Ensaio sobre a desonestidade. Por Zuggi Almeida
– E aí, amiga?
– Beleza! Você viu a Maria de Fátima? Ela se deu bem, hein?
– Pois é, menina! Pula daqui, pula dali e foi cair nas graças e rendas de um fazendeiro rico.
-Oxente! Ela foi esperta. Deu a volta na mãe, armou com César, arrumou um casamento com Afonso, deu um chifre no filho de Odete Roitman, engravidou de César, tentou entregar o neto de Raquel e no fim acertou na Mega Sena casando com um otário.
– Melhor foi César que nunca deu um prego na vida. Vivia da academia pra praia, e da praia para os braços de que qualquer piriguete fascinada pelos músculos do galã.
Engravidou Maria de Fátima e não assumiu o filho.
O cara era barril, mesmo. Imagine que conseguiu dobrar a Odete a ponto dela ricona ficar caída por ele, casar e dividir a fortuna com o miseravão !
– Odete morreu ou sumiu, e aí, você já sabe…!
(Esse é um diálogo fictício, mas possível de acontecer em qualquer esquina, escola, praia ou loja de shopping desse imenso país.)
Não pretendo levantar aqui a bandeira de arauto do bom mocismo, nem defensor dos bons costumes, mas, sim fazer uma pausa para refletir sobre a importância do caráter, da honestidade e do respeito mútuo na sociedade.
O folhetim Vale Tudo que foi exibido pela Rede Globo encerrou sem atingir os maiores picos de audiência das novelas das nove, mesmo invadindo milhões de lares brasileiros apresentando tramas, conlúios, traições sem perder a oportunidade para vender carros, sabão em pó, botijão de gás, aplicativos de entregas e demais produtos oportunizados pelo merchandising.
Impossível negar a significância das novelas globais no comportamento do brasileiro, seja influenciando na escolha do nome do filho idêntico a de qualquer personagem de destaque ou ditando estilos no formato do corte do cabelo, nas cores de determinado figurino da atriz, e até acrescentando bordões utilizados por personagens no linguajar cotidiano.
Sendo Vale Tudo uma novela das nove na Tv aberta (horário nobre) possui uma audiência tradicional acima dos 50 anos -com a predominância feminina, mas o acesso às plataformas digitais acrescenta um diferencial atingindo também um público mais jovem. A capacidade de vendas dos produtos da Rede Globo é fantástica, assim como a inserção dos seus modos e modas no dia a dia da população.
Uma trama onde predominam personagens ardilosos, desonestos ou alpinistas sociais não representa a cara verdadeira do Brasil. Vale Tudo beira a legitimação da desonestidade que supera o esforço pessoal, os princípios e as diretrizes para um modo de vida saudável e ético.
Maria de Fátima e César nunca frequentaram uma escola ao passo que milhões de jovens brasileiros se debruçam todos os dias sobre os livros na busca pela educação e construção de uma sociedade melhor para o coletivo.
Nem tudo vale por sexo ou dinheiro.
Está dado o recado.
Salvador, 21 se outubro de 2025.
– Zuggi Almeida é um cronista baiano.
