Aldeia Nagô
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Encontro com a sabedoria mapuche. Por Leonardo Boff

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Hoje enfrentam-se dois olhares contraditórios com referencia à Terra. Um, a vê
como um grande objeto, destituído de espírito, à disposição do ser humano que
pode dispôr de seus recursos como bem entender. Este olhar permitu o projeto
técnico-científico de conquista e dominação da Terra, que está na base do atual
aquecimento global.


O outro,  a considera como um super organismo vivo, a Gaia
dos modernos ou a Pacha Mama dos povos originários andinos. Ela se auto-regula e
articula todos os seus componentes de forma que se faz a permanente produtora e
reprodutora de todo o tipo de vida.

 Este segundo olhar, foi o dominante
na história da humanidade e foi responsável pelo equilíbrio que se estabeleceu
entre a satisfação das necessidades humanas e a manutenção do capital natural em
sua integridade e vitalidade. Hoje cresce a consciência de que o primeiro olhar
– da dominação e devastação – precisa ser limiitado e superado, pois, do
contrario, pode provocar imenso desastre no sistema da vida. A Terra seguramente
continuará, mas talvez sem a nossa presença. Dai a urgência de revisitar os
portadores do primeiro olhar – da Terra como Grande Mãe e Casa Comum- pois eles
são portadores de uma sabedoria que nos falta e de formas de relação para com a
natureza que nos poderá salvar. Então nos encontramos com os povos originários,
os indígenas que, segundo dados da ONU, são mais de cem milhões no mundo
inteiro, distribuídos em quase todos os paises, como no extremo  Norte com os
sami (esquimós) ou no extremo Sul, com os mapuche.

 Em setembro do
corrente ano pude me entreter longamente com os mapuche que vivem na Patagônia
argentina e chilena. São muitos, somente no sul do Chile mais de quinhentos mil.
Vivem nestas regiões andinas há cerca de 15 mil anos. Resistiram a todas as
conquistas. Quase foram exterminados, no lado argentino, pelo feroz general Roca
e, no lado chileno, são muito discriminados. Aos que hoje ocupam terras que eram
suas, se aplicam as leis contra os terroristas da constituição de Pinochet.

 Falando com seus lideres (lonko) e sábios (machis), logo salta à vista
a extraordinária cosmologia que elaboraram. Tudo é pensado em quatro termos.
Segundo C.G. Jung, o número quatro constitui um dos arquétipos centrais da
totalidade. Sentem-se tão vinculados à Terra que se chamam "mapu-che": seres
(che) que são um com a Terra (mapu). Por isso se sentem água, pedra, flor,
montanhas, insetos, sol, lua, todos irmanados entre si. Aprenderam a
descodificar e comprender o idioma da Mãe Terra (Ñeku Mapu): o soprar do vento,
o pio do pássaro, o farfalhar das folhas, o movimentos das águas e
principalmente os estados do sol e da lua. Em tudo sabem tirar lições. Seu ideal
maior é viver e alimentar profunda harmonia com todos os elementos, com as
energias positivas e negativas e com o céu e com a terra. Sentem-se os
cuidadores da natureza. A comunidade sobe ao morro mais alto. Toda a terra que
avista até se encontrar com o céu, é-lhe designada para cuidar. Perturbam-se
quando outros não mapuche penetram estas terras para introduzir cultivos, pois
entendem que assim se torna mais difícil cumprir a sua missão de
cuidar.

 Desenvolveram sofisticados métodos de cura. Toda doença
representa uma quebra do equilíbrio com as energias da Terra e do universo. A
cura implica reconstituir este equilíbrio, de sorte que  o enfermo se sinta
novamente inserido no todo. Os mapuche são orgulhosos de seu conhecimento. Não
aceitam que seja considerado folclore ou visão ancestral. Insistem em dizer que
é um saber tão sério e importante como o nosso científico, apenas diferente. Na
busca de regeneração da Terra eles podem nos inspirar.

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