Aldeia Nagô
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”É um absurdo achar que o Brasil é pró-Irã ou que está isolado” por Celso Amorim

8 - 12 minutos de leituraModo Leitura

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em
entrevista ao Estado de São Paulo, defende posição do País na crise
hondurenha,
fala sobre sua filiação ao PT e rebate as críticas de que o governo Lula
partidarizou a diplomacia brasileira..
Ele disse que estão
"equivocados" os
que acham que o País está isolado na questão nuclear iraniana. A seguir,
os
principais trechos da conversa com o chanceler brasileiro.
Por que o
sr,
diplomata de carreira e chanceler, decidiu se filiar ao PT?


Estou terminando minha gestão no Itamaraty. Sou diplomata aposentado, além do
mais. Mas aposentadoria não é a morte. Interesso-me por política – isso não
significa que serei candidato. Se quisesse, teria sido agora. Quero ter um
envolvimento na política e me identifico mais com o PT. A maioria dos meus
antecessores, com exceção do governo militar, pertenciam a
partidos.

Mas não diplomatas de carreira.
Não penso assim. Veja meu antecessor,
Celso Lafer. Foi tesoureiro de campanha do PSDB. Roberto Campos, diplomata de
carreira, não foi chanceler, mas foi ministro. Sinceramente, isso é um
não-assunto.
O sr. seria chanceler em um eventual governo Dilma
Rousseff?
Não sei, não tenho mais ambições. Pretendo levar da melhor maneira
esse período final do governo, ao qual me orgulho de ter servido.

Seus críticos reclamam da ”partidarização” da diplomacia, dizem que a
agenda do PT está ofuscando tradicionais objetivos do Itamaraty.
Primeiro, o
governo não é só o PT, mas o PT dentro de uma coligação. Eu, aliás, fico muito
satisfeito quando vou ao Senado e à Câmara e – tirando esse período eleitoral –
recebo muitos elogios.
Mas, da última vez, dois da membros oposição bateram
boca com o sr.
É porque estamos em ano eleitoral. Respeito a opinião dos
outros, não estou dizendo que estão certos ou errados. Há alguma diferença de
concepção quanto à diplomacia, mas a maior distinção é que nós não nos limitamos
a falar. Nós fizemos.

Há reclamações de uma afinidade excessiva da atual política externa com
países como Venezuela e Cuba. O sr. discorda?
Não vejo isso de maneira tão
dramática. Fui ministro do presidente Itamar (Franco) e levei a Cuba uma carta
dele sobre certos temas. O próprio governo Fernando Henrique Cardoso teve uma
cooperação razoável com Cuba.

Agora parece ser diferente. Na última visita a Havana, Lula comparou
prisioneiros de consciência cubanos como criminosos comuns brasileiros.

comentei o que tinha de comentar a esse respeito. O presidente fez uma
autocrítica em relação à greve de fome que fez em São Bernardo. Agora, cá entre
nós, quando houve greve de fome na Irlanda do Norte ninguém nos pediu para
romper com a Grã-Bretanha. Há maneiras de agir. É muito fácil fazer condenações
e colocar um diploma na parede. O difícil é contribuir efetivamente para uma
melhora.

Mas, ao comparar presos de consciência com criminosos comuns, o presidente
não dá um voto de legitimidade ao sistema cubano?
Não vejo que ele tenha
feito a comparação entre uns e outros. O presidente comparou situações. Cada um
tem seu estilo, suas metáforas.

Outra frase do presidente Lula que marcou muito foi a de que os protestos, no
Irã, contra a eleição de junho, eram "choro de perdedor, como uma coisa entre
vascaínos e flamenguistas".
Vocês querem que eu comente o estilo do
presidente. Esse estilo é apoiado por 85% dos brasileiros. O que interessa é que
o Brasil não vai intervir em um tema interno iraniano e irá se relacionar de
Estado para Estado com o Irã.

Mas, novamente, não foi uma intervenção? Não estaria Lula legitimando uma
eleição amplamente contestada?
Não acho, de forma nenhuma, que seja uma
intervenção. Reflete a experiência dele diante de coisas que assistiu no Brasil.
Seria muito pretensioso, nesse caso específico, achar que teríamos alguma
influência. O que temos procurado trabalhar com o Irã é o caso do dossiê
nuclear.

Antes de falar sobre o programa nuclear, o sr. considera a questão de
direitos humanos no Irã um empecilho para a aproximação do Brasil com
Teerã?
O ideal é que o mundo todo fosse feito de democracias. De preferência
com um componente social, como a nossa. Mas não é assim. Não vou responder a sua
pergunta como você quer e a recoloco: a ausência de democracia é empecilho para
os EUA – país que seu jornal mais admira, e eu também – estabelecer relações com
alguém? Pergunte a um ministro americano se ele pensa em romper laços por causa
de violações de direitos humanos.
O caso iraniano é bem particular. O Irã
caminha desde junho para uma ditadura brutal, com repressão na rua e a Guarda
Revolucionária tomando de assalto o país. Nesse contexto se dá a aproximação
brasileira.
Não vejo da forma que você coloca. O Irã é formado por
circunstâncias diversas, que vêm desde a traumática ruptura com os
EUA.

