Entrevista Paulo Henrique Amorim por Edgar Olimpio
Sua trajetória
profissional daria um livro. Ele acompanhou
a movimentação do subcomandante Marcos nas selvas mexicanas, reportou a
violenta
guerra civil em Ruanda, assinou matérias sobre o terrível vírus Ebola e
cobriu o
assassinato do megatraficante colombiano Pablo Escobar.
Ex-correspondente no
Exterior e com passagem pelos principais veículos de comunicação
brasileiros, o
jornalista Paulo Henrique Amorim, 68 anos, pilota o Domingo
Espetacular,
a revista eletrônica da Record que concorre contra o Fantástico, da
Globo, e mantém o acessadíssimo site Conversa Afiada, referência
de
jornalismo independente. "Se eu não chutasse o balde agora, eu
acabaria
não chutando nunca mais".
Nesta entrevista, acionando sua habitual irreverência e
língua ferina, PHA atira para todos os lados. Desanca a mídia que chama
de
golpista, detona a nova geração de jornalistas, aposta que o personagem
do
Vesgo, do Pânico, tem mais chances que o Serra na corrida presidencial e
ironiza
os quinze anos do governo tucano em São Paulo. "A única obra que eles
têm para
mostrar é o rouboanel, cuja peculiaridade é cair". Não bastasse, ainda
desmonta
o mito Paulo Francis, que ganhou recente documentário no cinema. "Era um
péssimo
colega, ocioso, que tinha horror de ser brasileiro."
O jornalismo perdeu relevância?
Jamais perderá porque é um instrumento pelo qual as pessoas
se informam. Tem função essencial numa democracia. Thomas Jefferson dizia que
não poderia haver uma democracia sem imprensa. O que está acontecendo é uma
acelerada decadência, sobretudo no Brasil, da imprensa escrita, que foi durante
muito tempo o padrão e o referencial do jornalismo.
A informação chega até nós ou temos de aprender a
procurá-la?
Funciona como num supermercado, que oferece um milhão de
opções. Aí você escolhe o produto por preço, qualidade, experiência. Se você
visitar o site Conversa Afiada, que eu tenho a honra de dirigir há quatro
anos, você sabe o que esperar dele. Diz coisas muito parecidas, com coerência
indiscutível. Então, se você vai comprar aquela marca de biscoito é porque você
conhece o fabricante, gosta do preço, da embalagem, do sabor. Você não fica
nervoso ou preocupado porque existem outras cem marcas de biscoitos na
gôndola.
Mas a informação que chega é de qualidade?
No Brasil é de baixíssima qualidade, parcial, deturpada e
insuficiente. Os jornais impressos ainda determinam boa parte da agenda das
outras mídias e da agenda política do país. O professor Wanderley Guilherme dos
Santos, notável professor de Ciência Política do Rio de Janeiro, disse que o
poder da mídia impressa é o poder de gerar crises. Para mim ela é golpista,
desde que conseguiu matar Getúlio Vargas ou contribuiu para ele se matar em
1954. Ela até deu um golpe em 1964, quando entrou no Palácio do Planalto com as
botas dos militares na deposição do presidente João Goulart. Se você pegar a
imprensa argentina, tão conservadora quanto a brasileira, notará a diferença. O
Clarín, o La Nacion, o Página 13 são publicações bem melhores. Os jornais
brasileiros são um lixo.
Os jornalistas de hoje são mais preparados?
Claro que não. Eles dizem aquilo que os patrões
queriam que eles dissessem e eles dão a entender que dizem aquilo como se fossem
as suas próprias idéias. As redações de jornal são hoje ocupadas por
mauricinhos, meninos de classe média, filhinhos de pai rico, tudo branco,
cheirosinhos, que nunca viram pobre na vida e não têm nenhum compromisso com a
sociedade brasileira.
Como você vê o futuro do jornalismo?
