Aldeia Nagô
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Entrevista com Emir Sader Entrevista com Emir Sader por Zé Dirceu Por Zé Dirceu.

13 - 18 minutos de leituraModo Leitura

"É hora da esquerda
voltar a pensar
estrategicamente"

O importante
alerta-conselho é dado
pelo cientista político Emir Sader.


Publicado em 18-Mai-201

"É hora da esquerda
voltar a pensar
estrategicamente"

O alerta, também uma advertência, é dado pelo cientista
político Emir Sader em sua análise sobre a atual conjuntura brasileira face às
eleições de outubro e sobre os oito anos de um governo de esquerda no país.
Professor de Política na UNICAMP e de sociologia na UERJ –  onde coordena o
Laboratório de Políticas Públicas – Emir é um dos principais colaboradores do
portal Carta Maior, referência do pensamento de esquerda no país e uma das
iniciativas do primeiro Fórum Social Mundial ocorrido em Porto Alegre
(2001).

Autor de vasta bibliografia sobre o Brasil e a conjuntura
internacional, Emir coordenou recentemente, junto com o assessor de Relações
Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, o livro
"Brasil entre o passado e o futuro", no qual numa coletânea de vários artigos
são analisadas as transformações vividas pelo país nos oito anos de governo
Lula. Nesta entrevista, além de compartilhar com os leitores deste blog essas
considerações, o sociológo também faz uma abrangente análise da política externa
brasileira, apontando sua importância para o futuro.

Emir também traça um
panorama da atual situação política brasileira, considerando os avanços e
retrocessos da esquerda e da direita, além de uma análise sobre o papel do
Estado e da dimensão pública na vida em sociedade. Como bom sociólogo, atento às
eleições de outubro e às possibilidades de continuidade da esquerda no poder,
Emir também aponta os entraves que ainda temos a enfrentar na construção de uma
sociedade mais cidadã, plural e democrática.

[ Zé
Dirceu ]
Emir, para começarmos nossa entrevista na ordem do dia,
como você analisa o acordo conseguido pelo presidente Lula nesta semana com o
Irã?

[ Emir Sader
]
Uma extraordinária conquista que confirma a tese de que um
país como os EUA, que possuem o maior arsenal nuclear, não tem força moral para
tentar impor limitações às pesquisas nucleares de outro país. Uma conquista
digna de um Prêmio Nobel da Paz, que só é subestimada mesmo pelo governo
norteamericano e pelos corvos da imprensa brasileira, para os quais não importa
a paz no mundo, contanto que possam tentar impedir a vitória da candidata de
Lula, Dilma Rousseff, à presidência do Brasil.
 
[ Zé Dirceu
]
O presidente Lula conseguiu um acordo com base em proposta da
AIEA e mesmo antes de fechá-lo, os EUA já diziam que era vago e que as garantias
do Irã eram insuficientes. Agora, fechado o acordo, mesmo assim, anunciaram que
levarão em frente o plano de aplicação de sanções contra o Irã. Por que os EUA
não respeitam nada acordado desde que não seja o que eles
querem?

[ Emir Sader
]
É uma atitude de absoluta má fé, a mesma que os EUA e a Grã
Bretanha tiveram há poucos anos, na questão do Iraque. Revela sua disposição de
impor sanções à força, independente do cumprimento das exigências da Agência da
ONU. Com o Iraque se deu algo muito similar: conforme as exigências eram
cumpridas,  desqualificava-se a palavra de quem as dava, em nome da suposta
existência de armamentos de destruição em massa que posteriormente se revelaram
realmente inexistentes.

Éramos um país totalmente

subserviente e hoje não somos mais

[ Zé Dirceu
]
Em quais aspectos podemos afirmar que a política
internacional do governo Lula mudou e quais as conseqüências disso para nosso
país?
 
[ Emir Sader
]
A mudança na orientação da política internacional não foi só
na política externa, mas ela significou a soberania internacional e possibilitou
a política econômica que a gente tem. Trata-se da autosuficiência. Criamos uma
margem de jogo [manobra] significativa para o governo. Antes, o tema central era
a aliança com o centro do sistema capitalista no mundo. Isso mudou. Frente à
crise econômica internacional, o centro capitalista não se recupera, mas o Sul
sim. Antes, nós chorávamos quando estávamos em crise, não porque queríamos que
eles estivessem bem, mas porque sabíamos que a demanda deles nos era
essencial.
 
