Aldeia Nagô
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Fim da onda neoliberal por Luiz Carlos Bresser Pereira

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

O socorro ao Bear Stearns e as revoltas em países atingidos pela alta de
preço de alimentos marcam esse fim inglório
.


CHEGOU AO fim a onda ideológica neoliberal que dominou o mundo nos últimos 30
anos no quadro da hegemonia americana.

Dois fatos ocorridos nas últimas
semanas marcaram esse fim inglório; de um lado, o socorro do banco de
investimento Bear Stearns; de outro, as revoltas populares em vários dos 33
países hoje seriamente atingidos pelo aumento dos preços dos alimentos. Essa
ideologia reacionária que visava reformar o capitalismo global para fazê-lo
voltar aos tempos do capitalismo liberal do século 19 revelou ter fôlego curto.
E não poderia ser de outra forma, já que estava em contradição com os avanços
políticos e institucionais que transformaram o Estado liberal do século 19 no
Estado democrático e social da segunda metade do século 20.

Apoiada na
hegemonia americana, a onda ideológica neoliberal teve início em 1980, com a
eleição de Ronald Reagan, e chegou ao auge nos anos 1990, com o colapso da União
Soviética, mas nos anos 2000 entrou em declínio. Três fatores contribuíram para
a crise: 1) o fracasso das reformas e da macroeconomia neoliberais em promover o
desenvolvimento econômico dos países periféricos que a aceitaram; 2) o desastre
político e humano representado pela guerra contra o Iraque; e 3), mais
recentemente, a grande crise bancária que a desregulamentação financeira
facilitou.

Nos últimos dias, a intervenção para salvar um banco de
investimento e a ameaça de fome causada pela elevação dos preços dos alimentos
marcam definitivamente o fim da utopia neoliberal de uma sociedade regulada
principalmente pelo mercado. Não preciso de maior argumentação para demonstrar
por que o socorro do Bear Stearns tem esse sentido. Conforme afirmou na ocasião
Martin Wolf abrindo seu artigo semanal, "lembre a sexta-feira, 14 de março de
2008: foi o dia em que o sonho de um capitalismo de livre mercado morreu".
 (Folha, 26/ 3/08). Engana-se, porém, Wolf em falar em "sonho". Trata-se antes de
um pesadelo, porque, se é verdade que o mercado é um excelente alocador de
recursos, mesmo nesse campo precisa de regulação para evitar instabilidade. Já
em relação aos demais valores que a humanidade tão arduamente construiu, o
mercado é cego, ignorando os princípios mais elementares de honestidade,
proteção da natureza e justiça social.

Essa cegueira assumiu caráter
dramático com a notícia de que as populações pobres de pelo menos 33 países
estão ameaçadas de fome devido à alta dos preços dos elementos. Se a ideologia
neoliberal dominante nestes últimos 30 anos não houvesse se encarregado de
convencer os países pobres de que não precisavam de suas culturas de produtos
alimentícios, de que era mais econômico especializar-se em alguma outra
atividade (geralmente de valor adicionado per capita igualmente baixo) e
importar seus alimentos básicos, os povos desses países não estariam agora em
justa revolta.

Creio que existem boas razões para acreditarmos no
desenvolvimento econômico e político dos povos. É absurda, porém, a ideologia
que pretende alcançar o bem-estar econômico capitalista sem se beneficiar do
desenvolvimento político democrático -sem contar com a ação corretiva e
regulatória do Estado democrático e social que tão arduamente a sociedade
moderna vem construindo e do qual faz parte um mercado livre mas regulado. Não
teremos saudades do neoliberalismo.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio
Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do
Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é
autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no
Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br  
Publicado originalmente na Folha de São
Paulo

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