Eleições 2010. O último suspiro de Serra por Luis Nassif
Entenda melhor o que está por trás dessa escalada de CPIs, escândalos e
tapiocas da mídia.
A candidatura José Serra naufragou. Seus eleitores ainda não sabem, seus
aliados desconfiam, Serra está quase convencido, mas naufragou.
Política e economia têm pontos em comum. Algumas forças determinam o
rumo do processo, que ganha uma dinâmica que a maioria das pessoas demora em
perceber. Depois , torna-se quase impossível reverter, a não ser por alguma
hecatombe – um grande escândalo.
O início da derrocada
O início da derrocada de Serra ocorreu simultaneamente com sua posse
como novo governador de São Paulo. Oportunamente abordarei as razões desse
fracasso.
Basicamente:
1. O estilo autoritário-centrali
gestão. O Serra do Ministério da Saúde cedeu lugar a um político vazio,
obcecado com a política rasteira. Seu tempo é utilizado para planejar maldades,
utilizar a mão-de-gato para atingir adversários, jornalistas atacando colegas e
adversários e sua tropa de choque atuando permanentemente para desestabilizar o
governo.
2. Fechou-se a qualquer demanda da sociedade, de empresários,
trabalhadores ou movimentos sociais.
3. Trocou programas e ideias pelo modo tradicional de fazer política: grandes
gastos publicitários, obras viárias, intervenções suspeitíssimas no zoneamento
municipal (comandado por Andrea Matarazzo), personalismo absurdo, a ponto de
esconder o trabalho individual de cada secretário, uso de verbas da educação
para agradar jornais. Ao contrário de Franco Montoro, apesar de ter alguns
pesos-pesados em seu secretariado, só Serra aparece. Em vez de um estado-maior,
passou a comandar um exército de cabos e sargentos em que só o general pode se
pronunciar.
4. Abandonando qualquer veleidade de inovar na gestão, qual a marca de
Serra? Perdeu a de bom gestor, perdeu a do sujeito aberto ao contato com linhas
de pensamento diversas (que consolidou na Saúde), firmou a de um autoritário
ameaçador (vide as pressões constantes sobre qualquer jornalista que ouse lhe
fazer uma crítica).
5. No meio empresarial (indústria, construção civil), perdeu boa parte
da base de apoio. O mercado o encara com um pé atrás.. Setores industriais
conseguem portas abertas para dialogar no governo federal, mas não são sequer
recebidos no estadual. Há uma expectativa latente de guerra permanente com os
movimentos sociais. Sobraram, para sua base de apoio, a mídia velha e alguns
grandes grupos empresariais de São Paulo – mas que também (os grupos) vêem a
candidatura Dilma Rousseff com bons olhos.
A rede de interesses
O PSDB já sabe que o único candidato capaz de surpreender na campanha é
Aécio Neves. Deixou marca de boa gestão, mostrou espírito conciliador, tem-se
apresentado como continuidade aprimorada do governo Lula – não como um governo
de ruptura, imagem que pegou em Serra.
Será bem sucedido? Provavelmente não. Entre a herança autêntica de Lula
– Dilma – e o genérico – Aécio – o eleitor ficará com o autêntico. Além disso,
se Serra se tornou uma incógnita em relação ao financismo da economia, Aécio é
uma certeza: com ele, voltaria com tudo o estilo Malan-Armínio de política
econômica, momentaneamente derrotado pela crise global. Mas, em caso de
qualquer desgaste maior da candidatura oficial, quem tem muito mais
probabilidade de se beneficiar é Aécio, que representa o novo, não Serra, que
passou a encarnar o velho.
Acontece que Serra tem três trunfos que estão amarrando o PSDB ao abraço
de afogado com ele.
O primeiro, caixa fornida para bancar campanhas de aliados. O segundo, o
controle da Executiva do partido. O terceiro, o apoio (até agora irrestrito) da
mídia, que sonha com o salvador que, eleito, barrará a entrada de novos
competidores no mercado.
Se desiste da candidatura, todos os que passaram a orbitar em torno dele
terão trabalho redobrado para se recolocarem ante outro candidato. Os que deram
apoio de primeira hora sempre terão a preferência.
Fica-se, então, nessa, de apelar para os escândalos como último recurso
capaz de inverter a dinâmica descendente de sua candidatura. E aí sobressai o
pior de Serra.
Ressuscitando o caso Lunus
Em 2002, por exemplo, a candidatura Roseana Sarney estava ganhando essa
dinâmica de crescimento. Ganhara a simpatia da mídia, o mercado ainda não
confiava em Serra. Mas não tinha consistência. Não havia uma base orgânica
garantindo-a junto à mídia e ao eleitorado do centro-sul. E havia a herança
Sarney.
Serra acionou, então, o Delegado Federal Marcelo Itagiba, procuradores
de sua confiança no episódio que ficou conhecido como Caso Lunus – um flagrante
sobre contribuições de campanha, fartamente divulgado pelo Jornal Nacional.
Matou a candidatura Roseana. Ficou com a imagem de um chefe de KGB.
A dinâmica atual da candidatura Dilma Rousseff é muito mais sólida que a
de Roseana.
1. É apoiada pelo mais popular presidente da história moderna do país.
2. Fixou imagem de boa gestora. Conquistou diversos setores empresariais
colocando-se à disposição para conversas e soluções. O Plano Habitacional saiu
dessas conversas.
3. Dilma avança sobre as bases empresariais de Serra, e Serra se
indispôs com todos os movimentos sociais por seu estilo autoritário.
4. Grande parte dessa loucura midiática de pretender desestabilizar o
governo se deve ao receio de que Dilma não tenha o mesmo comportamento pacífico
de Lula quando atacada. Mas ela tem acenado para a mídia, mostrando-se disposta
a uma convivência pacífica.. Não se sabe até que ponto será bem sucedida, mas
mostrou jogo de cintura. Já Serra, embora tenha fechado com os proprietários de
grupos de mídia, tem assustado cada vez mais com sua obsessão em pedir a cabeça
de jornalistas, retaliar, responder agressivamente a qualquer crítica, por mais
amena que seja. Se já tinha pendores autoritários, o exercício da governança de
São Paulo mexeu definitivamente com sua cabeça. No poder, não terá a bonomia de
FHC ou de Lula para encarar qualquer crítica da mídia ou de outros setores da
economia.
5. A grande aposta de Serra – o agravamento da crise – não se confirmou.
2010 promete ser um ano de crescimento razoável.
Com esse quadro desfavorável, decidiu-se apertar o botão vermelho da CPI
da Petrobrás..
O caso Petrobras
Com a CPI da Petrobras todos perderão, especialmente a empresa. Há um
vasto acervo de escândalos escondidos do governo FHC, da passagem de Joel Rennó
na presidência, aos gastos de marketing especialmente no período final do
governo FHC.
Todos esses fatos foram escondidos devido ao acordo celebrado entre FHC
e José Dirceu, visando garantir a governabilidade para Lula no início de seu
governo. A um escândalo, real ou imaginário, aqui se devolverá um escândalo lá.
A mídia perdeu o monopólio da escandalização. Até que grau de fervura ambos os
lados suportarão? Lá sei eu.
O que dá para prever é que essa guerra poderá impor perdas para o
governo; mas não haverá a menor possibilidade de Serra se beneficiar. Apenas
consolidará a convicção de que, com ele presidente, se terá um país conflagrado.
Dependendo da CPI da Petrobras, aguarde nos próximos meses uma virada
gradual da mídia e de seus aliados em direção a Aécio.