Hoje vivemos um tal multilateralismo econômico que é possível
o Sul do mundo ter uma política própria. Infelizmente, após a crise, não saímos
com propostas próprias para ela. Acho ruim o fato de que no G-20, Brasil,
Argentina, México, China e outros tenham saído separados. Nós vamos tentar
democratizar as propostas deles. Na realidade, o que precisávamos era forjar a
força política do Sul. Temos dificuldades porque os países do Sul não são
exatamente iguais, mas de qualquer maneira, essa questão é o que mudaria mais
significativamente a cara do mundo. Requer um esforço para fortalecer o
multilateralismo econômico com as políticas que temos.
 
Em relação ao
Brasil, estamos vivendo as conseqüências de termos mudado o nosso perfil
internacional. A mudança é óbvia: éramos um país totalmente subserviente e hoje
não. Nossa imagem internacional nova é oposta a isso.
 
[ Zé Dirceu
]
Em relação à integração latinoamericana, como você analisa a
iniciativa da Unasul e o MERCOSUL com seus impasses e
oportunidades?
 
Image[ Emir Sader
]
O MERCOSUL está um pouco embananado pela dificuldade da
Venezuela consolidar sua entrada, mas dessas iniciativas todas, eu gostaria de
destacar uma outra que acredito ser chave: o Banco do Sul. Nós precisamos partir
para a moeda única – as moedas nacionais vão naufragar, porque o dólar está
enfraquecido. Temos que avançar nessa articulação em torno de uma moeda única
que tenderia para um Banco Central único, mas isso é mais complicado. É um ponto
importante – não digo de não retorno – para consolidar os avanços todos, com a
expressão que tem a questão monetária, o que ela mede. O alcance do Banco do Sul
seria significativo e poderia ser um passo econômico seguinte da integração
regional para nós.

[ Zé Dirceu
]
Para fecharmos essas questões sobre política internacional,
qual sua opinião sobre Cuba hoje?
 
[ Emir Sader ] Cuba está
numa dificuldade séria porque o socialismo chegou na periferia. Então é fácil
dizer de boca "precisamos saltar etapas", mas é preciso a base material para
saltá-las. O que a Rússia fez? Desapropriou os camponeses na marra, deu um salto
na industrialização fantástico. Portanto, Cuba precisa dar o salto econômico e
achar a acumulação socialista primitiva, ter as bases materiais e criar uma
sociedade avançada. Trata-se de um problema estrutural.

Capital
financeiro, agronegócio e grande mídia 

[ Zé Dirceu ] Voce acaba de
lançar "Brasil entre o passado e o futuro". Quais aspectos o Brasil se aproxima
do futuro e em quais ainda se mantém no atraso?
 
[ Emir Sader ] O livro
foi organizado junto com o Marco Aurélio Garcia e publicado pela Fundação Perseu
Abramo. Eu digo que o Brasil se aproxima do futuro por uma política
internacional que aponta para um mundo multipolar e uma aliança dos países do
Sul. Já o atraso é representado pela hegemonia do capital financeiro, o modelo
do agronegócio e a ditadura da mídia privada. São estes os três obstáculos que
nosso país precisa romper para sairmos definitivamente do
atraso.
 
[ Zé Dirceu
]
Quais as questões fundamentais a enfrentar no próximo
governo?
 
[ Emir
Sader ]
Essas três primeiras que citei. O Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) e a nova política econômica do governo Lula, de alguma
maneira, deslocaram o peso do capital financeiro. Mas ele ainda é hegemônico no
país. Uma expressão disso é a própria independência do Banco Central (BC). O
Brasil tem a taxa de juros mais alta do mundo, inclusive acabou de subi-la.
Objetivamente, precisamos criar e fortalecer as condições de investimento do
capital produtivo para evitar essa regra do jogo que é absolutamente
cruel.
 
