Aldeia Nagô
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Eu, a Folha, o jornalista e o senador por Geraldo Galindo

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Época de ditadura. Governo FHC. Pensamento único neoliberal em vigor
com força descomunal. Só na imprensa alternativa, vozes discordantes –
poucas. Esquerda confusa com o impacto dos destroços do muro de Berlin.
Situação difícil, dificílima. Nós na defensiva, eles no ataque – um
verdadeiro bombardeio ideológico. O fim da história.


Era eu diretor de imprensa do Sindicato dos Bancários que publicava um boletim diário. Como não era fácil arranjar notícias para completar a edição, criamos uma coluna denominada "Temas e Debates", onde enchíamos lingüiça e por ali sempre completávamos os espaços vazios. Escrevia com freqüência eu e catávamos artigos de articulistas mais avançados- raros no período de resistência.
 
FHC fora a Recife e o ônibus da comitiva presidencial teve como saudação popular uma saraivada de ovos e tomates. Um conhecido jornalista da Folha, desses burguesinhos que passeiam pelo mundo "defendendo as crianças" e se enriquecendo, assinava uma coluna diária para a família Frias.  Numa delas rotulou os manifestantes de Pernambuco de "delinqüentes". Uma janela: interessante como no Brasil qualquer manifestação popular é duramente criminalizada pelas elites, enquanto na Europa, na Ásia, são comuns, naturais, o uso de coquetéis molotov, bombas caseiras e instrumentos mais radicais nos eternos conflitos da luta de classes.
 
Foi aí que me envolvi numa confusão com o jornalista e um famoso senador – acho que no momento nas profundezas do inferno. Escrevera eu um pequeno artigo na coluna citada, fazendo críticas duras ao almofadinha neoliberal, argumentando que era ele o  delinqüente,  ao chamar de bandidos os trabalhadores que resistiam a entrega da nação feita por uma  quadrilha que entregava o patrimônio nacional a preço de banana.
 
Jamais imaginaria que um simples panfleto sindical chegaria à redação do maior jornal do país. Um bancário do antigo Banco do Estado da Bahia, que lera os dois artigos, pegou o meu e endereçou ao serviçal da elite paulista no jornal que ofereceu suporte aos torturadores do regime limitar.
 
Para minha surpresa, quando abro a Folha, encontro o rapazinho furioso, me fazendo ataques grosseiros, inclusive me comparando a um a senador  autoritário e inescrupuloso. Como aquilo não podia passar em branco, enviei carta à Folha dizendo que se o jornalista e o próprio jornal não se retratassem eu os processaria por calúnia. Comparar uma pessoa de bem a aquela excrescência, a aquela podridão moral, é a mesma coisa que chama-lo de ladrão, corrupto, larápio e coisas piores.
 
No outro dia aparece uma carta do senador, ameaçando processar os dois, caso a polêmica entre ambos continue usando seu nome e sua imagem de homem honrado. Imagine, leitor, um homem que acumulou cerca de R$400 milhões sem nunca ter trabalhado na vida se considerar uma reserva moral. É o fim do mundo.
 
O jornal decidiu encerrar o debate. Não era pra menos. Se aquela polêmica continua, iria render muito. Confesso que me diverti bastante – dou risada até hoje.  
 
(*) Geraldo Galindo escreve quando bebe e bebe quando escreve 

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