Aldeia Nagô
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Educação contra a alienação. Por João Alexandre Peschanski

11 - 15 minutos de leituraModo Leitura

O
mundo está preso a uma espiral destrutiva, a lógica do capital, que pode causar
seu desaparecimento. Destrói-se a natureza, pensando que se está estimulando a
produção de mercadorias necessárias para o bem-estar humano. Justificam-se
ataques militares, que geram massacres, como se fossem as únicas formas de
deter a violência. Tais anomalias não revoltam a maioria da população, pois
estão encobertas em uma capa que turva sua compreensão. Esta, de acordo com o
filósofo húngaro István Mészáros, se chama alienação.



a perda de controle sobre as atividades humanas que poderíamos e deveríamos
controlar", diz.

Mészáros
esteve em São Paulo para o relançamento de seu livro A teoria da alienação em
Marx Boitempo Editorial, 2006), quando concedeu uma entrevista ao
Brasil
de Fato
. Falou sobre os aspectos mais perversos do capitalismo e da lógica
do capital, fenômenos que insiste em diferenciar. Explicou que, onde há alienação, estão os elementos que
podem derrocar a dominação do povo
. O
alimento das práticas de transformação social é a educação.
"É preciso recuperar o sentido da educação,
que é conhecer-se a si mesmo, aprender por diferentes meios. O pensamento
crítico precisa ser desenvolvido pelo povo, pois só ele tem a força de se
libertar"
, diz.

Brasil de Fato – Em A teoria da alienação em Marx, o
senhor afirma que se tornou uma necessidade histórica problematizar o conceito
de alienação. Por quê?

István Mészáros – A sobrevivência da humanidade está
ameaçada, não só em razão da potência militar de alguns países, mas também em
virtude da devastação da natureza.
Precisamos modificar,radicalmente, nosso modo de vida ou desapareceremos.

Chegamos a esse ponto porque há um poder, do qual estamos alienado, que
controla o sistema social, em vez de nós mesmos dirigirmos nosso destino. Poderosos interesses econômicos determinam
o modo como devemos nos relacionar coma natureza, nos levando à nossa própria
destruição.
Na ECO-92, encontro internacional realizado no Rio de Janeiro
em 1992, várias promessas foram enunciadas por governos, incluindo o
estadunidense, para deter a devastação ambiental. Mas elas são descumpridas,
quando o presidente George W. Bush deixa de assinar o Protocolo de Kyoto,
apesar de reconhecer que os Estados Unidos são responsáveis por um quarto dos
danos à natureza. A devastação é irreversível.


BF – O capitalismo contemporâneo funciona na lógica da
produção destrutiva. As máquinas do sistema não páram, mas seu funcionamento é
perverso, pois exaurem o planeta.

Mészáros – Os Estados Unidos assumem um papel
determinante no direcionamento do poder alienado que dirige os destinos da
população mundial. A maioria dos outros países não é melhor,mas não consegue
competir com o império. Ao mesmo tempo, a condição de superpotência dos EUA é
paradoxal, pois o país passa por grandes dificuldades econômicas, manifestadas
pela existência de uma dívida catastrófica, que não tem como ser quitada. Os
juros só são pagos com dinheiro extraído de outros países, por meio de acordos
de comércio injustos ou intervenções militares. Antes, o capitalismo se
orgulhava de ser uma destruição produtiva, mas sua manifestação imperialista se
sustenta na lógica da produção destrutiva.
A alienação, absolutamente dominante, é o alicerce dessa lógica perversa.

BF – Por que decidiu basear sua análise em Os
manuscritoseconômico-filosófi cos
, do pensador Karl Marx, de 1844?

Mészáros – Essa obra representa o momento da
maturação da teoria do capital que Marx vai apresentar em outros textos, como O
capital.
Ele dizia que o mundo estava caminhando para a capacidade de se
autodestruir. Hoje temos poderio militar para nos destruir mais de mil vezes.
Há algumas décadas, quando Estados Unidos e União Soviética disputavam a
hegemonia mundial, falava-se na teoria da destruição mútua assegurada. O
poderio nuclear das duas potências mantinha um certo equilíbrio planetário.
Hoje, pelo menos uma dúzia de países têm armas nucleares e a possibilidade de
um confronto com bombas atômicas não é descartável. Além disso, outros
armamentos, principalmente químicos, põem em risco a humanidade. Teóricos do
Pentágono, que não posso chamar de outra coisa senão de loucos, defendem o uso
de armas de destruição em massa contra países que resistem à dominação total
dos Estados Unidos. O resultado de pensamentos como esse é a situação do
Iraque, onde mais de 100 mil pessoas já morreram. A insanidade, com base na
influência do Pentágono, se tornou a lógica dominante das relações
internacionais.