Em segundo lugar, tenho clareza que não dá para eliminar o
agronegócio, os transgênicos – até porque eles chegam às pequenas e médias
propriedades do campo. Mas é preciso fortalecer enormemente a economia familiar
e tudo o que signifique a autosufiência alimentar. Não tem sentido o Brasil
continuar gastando alimento com a maior quantidade de terras agricultáveis no
mundo. Ao mesmo tempo, temos a questão da democratização e do acesso à terra,
aumentar o peso de quem produz no mercado interno e gera emprego. Isso é
importante.
 
Terceiro, quebrar essa hegemonia de quatro ou cinco famílias
que forjam a opinião pública no Brasil controlando a imprensa. Último e quarto
tema é promover uma reforma política que possibilite a representação
transparente da cidadania nas instituições políticas do país.

Uma
oportunidade única para esquerda

 
[ Zé Dirceu ]
Como você avalia a situação da esquerda nesse fim do segundo
mandato de governo Lula? O que aprendemos nesses oito
anos?
 
[ Emir Sader
]
A esquerda tem uma oportunidade extraordinária de ganhando [as
eleições de outubro] derrotar uma geração da direita e abrir um espaço de
crescimento formidável. Desde a crise de 2005, nós sobrevivemos pragmaticamente.
Não tivemos forças para abrir caminhos, mas avançamos porque eles (direita) são
frágeis. A OMC é muito frágil em relação à integração regional. O ajuste fiscal
é muito frágil em relação às políticas sociais. Então, agora, temos que fazer
uma reflexão mais objetiva: que Estado a gente quer? Que sociedade a gente quer?
Que modelo econômico a gente quer? Com isso, enfrentaremos obstáculos
maiores.
 
A vantagem é que esperamos uma grande vitória nossa e uma
grande derrota da direita. É hora da esquerda voltar a pensar estrategicamente.
Não deixamos de pensar, mas avançamos nas margens do possível. Temos que
considerar que o cenário internacional não será tão positivo quanto foi antes.
Teremos enfraquecimento dos aliados regionais e possivelmente metade do mundo
continuará conservador. Então, temos que fazer uma reflexão mais forte. Mesmo
aliados nossos, como a Venezuela, terão dificuldades razoáveis. Precisamos de
uma reflexão no sentido estratégico para fazermos um grande avanço, mesmo porque
a direita estará muito golpeada, desmoralizada. Temos que pensar como
articulamos essa saída do neoliberalismo.
 
Que Estado é esse? Quais
transformações desse Estado e da esfera pública são necessários? O socialismo é
uma grande universalização dos direitos, é a grande esfera pública. Então é por
aí que deveríamos pensar o futuro. Hoje, o Estado tem mais estruturas de
controle do que de execução. Isso desbloqueia a coisa. Na realidade, a direita
coloca o debate sempre entre agente estatal versus privado. Isso é uma
sacanagem.

Nosso modelo não é estatal

é público
 
[ Zé Dirceu
]
Como eles não têm propostas, nem
alternativas…
 
[
Emir Sader ]
Eles colocaram para a sociedade um dilema
completamente equivocado que é a idéia do estatal versus privado. Isso é falso.
O nosso modelo não é estatal, é esfera pública. Não vamos defender um Estado que
pode estar financiado e privatizado. A polarização é esfera mercantil versus
esfera pública. Nós queremos tirar do mercado, universalizar direitos e
reorganizar o Estado em torno da esfera pública. Criar o espírito do servidor
público, algo anti-mercantil que é justamente a fraqueza deles [da direita].
Então, essa reforma do Estado tem que servir para reorganizar o Estado em torno
dos direitos, da cidadania, da esfera pública.
 
Image[
Zé Dirceu ]
Qual a sua análise sobre a direita brasileira
hoje?
 
[ Emir Sader
]
Eles têm o poder econômico e o poder da mídia. Há uma margem
de gente que vota no Serra e outra no Lula. Precisamos nos atentar para outro
fato: em São Paulo e rumo ao Sul do país existe um antipetismo que precisamos
entender e desarticular. E antipetismo é voto para tucano. Há, evidentemente,
outros votos que não deciframos. Por exemplo, uma margem de pessoas que não
sabem a diferença entre votar em um candidato do Lula e em um candidato tucano.
Simplesmente, não sabem.
 
Portanto, a derrota será um desespero para a
direita. Posso até pensar que caso isso aconteça, a imprensa começará a avaliar
algumas coisas, mas até agora isso não aconteceu. De qualquer forma, eles estão
em uma situação limite.