Brilhante, porque será independente da imprensa escrita. A
sociedade está se educando, entrou para o PROUNI, tem acesso à banda larga, lê
mais livros. Tudo isso demanda mais informação, que pode vir pela tevê, rádio,
revista, celular, internet, redes sociais, até de carrinho de mão. Não estaremos
mais à mercê das famílias Marinho, Frias, Civita e o que sobrou dos Mesquitas,
que condicionavam e condicionaram durante muito tempo a opinião pública
brasileira. Eles são uma praga, um rotavírus.
Acha que a mídia impressa brasileira age como um partido
político de oposição?
Desde 2002 o objetivo da imprensa brasileira tem sido o de
derrubar o presidente Lula. E não conseguiram porque o Lula é melhor que todos
eles. O presidente pega o Globo, a Veja, a Folha e o Estadão, mistura tudo, põe
no liquidificador e toma com suco de laranja.
Na sua opinião, por que a grande mídia teria implicância
com o governo Lula?
É uma oposição histórica entre a imprensa escrita brasileira
e o trabalhismo. Começou com Getúlio Vargas, depois Jango, Brizola e agora Lula.
A diferença é que nesse intervalo de tempo houve uma concentração geral de
mídia. Por isso criei a expressão PIG – Partido da Imprensa Golpista. A imprensa
no Brasil é uma ameaça à sobrevivência das instituições democráticas, à
democracia brasileira. Antes eu chamava a Folha, o Estadão, o Globo, a Veja e a
Rede Globo de Televisão de mídia conservadora e golpista. Mas era uma expressão
rebuscada. PIG é melhor.
A grande mídia estaria definhando…
De forma melancólica. A Veja, a última flor do fascio, foi
entregue a salteadores. Na Globo, o diretor de jornalismo Ali Kamel comporta-se
como o inquisidor-geral Torquemada. Já a Folha é dirigida por um direitista
enrustido que não tem a hombridade política de assumir suas posições políticas,
que escreve de maneira inacessível e muita chata sobre assuntos irrelevantes e
de forma irrelevante, que pensa ser um grande intelectual. Ele faz parte desse
conjunto que eu denomino de deidades provinciais. Um dos bustos da província de
São Paulo é o do Otavinho. Tem também o do Daniel Piza, que enforcou Jesus
Cristo. Tem ainda o busto do publicitário Luiz Gonzáles, que faz a campanha do
Serra e é um gênio. Ele fez a campanha do Alckmin em 2006, que entrou para a
história da política universal porque no segundo turno o Alckmin conseguiu menos
votos que no primeiro.
Faltou falar do Estadão…
Ao menos tem mais coerência e é tão moderno quanto os donos
do café do século 19. Se você gosta de acompanhar o pensamento escravocrata
daquela época basta ler o Estadão. É um jornal que está preocupado com a tomada
do palácio de inverno de São Petersburgo no século 19 e com as ocupações do
MST.
Você que trabalhou na Globo não estaria cuspindo no prato
que comeu?
Na evolução da humanidade mudamos do regime da escravidão
para o regime capitalista. No primeiro, o trabalhador era escravo do dono. No
segundo, passou a ser assim: o dono me paga para eu trabalhar para ele, em troca
de remuneração. Quando eu não quero mais trabalhar para ele, vou embora
trabalhar para outro. E se ele não me quer mais, me manda embora e contrata
outro. Por que tinha de trabalhar lá a vida inteira? Quem disse que a Globo é um
bom emprego? É uma prisão de segurança máxima. Ou você diz aquilo que o patrão
quer ou é fuzilado.
Por que o Lula não enfrenta o PIG?
Ele não peitou a grande mídia, cometeu um erro estratégico,
considerou que poderia dar um nó no PIG, embora tenha até conseguido porque o
PIG está desencontrado, vive de fabricar uma crise falsa por dia. Ele deveria
ter criado mecanismos institucionais para oferecer alternativas ao PIG, que não
é a TV Brasil. Não importa que Lula levasse pau, qual o problema? O Brizola era
tratado pela Rede Globo como se fosse um cão sarnento e ganhou duas eleições
para governador do Rio de Janeiro. O Kirchner foi eleito na Argentina alvejado
pela mídia local e a mulher dele depois se elegeu sem dar uma única entrevista.