Sobre o dossiê nuclear do Irã, há em paralelo um programa balístico e todos
sabem que Teerã fez uma usina secreta em Qom…
Não defendemos nada disso.
Queremos o que (o presidente Barack) Obama defendia até pouco tempo, mas parece
estar desiludido. Tudo isso que você estava enumerando já existia. O que há de
novo é uma proposta da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) para a
troca de urânio levemente enriquecido por elementos combustíveis para o reator
de pesquisa de Teerã. Achamos que ainda é possível trabalhar sobre a proposta –
assim como os turcos, membros da Otan e vizinhos do Irã, provavelmente os
últimos a querer uma bomba iraniana. Chamam-nos de ingênuos, mas acho muito mais
ingênuos os que acreditam em tudo o que o serviço de inteligência americano
fala. Veja o caso do Iraque. O último relatório da AIEA sobre o Irã não traz
fato novo. O que tem é um novo tom, pois mudou o diretor-geral. Converso com
muita gente e não vejo o Irã perto de fazer uma bomba. A maioria dos analistas
tampouco acredita que isso está próximo.

O artigo de capa da última "Foreign Affairs", prestigiada revista de
especialistas, diz exatamente o oposto.
Mas isso virou uma polêmica
ideológica. Um artigo publicado nos EUA colocava a estimativa mínima entre três
e cinco anos para se obter uma bomba. Supondo ainda que eles queiram fazer. Não
estou dizendo que eles querem ou não. Mas é possível fazer um acordo que dê
conforto relativo – pois absoluto não há – de que o Irã não terá um arsenal
nuclear mínimo a médio prazo, ao mesmo tempo respeitando o direito iraniano de
ter energia nuclear para fins pacíficos. É absurdo achar que o Brasil é pró-Irã.
Veja o que diz (Thomas) Pickering, que trabalhou com a (ex-secretária de Estado
dos EUA) Madeleine Albright, ou o (ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA,
Zbigniew) Brzezinski. Outro dia até o Estadão publicou um artigo – fiquei feliz
– defendendo a mesma coisa que nós. Dizer que Pickering é pró-Irã é estar no
mundo da Lua, sinceramente.

Ahmadinejad fechou um acordo com AIEA e depois recuou. Como o sr. vê esse
vaivém?
Os EUA também chegaram a condenar Honduras na OEA e depois recuaram,
porque senadores não confirmavam um embaixador.

São situações comparáveis?
Claro que não. Estou dizendo que em todos os
lugares há posições variadas. O Irã, independentemente do julgamento de valor,
certamente tem um sistema político plural.
Não é o que pensam os dissidentes
iranianos, sobretudo desde junho.
Um dos primeiros a condenar o acordo com a
AIEA foi o (líder da oposição Mir Hossein) Mousavi. O Irã tem um sistema plural,
apesar de todas as suas limitações. Não estou falando que é a democracia
pluralista que queremos. Acho, honestamente, que o Irã devia ter aceito a oferta
da AIEA que permitia o enriquecimento. Mas não é porque recusaram que diremos
"então está bem, vamos para guerra". Ou "vamos para sanções", que podem não ter
efeito ou punir a população.

Então, se uma resolução nos atuais termos vier, o Brasil votará
contra.
Não darei essa informação. Ainda temos de analisar.

O vice-presidente José Alencar afirmou que uma bomba iraniana só teria fins
defensivos. O sr. concorda?
Você só me pergunta sobre o que os outros dizem
(risos). Respeito muito o vice-presidente e não comentarei. Surpreende-me a
falta de informação. Achar que o Brasil é pró-Irã ou que está isolado é
totalmente falso. Nem deveria invocar esses exemplos, mas como é tão importante
para um certo grupo da elite brasileira saber o que os outros pensam… Outro
dia na TV disseram que Honduras foi um "tropeço" nosso. Não vejo absolutamente
nenhum tropeço nesse caso. Aliás, nossas posições públicas foram iguais às dos
EUA. Eles nunca abriram a boca para nos criticar por dar abrigo ao (presidente
Manuel) Zelaya. Só a mídia nacional e alguns políticos fizeram
isso.

Hoje, olhando para trás, o sr. avalia que a decisão de abrigar Zelaya
beneficiou a crise hondurenha?
Foi corretíssima, positiva para a coerência do
Brasil. É espantoso que jornais que foram obrigados a publicar receita de bolo
em suas páginas por causa da censura de um governo militar achem justificável um
golpe de Estado. Isso me espanta. Houve um erro e não devemos permitir que ele
sirva de exemplo. Aliás, mutatis mutandis, o golpe hondurenho se assemelha muito
ao de 1964. Todo mundo diz que o Brasil cometeu um fiasco, como se não fosse
correto dar abrigo a um presidente legitimamente eleito, tirado de sua casa na
ponta de um fuzil.

Nenhum grande jornal do Brasil defendeu o golpe. Para o "Estado", o novo
regime era "governo de facto". O que se questionou foi, por exemplo, o fato de
Zelaya convocar uma "insurreição" – foi essa a palavra usada – de dentro da
embaixada brasileira.
O que você queria que eu fizesse? Pegasse o Zelaya e
botasse na rua? Aí sim teríamos uma chance de guerra civil. Chegamos para ele e
dissemos "você fica, mas não fale mais isso". Eu, pessoalmente, disse a ele:
"Presidente, por favor não use a palavra morte". E ele respeitou. Enviados
americanos iam à embaixada brasileira falar com Zelaya. Só se chegou a uma
conclusão – que, certamente, não foi a ideal – porque abrigamos
Zelaya.

Recentemente, a revista "Foreign Policy" afirmou que o sr. é o "Henry
Kissinger brasileiro". Como o sr. vê a comparação?
Não tenho o brilhantismo
do professor Kissinger (risos). E ainda acho que sou um pouco mais idealista do
que ele.

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