Em disco de estreia, Xauim reflete diáspora africana e celebra afoxé Badauê
O disco reúne sete faixas que navegam por uma pluralidade rítmica e deságuam na Bahia – porto dessa viagem que, explica Xauim, tem como norte um mapeamento ancestral em plenitude. A Bahia do afoxé Badauê, aqui representado pelo cantor e percussionista Jorjão Bafafé, único feat do disco. “[A Bahia é] um portal pelo qual eu acesso os outros. Uma interseção que eu percebo nessa diversidade de ritmos é essa ligação com a diáspora”.
Mesmo sem planejar, o artista conseguiu reunir a equipe que sempre quis, a começar por Bafafé. “Um mestre, protagonista do mundo percussivo da música baiana, do Araketu, samba duro, é de uma honra gigante. A priori, chamei ele pra fazer a percussão. Depois chamei para cantar. Cantou e foi lindo”, diz ele, satisfeito também com a equipe de músicos.
Flutuântico
O álbum, cuja produção foi concluída em quatro meses, era algo que o baiano não pensava para 2021. “Estava produzindo uma música com Átila e outra com a Aquahertz, em paralelo. E aí me veio essa vontade de lançar algo mais encorpado. Mesmo produzindo com produtores distintos, eu estava vendo uma conexão nesses dois singles, uma ligadura entre as canções”.
“Todas as pessoas que participaram do álbum eu já admirava. Se me falassem, em 2018, 2019 até, que eu faria um álbum com participação de todos eles, eu não ia botar fé. Eu pude, ainda que à distância, somar, e reunir essas pessoas nesse projeto que é muito especial. É realmente um sonho ter essa ficha técnica”.
Flutuântico toma forma e vem a público quase um ano após o lançamento da faixa ‘Pra Quem Quiser Ouvir’, primeiro single/clipe do projeto. O nome é a coalizão de ‘flutuante’ e ‘Atlântico’ porque, diz Xauim, precisava dar conta da confusão que é não enxergar, de maneira ampla, as próprias raízes. “Porque houve um corte. E, ao mesmo tempo, estamos alinhados pelo oceano. Poder ver esse mar que nos liga com o que foi cortado”.
Para além do paradoxo, é também a oportunidade de homenagear o pai, Daniel Ferreira, falecido em 2012. Ele tinha um projeto chamado Escola Flutuante. Embora recheado de referências, o disco ecoa a sonoridade que faz jus às percepções de um artista nascido e criado à beira da Baía de Todos os Santos. “Bebo das tradições, mas quando expiro, jogo outra coisa. Uma roupagem com os elementos do meu tempo. É algo que curto fazer, com duplos, triplos sentidos, ecoando simultaneamente na música”.
Xauim
Não é a primeira vez que Xauim, persona do fotógrafo e videomaker Matheus Leite [@matheusl8], toma para si a responsabilidade de refletir a diáspora. Como artista visual, foi o primeiro brasileiro a vencer o concurso Sony World Photography Awards, na categoria National Awards. No ensaio Afrocentrípeta, retrata o fenômeno da imigração forçada nas Américas, sobretudo no Brasil.
Na música, ocorreu de perceber na palavra xauim – que em tupi significa sagui, aquele macaquinho também conhecido por mico – a conexão que precisava. A referência veio da música Cantando em Tupi, faixa que integra o álbum, composta em 2011. “Pensei: ‘acho que esse é meu nome’. E ainda estou descobrindo as possibilidades que essa persona pode me dar em termos de caminho, de identidade, é um processo contínuo de descoberta e eu tô no comecinho dele”.
A reflexão que faz sobre o animal silvestre, perpassa o olhar atento do que foi perdido e ressignificado pelo caminho. “Esse hibridismo, o de mata e urbano. Vi um pouco disso e, ao mesmo tempo, um elo perdido dessas raízes. Falo isso pelo meu processo de identificação étnico-racial. A gente não tem esse mapeamento da nossa genealogia, se somos mais afro ou mais indígena, quais foram os caminhos genealógicos que nos trouxeram aqui, os históricos a gente já sabe”.
Enquanto xauim, o macaquinho, caminha por aí entre fios elétricos e galhas, Xauim se aventura no universo da música, mas também do audiovisual, a fim de jogar para o mundo a força que mais se aproxima de resumir as tantas formas de se expressar em vida: a arte.
Produção Musical: Átila Santana e Aquahertz