BF – Como o senhor define alienação?

Mészáros – É a perda de
controle sobre as atividades humanas que poderíamos e deveríamos controlar.
O sistema
social é uma construção humana e deveria ser controlado pelos homens, mas está
longe de nós, fora de nosso alcance, está alienado. Está, algumas vezes,
usurpado.

BF – Como fazer esse controle?

Mészáros – Não tem como ser controlado sob a
hegemonia do poder do capital. A alienação não é algo mágico, que cai do céu,
mas é parte fundamental do que chamo metabolismo social de humanidade. A alienação é um tipo de controlador do
capital, que não se preocupa com o destino do planeta, mas com sua própria
reprodução, infinita.
A ironia da humanidade é que conseguiu desenvolver
instrumentos suficientes para manter-se, para que todos tenham o que comer, mas
são usados para estimular uma realidade destrutiva. A lógica do capital é estimular a alienação, pois faz com que a
população aceite esse paradoxo. A alienação leva à racionalização da
insanidade, o que cria a ilusão de ser a ordem correta das coisas. É o modo
como se gera a ideologia dominante.
Quando a invasão do Iraque começou, a
justificativa era a existência de armas de destruição em massa. Três anos
depois, vemos massacres, ruínas, sofrimento, mas nada do tal armamento.

Essa
incongruência foi racionalizada, impedindo que levasse à revolta dos que
acreditaram nas justificativas do governo estadunidense. Mesmo assim, a alienação também está no fato de se acreditar que os
problemas da humanidade podem ser resolvidos com violência.
A mudança dessa
dominação, que coloca em risco a sobrevivência do planeta, depende de uma ação
revolucionária que vá além da lógica do capital. Dois elementos podem gerar
essa ação revolucionária: a defesa da natureza e a resistência ao belicismo.

BF – Em Os manuscritos, Marx fala em diferentes
formas de alienação, mas destaca a dos homens em relação a eles mesmos e seus
pares. Como pensar em uma ação revolucionária, se estamos dispersos e
atomizados?

Mészáros – A lógica do capital força uma
competição destrutiva dos humanos. A competição, em si, não é ruim. Pode levar
à superação de limites e até a novas formas de cooperação. Hoje, a competição é
antagônica: alguém tem sempre que ser destruído. Gera uma onda de medo, o que
serve de suporte para governos autoritários. A base de nossa vida social, a produção e a reprodução das condições de
nossa sobrevivência, fica fora de nosso controle.
Aqui, mais uma vez, está a alienação. A própria noção de economia,
fundamental para nossa vida, é desvirtuada.
Antes, queria dizer poupar.
Hoje, é consumir, ao último nível possível. Quebrar a alienação é repor as
definições históricas juntas, mostrando a trajetória do conhecimento de cada
conceito e prática.

BF – A União Soviética, a China e a Iugoslávia, países que
reivindicaram o comunismo, não se preocuparam mais do que os capitalistas com a
natureza.

Mészáros – Nunca
tivemos países realmente comunistas.
Esses três países desafiaram, de fato,
o capitalismo, mas nunca se desvencilharam do poder do capital. Encontraram
outras formas defazê-lo existir. Um dos países que mais devastou o ambiente foi
a União Soviética, que poluiu territórios imensos. A construção do socialismo não pode se desligar da preocupação com a
ecologia, base de nossa sobrevivência.
A questão não é só derrubar o
capitalismo ou os Estados capitalistas, que podem até ser facilmente
derrubados, mas criar um novo poder, que
enfrente a lógica do capital.
A União Soviética é prova de que os Estados
capitalistas podem ser derrubados e, depois, restaurados. A raiz do problema
não é o capitalismo – um sistema recente dentro da história da humanidade – mas
a lógica do capital. Os países citados se diziam comunistas, mas mantiveram a
lógica da produção destrutiva.