[ Zé Dirceu
]
Faltam cinco meses para as eleições, é cedo para conclusões,
mas pelo quadro que temos hoje Dilma vence a eleição de outubro. Nunca houve
condições tão favoráveis para um candidato do governo vencer e ela já ultrapassa
Serra nas pesquisas.

[ Emir Sader ] Conforme
as pesquisas avançam, diminui o grau de indecisos e aumentam em proporções
crescentes os que expressam desejo de votar no candidato do Lula. Mas ainda
manifestam voto pelo Serra, vão mudando sua definição, vai se desenhando um
quadro muito favorável à vitória da Dilma. Pode-se esperar atitudes ainda mais
desesperadas da direita, diante da iminência de uma vantagem da Dilma que se
torne insuperável.

A massa precisa ser sujeito
político

 
[ Zé Dirceu
]
Como você avalia nossa imprensa e as tentativas de
democratização da mídia, toda essa movimentação e debate sobre a comunicação no
país?
 
[ Emir Sader
]
Os modelos de esquerda de imprensa alternativa até agora não
funcionaram. O modelo do Peru foi simbólico, significativo e deu errado.
Estatizou tudo e entregou para o sindicato. Nos não temos um modelo ainda. Ao
nos referirmos à TV Brasil (a TV pública do país), nós dizemos o que ela não é.
Estou pensando mais em uma rede pública de TVs alternativas, rádios
comunitárias, blogs e outros elementos. Nós sabemos o que não deve ser, mas não
sabemos ainda como é, como queremos, como formamos a mídia
representativa.
 
A (mídia) estatal deve existir. O presidente Lula, por
exemplo, tem o direito e a obrigação de falar e prestar contas e discutir com a
sociedade brasileira. Agora, temos que ter a rede pública também. Elas são
elementos essenciais para organizar a massa crítica. A massa pobre que hoje é
sujeito econômico precisa ser sujeito político também. Ela precisa de meios de
comunicação para se informar e produzir. Ela nem sabe que é preciso se
expressar. Hoje, para você se organizar, não tem meios. A imprensa atual é
desorganizadora. Então, a resolução da democratização dos meios de comunicação
tem a ver com a organização da base social. Temos que encontrar as formas não só
de disputar a opinião pública, mas também a popular, das
bases.
 
[ Zé Dirceu
]
E usar, por exemplo, o poder que os sindicatos têm de
comunicação.
 
Image[ Emir Sader
]
E o das igrejas…
 
[ Zé Dirceu
]
Qual sua avaliação da Confecom – 1ª Conferência Nacional de
Comunicação? Ela foi importante?
 
[ Emir Sader ] Foi mais
importante do que imaginávamos supondo o boicote deles [dos donos dos meios de
comunicação que se recusaram a participar do evento e se retiraram de sua
organização ainda antes da elaboração da pauta do encontro]. Eles achavam que
iam desarticular, mas criou-se uma opinião pública e mobilização contra eles, de
tal maneira que o governo federal agiu melhor do que a gente
imaginava.
 
[ Zé Dirceu
]
Os barões da mídia não esperavam que o evento fosse se
realizar. Formou-se uma corrente forte de opinião a favor, o que acumulou mais
gente.
 
[ Emir Sader
]
Exatamente.
 
[ Zé Dirceu
]
O Forum Social Mundial completou 10 anos. Como você o vê um
década depois?
 
[
Emir Sader ]
Foi muito importante na fase de luta e resistência,
mas perdeu o bonde na fase de disputa de hegemonia. A supremacia das ONGs fez
com que o Fórum se tornasse um lugar de intercâmbio de experiências e não de
propostas. Mas o lugar para discutir relação do movimento indígena equatoriano
com o Rafael Correa (presidente do Equador) seria lá. O MST e o Lula seria lá.
Então, não sai nada. Os presidentes têm que se reunir paralelamente. E essa
ausência de Estado, de política e de poder no FSM faz com que ele gire em falso.
Claro que lá está a sociedade disputando hegemonia, mas o grande evento do FSM é
aquele dos cinco presidentes.

Entrevista publicada originalmente em www.zedirceu.com.br

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