Lula perdeu a chance de criar mecanismos para que a sociedade brasileira tenha
informação de forma democrática, plural e isenta.
Ele teria se curvado ao poder da Rede Globo…
Quando trabalhei na Rede Globo, era proibido ter o som de
Lula, ouvir a sua voz. Se ele falasse javanês ou sânscrito, a sociedade
brasileira não saberia, só se mostrava a sua imagem. Aí teve o famoso debate
Lula x Collor, em 1989, quando a Globo entrou para a antologia da manipulação
política através da televisão. Então ele se elege em 2002, num domingo, e dá
entrevista exclusiva para o Pedro Bial. No dia seguinte, ancora o Jornal
Nacional ao lado da Fátima Bernardes e do William Bonner.
O PIG é tucano?
É porta-voz dos interesses da elite brasileira. Uma parte da
sociedade brasileira tem dificuldades em admitir que exista uma alternativa
política que não seja a que sempre nos governou. O símbolo dessa elite
preconceituosa é o governador paulista José Serra. Ele é candidato a presidência
da República, ex-ministro da Saúde, ex-ministro do Planejamento, ex-secretário
do Planejamento, ex-deputado federal, ex-senador da República. Dê uma idéia
gerada por ele. O que o Serra pensa? É um conjunto em branco, uma nulidade.
Aliás, é inacreditável que os tucanos de São Paulo se elejam aqui. O PIG
paulista vende ao Brasil a idéia de que São Paulo é a Chuiça brasileira: tem o
dinamismo econômico da China e o IDH da Suíça.
O paulista é enganado?
E não percebe. Os tucanos governam o Estado há quinze anos e
a única obra que construíram foi o rodoanel, mais conhecido como rouboanel, que
tem como peculiaridade cair. O Alckmin, quando governador, represou o rio Tietê
e disse que nunca mais haveria enchentes em São Paulo. No dia em que o PCC
governou a cidade de São Paulo por dois dias, ele disse que o governador era o
Cláudio Lembo. São Paulo abriga mais pobres que o Rio de Janeiro e os tucanos
passaram quinze anos fingindo que não os viam. Aí, quando desabaram as chuvas, a
pobreza se afogou e eles se deram conta de que eles existem.
Mas a pobreza não é igual em todos os lugares?
A pobreza em São Paulo está confinada em Sowetos. Você é
capaz de morar no Morumbi, trabalhar na Rua Augusta e nunca ver um pobre. No Rio
de Janeiro a pobreza invade a sua janela. Os tucanos acham que o pobre de São
Paulo tem a mania de morar em barranco, em áreas de risco, quando podiam viver
no Morumbi, nos Jardins e na Vila Nova Conceição.
FHC deixou alguma herança positiva?
Os oito anos de reinado de FHC compuseram a ditadura do
pensamento único. Como se sabe, ele era portador do conhecimento universal, foi
ele quem descobriu a Lei da Gravidade. Um dia ele estava sentado em
Higienópolis, debaixo de uma macieira, e aí caiu uma maçã na cabeça dele.
Pronto, ele inventou a Lei da Gravidade. Ele é o Farol de Alexandria. O FHC fez
tudo o que queria. O resultado foi um período governamental de trevas, que
associou a mediocridade à inação.
Quem vai ganhar as eleições presidenciais?
Não sei. Se o Serra se candidatar, o Vesgo, do Pânico, tem
mais chances. Mas duvido que ele saia candidato. O Serra não irá correr o risco
de ceder o governo paulista ao vice Albert Goldman e deixar que seja eleito em
São Paulo um candidato de oposição, como é provável que aconteça. Ou entregar ao
Geraldo Alckmin, que quer ver o diabo na frente, mas não quer ver o Serra. Se o
Alckmin ganha o Palácio dos Bandeirantes, não vai nem servir café para ele.