Pensavam
que tinham que produzir mais do que os Estados Unidos, controlar mais áreas de
influência. Seguiram, na verdade, a mesma lógica. Não foram buscar os sentidos
originais dos conceitos e conhecimentos, como a definição antiga de economia ou
as contradições apontadas por Marx. Reinterpretaram a alienação, mas
mantiveram-na como lógica dominante.

BF – O grande desafio da humanidade é desenvolver uma
cultura crítica, no sentido político do termo, em relação às práticas sociais,
atualmente alienadas.

Mészáros – Não basta manter a crítica em sua
cabeça ou para um círculo fechado, é preciso fazer a ponte com a realidade. A crítica tem que ser o alimento para
organizar um movimento de massa para transformar a lógica do capital. Isso
exige que as pessoas críticas assumam a responsabilidade de mudar os rumos.
Mas
como isso é possível se apenas alguns estão no comando político e outros estão
excluídos das decisões? Como esperar que as pessoas assumam a responsabilidade
pelas decisões se nunca fizeram isso, nem acham que sabem como fazer?

BF – A própria noção de que alguns sabem e outros têm que
ser comandados é ideológica. A alienação mantém essa visão, que gera pessoas
inseguras, fáceis
de manipular.

Mészáros – Não se pode perder de vista a
necessidade do confronto. Os excluídos têm que questionar a razão de sua
exclusão. Daí vão chegar à conclusão de que não há nada que a justifique.

BF – Como se dá essa tomada de consciência?

Mészáros – Não pode se dar simplesmente por um
grupo de intelectuais. O pensamento
crítico precisa estar ao alcance de e ser desenvolvido por uma massa de
pessoas. O problema é que, desde a mais tenra idade, nas escolas, as pessoas
são ensinadas a ser pacatas. Muitas pessoas nem têm acesso à educação formal.
Formas alternativas de educação devem ser desenvolvidas pelo povo.
É
preciso recuperar o sentido da educação, que é se conhecer a si mesmo, aprender
por diferentes meios, criativos e alternativos. O pensamento crítico precisa ser desenvolvido pelo povo, pois só ele
tem a força de se libertar.
Não há fórmula mágica, além da necessidade de
estimular a criatividade que a alienação tenta destruir.

BF – Marx diz que é preciso buscar o ponto de contradição do
sistema, pois só nele está a chave para a emancipação. O senhor está dizendo
que é preciso desmistificar os mecanismos de alienação?

Mészáros – A alienação
só pode ser vencida com educação.
Há uma relação dialética, é claro. Não
se acaba com a alienação simplesmente passando uma lei: a alienação está
proibida. Isso gera mais alienação. A
educação precisa ser orientada para uma humanidade sustentável. É uma pedagogia
com clara intenção política, a de libertar o povo, mas não é dogmática, pois
emana do próprio povo.
Ressalto que essa educação é emergencial. É preciso
assumir a responsabilidade sobre a transformação dessa perspectiva, não tão
distante, de um mundo prestes a desaparecer. O primeiro passo é parar a competição destrutiva e estimular uma
interação positiva entre os homens.

Quem
é

Autor
do clássico Para além do capital, o húngaro István Mészáros nasceu em Budapeste,
em 1930, onde se graduou em Filosofia. Integrou a Associação de Escritores
Húngaros, editou a revista da Academia de Ciências, Magyar Tudomány, e a
revista mensal Eszmélet. Após a revolta de 1956, abandonou o país. Em
1995, foi eleito membro da Academia Húngara de Ciências. Em 2006, recebeu o
título de Pesquisador Emérito da Academia de Ciências Cubana.

Glossário

Karl Marx (1818-1883) – Filósofo e economista
revolucionário, nascido na Alemanha, que criou as bases teóricas do comunismo.
Suas obras vão desde a crítica ao modo de produção capitalista à estratégia que
os trabalhadores, explorados dentro desse sistema, devem assumir para alcançar
sua liberdade.

Protocolo de Kyoto – Conjunto de metas para a
redução de gases poluentes, os quais, acredita-se, estejam ligados ao
aquecimento global. O protocolo, assinado por 141 países, mas não os Estados
Unidos, principal produtor desses gases, entrou em vigor em fevereiro de 2005,
mas não surtiu qualquer tipo de efeito.

Pentágono – Sede do Departamento de Defesa do
governo dos Estados Unidos.

O filósofo húngaro István Mészáros alerta sobre as perversidades do capitalismo contemporâneo
João Alexandre Peschanski

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