Grande imprensa, subtexto do serrismo por Gilson Caroni Filho
A
mídia nacional é um subtexto do serrismo e seus métodos de mentira e
truculência. Ao contrário da versão grega, as cassandras de redação não
têm sensibilidade ou lucidez. Por elas, Tróia seria aniquilada sem
problema.
Novamente,
como costuma fazer em ano pré-eleitoral, a imprensa decreta que o
Partido dos Trabalhadores está em crise, dividido irremediavelmente,
com sua direção nacional politicamente aniquilada, envolvida em
negociações "não republicanas", colidindo frontalmente com os valores
morais aceitos pela opinião pública. Os editoriais não deixam dúvida: o
quadro escuro ficou mais negro e a crise mais ameaçadora. A Cassandra
midiática implora a Príamo que destrua o cavalo de madeira para salvar
Tróia.
Tal como em 2005, os jornalões repetem a ladainha: o
partido está acabado, nele não resta mais nenhum espírito
transformador, nenhum impulso vital, nenhum princípio a defender. Ao
trocar a luta social pelo poder de Estado, fortaleceu um aparato de
dominação que impediu o renascimento do político sob novas práticas. O
poder, por si só, sem o pulsar dialético de fins e meios, levou ao
pragmatismo fisiológico e ao bolchevismo patrimonialista. É a opinião
de Serra transmutada em certeza editorial.
A expectativa nas
redações, na quarta-feira, 19 de agosto, era de que os senadores
petistas, cedendo à pressão do noticiário e de olho no eleitorado de
classe média, votassem pela reabertura das representações contra o
presidente da Casa, José Sarney. Mas as coisas não saíram conforme o
script. Ideli Salvatti (SC), Delcídio Amaral (MS) e João Pedro (AM)
votaram contra a admissibilidade das ações. Segundo O Globo, o PT foi
decisivo para "enterrar as investigações."
Foi o que bastou
para Cassandra declarar que o partido, "tendo rasgado a bandeira da
ética, se transformou numa sublegenda do lulismo" Estava instalada uma
nova "crise". O senador Flávio Arns (PR) abandonou a legenda e Aloísio
Mercadante ameaçava renunciar ao cargo de líder. O novo fracasso da
grande mídia corporativa não seria engolido a seco. Era fundamental
mostrar as perdas do outro lado. Mesmo que elas não tivessem a dimensão
desejada. A ação foi suficientemente pedagógica para ser ignorada.
Cabe
à militância aproveitar o momento para fazer uma pequena reflexão.
Talvez a palavra crise possa ser entendida, em referência ao petismo,
com sentidos muito diversos. Pode ser compreendida de modo malévolo: o
partido debilitado, apêndice de um projeto de poder que o desfigurou
por completo. É a leitura da direita e de um tipo de esquerdismo sem
qualquer compromisso com a governabilidade.
Mas a crise também
pode ser assimilada com um sentido favorável: pode-se dizer que o PT se
desenvolve em compasso com a dinâmica histórica, através de suas
próprias contradições, e esta é a sua maneira de evoluir e amadurecer.
Todo o problema se resume em caracterizá-la, saber o que dela dizer. Ou
não foi assim que o partido travou os embates mais chegados à classe
trabalhadora, obtendo avanços incontestáveis?
Lutando pela
reforma agrária, pelo direito de greve, pelo salário-desemprego, por
eleições diretas, o PT acumulou força e capital político. Aos que falam
do abandono de antigas bandeiras cabe perguntar se alguém acredita que
estamos diante dos mesmos desafios de 1980? Agimos politicamente ou
reagimos por pura e simples denegação?
Qual a autoridade moral
da imprensa para falar de uma crise entre teoria e prática em uma
agremiação de esquerda? Que código ético lhe autoriza a cobrança? Onde
foi que a divergência entre ambas não se estabeleceu no decurso do
processo político? Onde estão as cláusulas dessa falsa fatura?
Qualquer
ator do campo democrático-popular deve saber que a satisfação de
permanecer fiel às mesmas posturas dos tempos de fundação é, além de
ilusória, ridícula. Necessário é enfrentar as questões do Estado,
deixando claro qual o significado concreto do que definimos como
transformação da realidade social. Só assim avançamos e progredimos
teoricamente.
Instituir uma luta contra o reacionarismo, no
sentido de conhecer qual a força, o núcleo e o terreno de sua ação leva
a um confronto inevitável com a grande imprensa. Esse é um ponto que se
coloca como questão prática, isto é, como questão em torno do
movimento, da luta e do futuro de uma esquerda viável.
O que
se observa no Brasil há algum tempo, e mais caracterizadamente nos
últimos anos, é que pouco a pouco a atuação do jornalismo partidarizado
vai de encontro aos interesses de uma sociedade democrática. Um
acompanhamento analítico da produção de notícias desvenda a engrenagem
das redações. A unificação editorial não deixa dúvida: a mídia nacional
é um subtexto do serrismo e seus métodos de mentira e truculência. Ao
contrário da versão grega, as cassandras de redação não têm
sensibilidade ou lucidez. Por elas, Tróia seria aniquilada sem
problema.
PS: Após conversa com o presidente Lula, o
senador Mercadante decidiu manter o cargo de líder. O site de O Globo
não perdoou. Abaixo da chamada "Lula me deixa numa situação em que não
posso dizer não", o editor formulou uma sugestiva pergunta :"Como fica
a biografia de Mercadante agora?" Perda de tempo da família Marinho. Na
esquerda, o que define a reputação de um homem público é sua
combatividade. Enquetes nada significam.
Gilson
Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio
Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e
colaborador do Jornal do Brasil