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Geraldo Vandré e Antônio Palocci, uma infeliz comparação por Armando Rodrigues Coelho Neto

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Eram tempos nos quais militantes do Partido dos Trabalhadores ainda vendiam estrelinhas nas cercanias do Teatro Municipal e da Praça da Sé, em São Paulo.

Ali, e já ali, o jornal Folha de S. Paulo, zelosa com a moralidade, questionava a origem do dinheiro que financiava as pobres campanhas do PT. Era mais fácil especular se o dinheiro de camisetas e estrelinhas bancavam mesmo as campanhas da espartana agremiação, do que saber, desde então, como as grandes campanhas eram financiadas e a que título. Afinal, era presumível que o PT mal elegeria vereadores, deputados e não ameaçaria o modelo social dos Frias, Mesquitas e Marinhos, pré-Moro.

Sob a égide da plutocracia, as disputas se davam entre as oligarquias, mera contenda entre famílias ricas, como se o Brasil fosse uma cidadela interiorana qualquer, controlada por coronéis e seus currais eleitorais. Quando não eram elas próprias, eram os prepostos das tais famílias. Olhos voltados para os umbigos e sua identificação espiritual com a corte imperial, povo não importava, pois não sabia votar – conforme as filosofices do Rei do Futebol. Mas, pouco a pouco, eleição após eleição, o descaso social serviu de adubo para formar a massa que mais cedo ou mais tarde se transformaria em eleitores de Luis Inácio Lula da Silva.

Sim. Sem qualquer rigor cronológico, Lula começou a crescer, o PT já não precisava vender estrelinhas, pois os empresários começaram a ficar de olho na força política que emergia. E foi assim que surgiram os Paloccis da vida até dentro da Polícia Federal, onde segmentos maçons advertiam: cuidado! O PT está crescendo!. E, por força da Constituição Federal de 1988, garantir segurança dos candidatos se tornou tarefa da PF. Enquanto muitos policiais tinham preferência pela segurança dos bem cotados nas pesquisas, outros por simpatia ou esperteza se aproximaram do terceiro colocado.

Eleição perdida, na próxima Lula voltava mais forte. Mais empresários e mais policiais com visão de futuro “colavam no Lula”. Como diria mais tarde o meu mestre Ricardo Kotscho, “já que não encheram o saco, manda aqueles da eleição passada”. Logo eclodiu entre policiais federais o sonho de que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República pudesse ficar a cargo da instituição. Um sonho que segundo um policial federal de Brasília, acabou em dezembro de 2002, numa rápida reunião em São Bernardo do Campo. “O Márcio (Thomaz Bastos) é quem vai decidir”, teria dito Lula. E o Exército ganhou a briga.

Por que falo da PF? Por ser uma instituição ultraconservadora (hoje pior), mas até dentro dela houve quem elaborasse um discurso de esquerda para colar na força política que emergia, ainda que poucos tenham honrado o tal discurso. Os que não honraram foram os Paloccis da vida – a imagem do escárnio. Como bem disse Lula, digno de pena. E como muitos dizem, em sua carta de desligamento do Partido dos Trabalhadores, apenas a assinatura é dele. Isso pode ser um paradoxo, pois não se sabe bem a destinação que Palocci daria aos milhões conquistados licita ou ilicitamente.

O fato é que “nas torturas toda carne se trai” (José Ramalho) e não sei bem o limite físico de um empresário ganancioso, convenientemente leal, nem de um “militante de uma seita”, frase que jamais Palocci usaria, por ser privativo linguajar da extrema direita brasileira. Seita? Como assim? O PT, partido ao qual não sou filiado nem tenho procuração para defender, tem um programa partidário. Eu, por exemplo, votei e votarei nesse programa. Lula não é uma seita, mas sim um talentoso arregimentador de votos para esse programa. E, obviamente, é digno de louros e admiração por esse talento.

Mas… seita? Esse linguajar é denunciante. É irmão siamês da “esquerdopatia”, da “sociopatia” – expressões abomináveis com que a burrice crônica e a truculência costumam tratar olhares sensíveis sobre a desgraça humana. Não, não, Palocci pode ser um aloprado sem vocação para o heroismo, mas o teor daquela carta eu já li nalgures. Conheço a versão verbal, escrita, radiofônica, televisiva, tuitada e feicibucosa do teor daquela carta. Não estou bem certo, mas posso ter sido ouvida em palestras de Moros, Marinhos e Malafaias, Danilos, Daiellos e Dalagnols pois é muito mais a cara dessa gente do que de qualquer Palocci medíocre arrependido!

O “arrependimento” de Palocci é uma violência ao espírito internacional consagrado pelo instituto da “Colaboraçao Premiada”. Segundo a melhor doutrina, o arrependimento antecede a qualquer ação policial e ou judicial. Se o arrependimento ocorre após qualquer intervenção dessa natureza, peca pela essência. Os benefícios de uma colaboração correspondem a um prêmio pelo arrependimento, o que é muito diferente quando a confissão se dá pela perda da resistência. No caso, o nome é tortura – uma ideia muito difícil de compreender, para quem o significado da dor é um dedo preso na porta.

Desse modo, na era dos eufemismos e do veto às metáforas, o golpe não pode ser chamado de golpe. Do mesmo modo, a tortura mental (intelectual) promovida pela Farsa Jato (prender para coagir confissões – atire depois pergunte) também não pode ser tratada pelo nome. Não custa lembrar que as torturas, ainda que não previstas em lei eram toleradas e comuns durante o regime ditatorial militar. Hoje, contam com a anuência da ex-suprema corte (vulgo STF) e até já se defende prova ilegal “obtida de boa fé”. E aí? Rasgo meu título, meu diploma de Direito ou os dois juntos?

A carta de Palocci muito lembra os “arrependimentos” durante a ditadura militar, quando “subversivos” eram forçados a gravar vídeos veiculados no Jornal Nacional da TV Globo (ela! Sempre ela!). Neles, militantes de esquerda se confessavam errados, que foram induzidos em erro, todos usando um discurso elaborado pelos capitães do mato da ditadura. Tática de desmoralização dos opositores do regime.

O livro “O terror renegado”, da historiadora Alessandra Gasparotto, mostra que os tais “arrependimentos” durante a ditadura militar foram utilizados como tática de guerra psicológica. Por meio deles, promoviam o descrédito das organizações de esquerda frente à opinião pública. Criaram a imagem dos “traidores” e “desbundados”, uma manobra macabra que hoje, ao que tudo indica, é reproduzida pela Farsa Jato. A carta de Palocci, ainda que longe do que possa ser chamado homem de esquerda, é uma cópia mal feita da vigarice de 1964.

O caso mais clássico de “arrependimento” foi protagonizado pelo artista Geraldo Vandré. Exilado, chegou a ser internado no Chile. Os militares impuseram o “arrependimento” como condição para sua volta. Após difíceis negociações, retornou em julho de 1973. O Jornal Nacional exibiu como sendo atual um vídeo gravado um mês antes. Nele, Vandré renegou sua história, entrou para o anonimato e para a História. Mas, até hoje a canção “Pra Nâo Dizer que Não Falei das Flores” é lembrada como obra prima da resistência.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/noticia/geraldo-vandre-e-antonio-palocci-uma-infeliz-comparacao-por-armando-coelho-neto

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