Também acho que será uma campanha entre Lula e FHC. A oposição está querendo
sepultar o FHC, enfiá-lo naqueles esgotos que têm no Jardim Romano. Se pudesse,
o PSDB o seqüestrava e o mandava para o Haiti. O Lula vai pendurar o FHC no
candidato da oposição, quem quer que seja o adversário da Dilma.
A Marina Silva pode ser uma terceira via?
Quem? Qual? Ela é uma traíra, foi ministra do Lula durante
sete anos, saiu e agora fica criticando o governo. Faz parte do mesmo grupo de
traidores a que pertence o senador Cristóvão Buarque. A Marina engrossou a
comunidade de traíras.
No site Conversa Afiada você fala
tudo o que pensa?
Cada vírgula minha tem uma mira, nada ali é gratuito, digo o
que estou com vontade de dizer. Acho que consegui, debaixo de muita porrada,
preservar esse espaço. Conhece a história do Rubem Braga? Era colunista da
revista Manchete. Um dia ele foi pedir aumento ao Adolfo Bloch, que respondeu:
´Você escreve isso aí em meia hora´. Aí o Rubem rebateu: ´Eu escrevo isso aí em
quarenta anos e meia hora´. Eu tenho essa liberdade porque estou na estrada há
cinco décadas. Entrei numa redação de jornal aos 17 anos, estudante de colégio,
para ser foca na renúncia do Jânio Quadros. Estou lutando para ter minha
independência desde 1961. Se eu não chutasse o balde agora, não chutaria nunca
mais.
Viu o documentário sobre Paulo Francis?
Não vi e não gostei. Eu o lia na época em que ele era
trotskista, apoiava o Jango e chamava o Carlos Lacerda de matador de mendigos.
Depois, ele caiu no colo da direita e morreu abraçado no regaço do fascismo.
Convivi com ele no escritório da Globo em Nova York. Era uma convivência
deplorável, um péssimo colega, ocioso, tinha horror do Brasil, vergonha de ser
brasileiro, queria ser americano embora falasse inglês como um escolar da
Nigéria. Estou achando interessante. Recuperaram o Wilson Simonal e o Paulo
Francis, a próxima obra do documentarismo brasileiro será resgatar o coronel
Ulstra, que será transformado no novo Duque de Caxias.
Qual foi o seu maior furo de reportagem?
Fiz um Globo Repórter inteiro sobre os ursos polares
da ilha de Kodiac, no sul do Alasca, ameaçados de extinção. Eu estava
acompanhado de um guarda florestal e cheguei a poucos metros de distância deles.
Há dois anos cobri para o Domingo Espetacular um tiroteio na favela da
Mangueira. Era sobre o desmonte de um muro que os traficantes haviam construído
no alto do morro, com aberturas estratégicas para disparar contra a polícia. Só
subi porque tinha a garantia da polícia que estava tudo sobre controle. Mas
qando cheguei lá, choveram tiros.
E a maior lambança?
Quando eu era correspondente da Veja em Nova York, em 1968,
fui cobrir a campanha a prefeito do escritor Norman Mailer. Eu estava
acompanhado do escritor Fernando Sabino, que ia escrever crônicas para o Jornal
do Brasil. Fomos ao escritório do candidato e sua assessoria sugeriu que
acompanhássemos uma carreata que sairia na manhã seguinte, que disponibilizariam
vaga para nós num dos carros. Às seis da madrugada estávamos a postos em frente
à casa de Mailer, no Brooklyn, em pleno inverno novaiorquino. De repente começou
a sair gente da residência dele e logo lotaram os automóveis. Vimos que não
tinha sobrado lugar para nós. Aí passou aquele camarada da assessoria de
imprensa gritando: ´Sigam a gente´. Ficamos ali, feito dois imbecis. Fomos a uma
cafeteria. Ao menos o papo com Sabino foi muito agradável.
De onde vem o humor e a língua solta?
Sou carioca.