Aldeia Nagô
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Falsa surpresa, outra verdadeira e a revelação por Mino Carta

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

Registro neste derradeiro mês de 2010 uma falsa surpresa, outra
verdadeira e uma revelação. A surpresa que não houve vem do WikiLeaks e é
de amplo raio.

O WikiLeaks­ demonstra apenas no plano mundial o baixo
QI da diplomacia americana e, em perfeita afinação em relação ao
Brasil, que os representantes de Tio Sam aqui sediados baseiam seus
despachos na leitura de Veja, Estadão, Folha e Globo.
Seria esta razão de espanto? De maneira alguma, está claro. E seria
verificar que Washington, como informa o ­WikiLeaks, faz lobby contra a
lei do pré-sal a favor das irmãs do petróleo?

O petróleo é deles? – Telegramas confidenciais
remetidos pelos diplomatas americanos para o Departamento de Estado
mostram profunda contrariedade diante das mudanças introduzidas pelo
governo Lula nos sistemas de exploração do nosso petróleo. E surge em
cena uma certa Patricia Pedral, diretora da Chevron no Brasil. Ela acusa
o governo de fazer uso “político” do modelo, mas não perde as
esperanças. “As regras sempre podem mudar depois”, teria afirmado, o que
também implica confiança no poder de persuasão das irmãs petroleiras e
do próprio Tio Sam. Os métodos deste poder são bastante conhecidos,
passam pela chantagem e pelo tilintar dos dólares.
Surpresa? Nem pensar. Segundo dona Patricia, em novembro do ano passado
ela teria recebido de José Serra a garantia de que, eleito, mudaria as
regras. Não sei até que ponto dona Patricia é confiável. Pergunto, de
todo modo: se a promessa de Serra existiu, cabe espanto? Obviamente,
não. Eleito em lugar de Dilma Rousseff, ele faria a vontade da sua turma
e da mídia nativa. O tucanato é assim mesmo. É do conhecimento até do
mundo mineral que Fernando Henrique sonhou em privatizar a Petrobras
até onde fosse possível. Difícil é imaginar que Serra presidente
deixaria por menos. Vejam só do que nos livramos.

O escândalo é outro – Surpresa autêntica é proporcionada por um livro publicado, O Escândalo Daniel Dantas.
Poderia ser da autoria dos advogados do banqueiro orelhudo, e não nos
deixaria de queixo caído. Dá-se que quem escreve, e não há defensor de
Dantas habilitado a realizar trabalho melhor, é um jornalista, Raymundo
Rodrigues Pereira, de hábito empenhado em nobres causas, a me merecer
desde sempre amizade como indivíduo e respeito como profissional.

Raymundo me presenteou recentemente com seu livro e com uma coletânea
de ensaios sobre a obra de um criador de cinema que ambos admiramos,
John Ford. Eu já estava informado a respeito do conteúdo de O Escândalo Daniel Dantas
e cuidei de não lê-lo para evitar que ventos malignos soprassem entre o
fígado e a alma. Disse apenas ao velho amigo e companheiro de algumas
aventuras: “Concordamos quanto a Ford, discordamos quanto a Dantas”. No
livro ele aponta Carta­Capital como uma publicação que perseguiu Dantas injustamente e eu fingi ignorar.

Na Folha de S.Paulo, de 10 de dezembro, entrevistado por
Frederico Vasconcelos, ele volta à carga. Diz que por trás das
reportagens publicadas contra o banqueiro do Opportunity – e no caso de CartaCapital,
segundo ele teriam sido cem, número talvez exagerado, mas pouco
importa – “estavam os fundos de pensão, a canadense TIW, a Telecom
Italia e Luiz Roberto Demarco (ex-sócio de Dantas)”, conforme relata
Vasconcelos. Ou, por outra: CartaCapital prestou-se a um jogo
sujo, não se esclarece a que preço. Vale soletrar o contrário: o
orelhudo, que assim chamamos por sua comprovadíssima obsessão no uso
desbragado do grampo, tentou amansar CartaCapital por meio de polpudo contrato de publicidade, obviamente ineficaz. Que fazer, a gente não está à venda.

Não me permito ilações sobre as razões de Raymundo e até que ponto
ele se dispôs a servir aos interesses de amigos chegados ao orelhudo.
Diante da grave ofensa, cometida contra esta revista e vários honrados
jornalistas, declaro meu suspanto, misto de susto e espanto, como diria o
próprio Raymundo, desta vez entregue a um gênero de jornalismo que
sequer posso classificar como de péssima qualidade. Não há dúvidas de
que ele conversou longamente com seu herói e apaniguados. Não procurou,
contudo, os vilões, os profissionais que ofende, a começar por Rubens
Glasberg, dono de um arquivo completo a respeito de Dantas e suas
façanhas.

Não há uma única, escassa reportagem de CartaCapital que não
tenha sido baseada em documentos irrefutáveis para provar as inúmeras
mazelas dantescas e as condenações que colecionou, em Cayman, em Nova
York, em Londres, por uma corte internacional. E é muito estranho que
jornalistas, mercenários segundo Raymundo, processados pelo orelhudo,
cinco vezes Glasberg, duas vezes o acima assinado, incontáveis Paulo
Henrique Amorim, tenham saído vencedores destes embates judiciários.

Papai Noel a risco – E agora a revelação, que devemos agradecer à revista Veja:
Papai Noel existe. Trata-se de um milagre. Metido naquelas fartas
roupas de lã, botas e capuz, arrastado para o trópico a bordo de um
trenó puxado por renas à espera da neve impossível, ele resiste impávido
ao nosso verão. Na minha infância, celebrava-se Jesus Menino, que,
como todos, veio ao mundo nu. Em um Natal desses, Papai Noel bate
literalmente as botas. Coisas de um país onde há quem gostaria de
privatizar a Petrobras e acha DD um capitalista exemplar.

Artigo publicado originalmente na Carta Capital

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