de seus principais correligionários grampeados. Eclodiu o sentimento de justiça, de justo, no seio carlista, e que repercutiu na sociedade.

E esse afastamento afetivo foi determinante para, logo no ano seguinte, ele ser derrotado na eleição municipal pelo inexpressivo João Henrique. E o que é pior: além de perder o governo do Estado dois anos depois para o bêbado Jacques Wagner, viu uma múmia (João Durval) ser ressuscitada a um cargo no Senado.

Os apaixonados por Lula, pessoas ingratas que me pediam socorro entre 1997 e 2003, tentaram me tirar esse louro, afirmando que a imprensa não tinha esse poder, que fora o ex-presidente que, por via reflexa, alterara o quadro político na Bahia. Caramba. Ainda bem que, de longe (eu já estava fora da imprensa), eu vi o cientista político Paulo Fábio rechaçar frontalmente essa tese petista (suas entrevistas e textos estão no meu livro “ACM e Adriana – uma história de amor, traição e grampo”)..

E hoje, dia 28 de janeiro de 2018, eu rio desses canalhas, porque eles estão sentindo na pele a verdade, qual seja, foi a TV Globo quem jogou Lula no poço do infortúnio. O Judiciário foi apenas a ferramenta, porque, como já explicado acima, trata-se de uma “ciência” estruturada na metafísica, isto é, simples mecanismo “que serve ao bem e ao mal”, nas palavras do próprio Kelsen.

Resumindo: essa história recente da derrocada de Lula veio por ordem à minha luta na Bahia.

Pois bem: infelizmente, naquele final de 2003, não pude conversar com o meu amigo Serapião Andrade sobre as reportagens dos grampos telefônicos. Ele falecera no dia 26 de dezembro de 2002 (ou desencarnara, como ele diria). Todavia, sem dúvida, ele afirmaria algo semelhante ao que me disse a recepcionista do jornal A Tarde: – “Agora, sim, vai…”, afirmaria Serapião, com seu belo sorriso.

E aqui está o ponto crucial da questão, porque diz respeito ao momento em que a norma harmoniza-se com o sentimento majoritário de justiça. Nenhuma nação consegue mudar nada, principalmente no quesito corrupção, se o sentimento de justiça não for majoritário, portanto, democrático, em consonância com a norma.

E o Direito, com a estrutura que tem, é incapaz de liderar qualquer mudança. Não muda substancialmente nada na sociedade. Apenas serve ao poder.

Nem mesmo pensadores como Recasen Siches, Hannah Arendt e John Rawls, que empreenderam uma crítica ao purismo de Kelsen através de uma “lógica do razoável”, no caso do primeiro, por um contratualismo “a la Rousseau”, no caso de Rawls, ou pela “idealização de um outro consenso”, com a pacifista Arendt, lograram êxito em inserir o Direito na pós-modernidade.

E o pior: como o Direito isolou-se do pensamento contemporâneo – da antropologia, da sociologia e da filosofia contemporânea –, a face dos seus operadores tornou-se, necessariamente, arrogante e pedante.

Por falar em operadores do Direito, há um detalhe importante que passou despercebido por mim e muitas pessoas, antes do julgamento do TRF-4. É o seguinte:

O relator do “caso triplex”, desembargador João Pedro Gebran Neto, inverteu a sentença de Sérgio Moro. Ele analisou inicialmente as preliminares, como determina a lei processual, mas, em seguida, tratou da lavagem de dinheiro, para somente depois chegar à corrupção passiva.

Na seara científica, ele aplicou acertadamente a lógica aristotélica da dedução. Partiu do geral para o particular. A dedução é um tipo de raciocínio que parte de uma proposição geral (referente a todos os elementos de um conjunto) e conclui com uma proposição particular (referente a parte dos elementos de um conjunto), que deriva logicamente das premissas.

Sérgio Moro fez exatamente o oposto, o que dá à sua sentença um caráter sofista (no sentido grego do termo), de falácia, termo aliás que foi muito usado para criticá-lo. Nos meus textos anteriores, acusei a sentença de Moro tão somente de mal redigida e com muitos erros de português. Mas essa estrutura lógica é outro defeito considerável.

Numa analogia com uma relação sexual, o desembargador praticou as preliminares, transou e gozou. Sérgio Moro, por sua vez, praticou as preliminares, mas, em seguida, gozou rápido, para só depois partir para a transa. Em resumo: o cara também sofre de ejaculação precoce.

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